Escrito por José Augusto Soares Barreto Filho*

 

A partir da Constituição Federal de 1988 e da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990 ficou garantido que todos os brasileiros teriam direito ao acesso integral, universal e igualitário, além de gratuito, à serviços de saúde de qualidade. Seria dever do Estado financiar, prover e operacionalizar a infraestrutura necessária para o cumprimento da lei nº. 8.080/1990.

O reconhecimento constitucional de que saúde é um direito universal foi um avanço ideológico substancial. No papel, o modelo de saúde pública idealizado para o Brasil passou a ser um exemplo para o mundo.

Em debates acadêmicos, sempre houve questionamentos se o poder público brasileiro tem de fato condições de gerenciar a complexidade de um sistema de saúde universal de qualidade. Ideologicamente inconteste, o SUS daconstituição ainda é uma utopia.
Atualmente, 75% dos brasileiros são dependentes do SUS. Quem pode, paga plano privado mas mantém o direito ao SUS.

Vários países, mais ricos e estruturados que o nosso, ainda não se renderam ao modelo universal. Mesmo na Suécia, país que tradicionalmente adota o modelo universalizado, uma onda de privatização começa a ocorrer com intuito de aumentar a qualidade assistencial. Em tese, o modelo de saúde gratuito para todos poderia ter sido implantado no Brasil de forma escalonada e por etapas.

Primeiro, contemplando-se as faixas de baixa renda e, posteriormente, expandindo-se gradativamente para as demais classes. Entretanto, a ousadia e idealismo de muitos o planejaram para todos nós desde a sua criação. Se a ineficiência habitual do setor público para gerenciar setores complexos e a limitação de fomento tivessem sido ponderadas naquele momento histórico, a proposta teria sido mais modesta, viável e sustentável.

A partir dessa constatação, colocá-lo no pacote proposto pelos nobres senadores para debelar a crise da qual a classe política é a maior responsável e restringir o direito universal ao SUS atesta que valores superiores não norteiam a tomada de decisão da classe política. A proposta de cobrança de procedimentos do SUS, de acordo com a renda do usuário, recém-lançada, em pleno olho do furacão da crise, é rasgar a lei nº. 8.080/1990, sem ouvir o clamor das ruas.

Antes de retirar nossos direitos constitucionais, os nobres senadores deveriam, ao menos a título de exemplo simbólico, nos informar qual a razão técnica para se montar e fomentar inúmeros subsistemas de saúde que se alastraram nos diversos órgãos públicos estaduais e federais, muitas vezes constando de equipe multidisciplinar em saúde, para atender aos funcionários públicos superiores prontamente, ao menor sinal de desconforto.

Enquanto isso, o usuário do SUS padece por falta de acesso à assistência à saúde mesmo em situações críticas. Professores universitários federais, ou pagam do seu bolso plano de saúde privado, ou enfrentam o caos do SUS. Mais ainda, eles também poderiam nos informar, de forma transparente, o que regula os gastos dos parlamentares com saúde.

Somos de acordo que todos os parlamentares, enquanto no seu cargo, tenham disponível o melhor plano privado complementar do mercado, mas que o adicional cobrado por serviços variados e pelas instituições de saúde seja arcado pelos seus generosos salários. Até avião da FAB já serviu com finalidade de melhorar a estética capilar de determinado parlamentar! Esse fato anedótico representa o cúmulo da iniquidade do sistema de saúde brasileiro.

Contudo, além de inconstitucional, existe outro argumento técnico. Segundo dados da ANAHP (Associação de Nacional de Hospitais Privados), dos quase R$ 450 bilhões gastos em saúde no Brasil no ano de 2013 (9,2% do PIB), 44% foram consumidos em saúde pública. Portanto, no mundo real, o setor privado já financia 56% do gasto em saúde do país.

Esse dado comprova a distorção da saúde pública brasileira na qual o gasto privado é maior que o público, o oposto do que ocorre na maioria dos países. Por exemplo, segundo a prestigiada revista “The New England Journal of Medicine” de 2015 os gastos em saúde obtidos de fontes públicas no Canadá são 70%, na Alemanha 76%, na Inglaterra 82%, na China 63% e na Suécia 82%.

Pior ainda, outra distorção, 56% do gasto em saúde ficam alocados para aproximadamente 25% da população enquanto 44% do gasto são distribuídos para 75% dos brasileiros.

Propor aumentar a contribuição do setor privado em saúde, ferindo a constituição vigente, nunca poderia ter sido uma proposta vinda da elite parlamentar. Convocar a sociedade para o debate técnico, não ideológico, sobre o futuro da saúde pública brasileira e, até revisão da Carta Magna, sim. Tal proposta, lançada na calada da noite e em jantar palaciano, soa como golpe constitucional.

Com a crise, mais uma vez, a classe política teve a oportunidade de responder de forma altiva, altruísta, patriótica e simbólica indicando que o país caminha na busca de menos privilégios e, mais equidade, justiça e respeito constitucional. Mais uma vez, nossa classe política marcou gol contra ao tentar rasgar a constituição para se livrar da gravíssima crise institucional em que nos meteram.

 

* É cardiologista, professor e pesquisador do núcleo de pós-graduação da Universidade Federal de Sergipe – UFS

 

Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 01/09/2015.

 

 

 
    

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