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Escrito por Antonio José Pessoa da Silveira Dórea*


Foi com Asclépio, o deus da medicina que nasceu o “ars curandi”, a arte de curar ou de tratar, que estimulava a sua prática como consolação e escuta do doente, dimensão que pelo menos no Ocidente se encontra praticamente esquecida. O médico imaginado por ele, modelo de equilíbrio, sensatez e sabedoria, deve amenizar a solidão do doente que, desesperado com as mazelas da sua condição precisa ser reconduzido ao conforto do convívio humano. Aristófanes reivindicava ao amor compassivo uma influência fundamental na relação do médico com o paciente. O inglês Wilian Henvey considerado o pai da medicina moderna começa a tratá-la com o status de disciplina científica. J. C. Ismael em entrevista com trinta pessoas, idade variando de 30 a 65 anos, sobre o que esperam receber do médico, quatro atitudes principais foram as indicadas: confortar, escutar, olhar e tocar. Em seguida, os títulos, cursos de especialização, e tempo de formação. Na pré avaliação do profissional, 65% dos entrevistados disseram que a boa aparência e não o luxo do consultório era o principal fator de influência. A importância da atenção e do humor também foi lembrada sugerindo na imaginação do paciente, a qualidade da atenção que vai receber do médico, mesmo porque, ao procurá-lo, está emocionalmente vulnerável, com os sentidos aguçados pela tensão e expectativa. Entre as demonstrações de imperícia, o atendimento apressado e impessoal foi uma das mais citadas.

Confortar – é a mais nobre missão do médico, a síntese perfeita do humanismo pregado por Asclépio e Hipócrates. Não é piedade profissional, é apoiar, amparar, consolar. A doença provoca uma intolerável sensação de angústia, carência, despertando uma necessidade de carinho e afeição. Perguntas formais, prescrições, solicitação de exame, raciocínio diagnóstico, etc., são demonstrações de capacidade técnica.

Escutar – respeitar o próximo significa reverenciar a divindade que cada um traz no seu interior, e escutar o paciente é a maneira mais sagrada de reverenciá-la. Nas religiões orientais a menção ao “outro” é predicado sagrado. No Ocidente, infelizmente tem-se o significado que levar uma vida previsionada por prazos fatais, pressa, e relacionamentos descartáveis seja uma premissa de sobrevivência. A autêntica escuta exige paciência, atenção, interesse. O médico que quiser desenvolver com o paciente uma relação construtiva não pode demonstrar tédio, impaciência, insensibilidade.

Olhar – segundo os gregos, o “rei” dos sentidos. “Nem do escuro o olhar consegue mentir”, já diziam os chineses. Ralph Waldo Emerson, filósofo norte americano, diz que é impossível um olhar ser diferente da ação da mente. O paciente gosta e precisa ser olhado: quer ter a certeza de que existe para o médico, não quer ser apenas um registro de computador. O médico que esqueceu o significado do olhar precisa reaprendê-lo, e também esquecer o computador.

Tocar – no primeiro toque de mão o paciente antecipa o clima da sua relação com o médico. A pressão e a duração do cumprimento a ele dirigido são muito significativos. O médico experiente sabe que para a maioria dos pacientes a consulta já é satisfatória quando são auscultados e apalpados. Os doentes não só precisam da habilidade de quem os trata, mas compaixão e desvelo podem ser transmitidos pelo toque , além da competência profissional.

O médico que presta seus serviços nos limites estritos da relação profissional regulada por um contrato verbal de prestação de serviços, justifica-se como esgotamento físico e mental causado pela profissão: não teria tempo nem condições físicas para ir além da prescrição automática de remédios e exames. O paciente não pode ser parceiro desta situação. Compete ao médico administrar-se racionalmente, não se esquecendo que o ideal da profissão, por ele livremente escolhida, é servir a todos com a mesma atenção e dedicação. É necessário que utilize o seu tempo sabiamente, atenda às necessidades das pessoas, cuide de si mesmo.

O Código de Ética Médica traz as normas de conduta que devem ser praticadas e observadas pelos médicos. O artigo 2º, Capítulo I, aponta que “o alvo de toda atenção do médico é o ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor da sua capacidade profissional”. Fica evidente que zelo, apreço, respeito a condição humana, ao lado da competência técnica, são atributos que o profissional deve ter. O Capítulo V (Relação com pacientes e familiares) enfoca o principio da autonomia do paciente, isto é, prioridade da vida sobre os bens materiais e morais, a responsabilidade no trato com o enfermo, o respeito à sua vulnerabilidade.

Finalizando, as bases éticas na relação médico x paciente estão centradas em princípios e valores. Atenção, sensibilidade, compaixão, devoção, além de justiça, sigilo, beneficência, autonomia, são indissociáveis na interação deste binômio que redundará no êxito profissional. Não podemos desprezar que consciente do compromisso ético profissional, o médico além da solidariedade humana tem papel indispensável no comprometimento político e social inerente ao cidadão na transformação que sofreu o mundo agora globalizado.

Referências Bibliográficas: · Rita, F. G.; Branco, Rodrigues. A relação com o paciente. Guanabara Koogan, 2003. · Conselho Federal de Medicina (Brasil). Código de Ética Médica. Resolução CFM nº 1.246/88 – 6ª edição. · Smael, J. C. O médico e o paciente. 2ª ed. MG Editores, 2005. · Lopes, Mário. Fundamentos de Clínica Médica – A relação Paciente X Médico. Medsi Editora Médica e Científica Ltda. 1997.

 

* Antonio José Pessoa da Silveira Dórea é conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb).

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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