Escrito por Deborah Pimentel*

Em 2003, foi denunciada em Portugal, a relação de dez mil médicos de várias categorias, divididos pelo grau de indicações terapêuticas medicamentosas que faziam aos seus pacientes, que recebiam bônus sob a forma de viagens para eventos de suas especialidades, graças ao seu compromisso de prescrever medicações de um determinado laboratório, muitas vezes, produtos mais caros que os similares na praça, em condições que se configuravam como corrupção. Mais grave ainda, o fato de que havia uma negociação aberta entre o médico e a indústria na troca da passagens, por acúmulo de créditos para outra viagem, em época de conveniência do médico, para um destino diferente do proposto inicialmente que tinha uma “causa nobre”: a educação continuada. Ainda havia os que trocavam a viagem pelo equivalente em moeda corrente, e só alguns poucos faziam a viagem conforme foi programada inicialmente.

No Brasil isto também acontece segundo entrevista, de Roberto Luiz d’ Ávila, cardiologista e diretor corregedor do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada no jornal Folha de São Paulo. O corregedor afirma que como muitos médicos se beneficiam dessas vantagens, ninguém denuncia e se não há acusações formais sobre infrações cometidas por médicos não há como iniciar um processo disciplinar que poderia levar à cassação do registro profissional destes, e mais, a maioria dos médicos é detentor de uma “elasticidade moral” e não vê problemas em usufruir das delicadezas do laboratório, estabelecendo, de acordo com ele, uma relação promíscua.

A relação entre médicos e a indústria é regulamentada pelo CFM através da Resolução nº 1595/2000 que disciplina a propaganda de equipamentos e produtos farmacêuticos junto à categoria médica e reza também sobre a importância de se declarar em caso de pesquisas os possíveis conflitos de interesse neste relacionamento. De acordo com o primeiro artigo da resolução, o CFM passa proibir a vinculação da prescrição médica ao recebimento de vantagens materiais, entenda-se aqui, viagens, congressos e cursos, por agentes econômicos interessados na produção ou comercialização de produtos farmacêuticos ou equipamentos de uso na área médica.

O segundo e último artigo da resolução do CFM determina que os médicos, ao proferir palestras ou escrever trabalhos divulgando ou promovendo produtos farmacêuticos ou equipamentos para uso na Medicina, declarem os seus agentes financeiros patrocinadores, cabendo-lhes ainda indicar a metodologia empregada em suas pesquisas quando for o caso, ou referir a literatura e bibliografia que serviram de base à apresentação, quando essa tiver por natureza a transmissão de conhecimento proveniente de fontes alheias. E mais, os editores médicos de periódicos, os responsáveis pelos eventos científicos em que artigos, mensagens e matérias promocionais forem apresentados serão também co-responsáveis pelo cumprimento das mesmas formalidades prescritas por esta resolução, que do meu ponto de vista deixa brechas, pois se o médico informa que há um conflito de interesse e que sua participação num congresso, por exemplo, está sendo financiada por uma instituição interessada não se configura em transgressão ética, ratificando a teoria da elasticidade moral.

Marcia Angell, Acadêmica Sênior do Departamento de Medicina Social da Universidade de Harvard, andou escrevendo uma série de artigos que provocaram a ira de muitos poderosos e questionou a ética na Medicina. Seus artigos culminaram na publicação de um livro intitulado, The Truth About Drug Companies que pode ser traduzido como A Verdade sobre as Empresas Farmacêuticas, e que ao que parece, não foi e talvez, não seja nunca publicado no Brasil (pois afinal a quem interessaria?). Seu trabalho teve uma repercussão gigante e provocou mal-estar na indústria de remédios pôr deixar as vísceras do sistema expostas, denunciando esquemas de prescrição de medicamentos recém-lançados, remédios com campanhas publicitárias milionárias e, principalmente, a questionável e delicada relação entre médicos e a indústria farmacêutica.

