José Hiran Gallo
Presidente do Conselho Federal de Medicina
Nunca se falou tanto sobre a violência sofrida por médicos em seus locais de trabalho. Diariamente, relatos incluem desde ofensas verbais até agressões físicas. Em novembro, uma tragédia em Douradina (MS) revelou o ápice dessa crise: o marido de uma paciente assassinou a facadas o médico Edvandro Gil Braz dentro do posto de saúde. No dia 10 de dezembro, no Rio de Janeiro, a médica Gisele Mendes de Souza e Mello morreu após ser atingida dentro do Hospital Naval Marcílio Dias por uma bala perdida durante tiroteio entre policiais e bandidos.
A violência contra médicos em situação de trabalho afeta, em média, três profissionais por dia no país. Levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) junto às polícias civis de 26 estados e do Distrito Federal registra acúmulo de 38 mil ocorrências entre 2013 e 2024.
Esse cenário exige diagnóstico cuidadoso, pois as causas são diversas. Uma das principais é a precariedade do Sistema Único de Saúde (SUS). Diante da demora no atendimento e da falta de recursos, muitas vezes a frustração de pacientes e familiares é dirigida aos médicos, também vítimas desse enredo.
Outro fator preocupante é a ausência de segurança adequada em postos e hospitais. Afinal, a proteção patrimonial não pode ser mais importante que a segurança de médicos, demais profissionais da saúde e pacientes.
Além disso, o silêncio contribui para a sensação de impunidade. Descrentes da eficiência das autoridades, desestimulados pela burocracia e temerosos de retaliações, há profissionais que suportam insultos e agressões, perpetuando um ciclo de violência.
E urgente que o Brasil reconheça a violência contra médicos como problema a ser combatido. Um passo fundamental é a aprovação, pelo Congresso Nacional, de leis que endureçam as penas para agressores de profissionais da saúde. Vários projetos tramitam com essa finalidade. Um exemplo é o PL 4.002/24, que inclui atos dessa natureza no rol dos crimes hediondos.
Entretanto, assim como o diagnóstico do problema é multifacetado, a solução também precisa ser. A aprovação de leis não resolverá o problema sem medidas de gestão para enfrentar o sucateamento da saúde. E indispensável ampliar o número de leitos, comprar equipamentos, manter estoques de insumos e medicamentos em dia e reforçar as equipes médicas. Também são necessários fluxos de trabalho mais organizados e é preciso criar redes de segurança que protejam a integridade física e emocional dos trabalhadores.
Outro caminho é a conscientização da sociedade. Em Mato Grosso do Sul, uma deputada estadual apresentou um projeto de lei que institui uma campanha anual de combate à violência contra médicos e profissionais da saúde. Iniciativas como essa são exemplos de ações que podem transformar o desrespeito numa cultura de valorização. Assim, tragédias como as de Douradina e do Rio de Janeiro não se repetirão, e o respeito e a segurança prevalecerão nos ambientes de assistência.
*Artigo publicado no jornal O Globo, na data de hoje, 02/01/2025.