O relacionamento entre médicos e a indústria, quer farmacêutica quer de equipamentos é uma preocupação universal, em defesa dos pacientes, pelas suas prováveis conseqüências no que diz respeito à perda da independência do trabalho médico ou da contaminação que possa haver na qualidade dos trabalhos de pesquisa realizados pelos professores médicos. É preciso portanto mais fiscalização e mais seriedade de ambos os lados.

Quando é possível fazer escolhas de várias marcas comerciais para um mesmo tratamento, é correto do ponto de vista ético, o médico exercer livre arbítrio, seu legítimo direito de dar preferência ao laboratório que lhe oferece mais atenção, desde que não haja prejuízo para o paciente pelo nível de qualidade e bons resultados do produto oferecido. Essa postura de forma alguma caracteriza perda da liberdade do médico e seria neste espaço a atuação e a importância do marketing farmacêutico que ganharia a preferência e a confiança do profissional. Entretanto existem limites, sobre esta atenção e recompensas desejadas pelo médico.

Os médicos vibram e não dispensam os brindes fartamente distribuídos pela indústria, que vão dos inocentes, como amostras grátis, canetas de plástico, blocos de papel, o Dicionário de Especialidades Médicas e jantares de atualização para apresentar o sucesso de suas medicações e aceitação em números pela classe médica (graças a estes investimentos, diga-se de passagem), aos mais caros ou menos inocentes, que eles próprios demandam aos propagandistas, que são os livros recém-publicados (cujo custo é pela hora da morte) para a sua biblioteca pessoal ou para o departamento da escola onde ensina (menos mal), passagem, hospedagem e inscrição para um congresso médico, cursos para uso de equipamentos ou desenvolvimento de técnicas e procedimentos diagnósticos ou terapêuticos e financiamento para pesquisas e organização de eventos que beneficiam a categoria e indiretamente os pacientes. O problema são as bonificações suspeitas que os colegas comentam disfarçadamente entre si, e que são mais difíceis de serem comprovadas, que vão das viagens de lazer para o exterior e até mesmo mesadas.

Mas existe o outro lado da moeda. Alguns trabalhos de pesquisa de origem anglo-saxônica concluem que 70% do conhecimento que os médicos possuem sobre fármacos são graças ao trabalho dos propagandistas da indústria farmacêutica, e com um dado relevante, as informações são de excelente qualidade. Obá, uma boa notícia, afinal!

Não se pode ignorar ou minimizar a importância da indústria farmacêutica no que tange a esta atualização sobre drogas medicamentosas e também na sua participação em financiamentos de pesquisas realizadas nas universidades, geralmente pobres de recursos, e/ou na organização de eventos científicos que garantem a atualização contínua dos profissionais de saúde. Esta participação é muito importante, e em algumas situações de organização de eventos e pesquisas, muitas vezes vitais e única forma possível de garantir a sua realização. Fica registrado nosso tributo e gratidão à indústria, entretanto, é preciso que os abusos sejam coibidos, lado a lado, pois neste jogo não há inocentes e quem paga a conta é o paciente.

Cada médico deve avaliar as suas posições e convicções e diante do Código de Ética Médica que regulamenta o exercício profissional, deve definir os limites do relacionamento que pretende manter com a indústria farmacêutica e de equipamentos, de forma conscienciosa e ética, sem vender a sua liberdade de prescrever o melhor tratamento para o seu paciente que é incapaz de fazer escolhas e está em uma posição de vulnerabilidade e confiando no seu médico. Doutor, o senhor decide! Confio em você!

* É membro da Academia Sergipana de Medicina e professora de Medicina Legal e Ética Médica da UFS.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


 * Os textos para esta seção devem ser enviados para o e-mail imprensa@portalmedico.org.br, acompanhados de uma foto em pose formal, breve currículo do autor com seus dados de contato. Os artigos devem conter de 3000 a 5000 caracteres com espaço e título com, no máximo, 60.


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