Escrito por Osmar Ratzke*

A Psiquiatria é uma das 52 especialidades médicas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Para exercê-la, o médico, após concluir seu Curso, deve freqüentar mais 2 anos de Residência ou Especialização em Psiquiatria. Deverá também participar, em seguida, do Concurso para Título de Especialista realizado pelas Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Médica Brasileira. Sua existência como especilidade médica data de pouco mais que 100 anos, embora algumas de suas patologias, como a Depressão (“Melancolia”), já fossem conhecidas já nos tempos da Grécia Antiga.

A maneira como a patologia mental foi encarada durante os séculos que se passaram, a partir da antiguidade, sofreu variações, tendo seu pior período durante a idade média, quando os pacientes eram simplesmente considerados como “possuídos pelo demônio” e queimados em praça pública. Na evolução que se seguiu houve um relativo “progresso”, na medida em que muitos pacientes não eram mais queimados, mas sim encarcerados nas prisões, até que, num gesto que é simbolizado como o primeiro passo para a humanização do doente mental, Phillipe Pinel, em Paris, no final do século XVIII, libertou os doentes das prisões.

No século XIX, por mais estranho que, para nós, isto hoje possa parecer, surgiu um movimento de humanização do doente mental, com a criação de sanatórios psiquiátricos que acolhiam os pacientes que antes permaneciam vagando pelas ruas. Estas instituições, no entanto, apenas abrigavam os pacientes, mesmo porque não havia recursos tecnológicos terapêuticos de que dispomos hoje em dia.

Por outro lado, na primeira metade do século XX, seu desenvolvimento, como ciência, graças a Kraepelin, Bleuler e outros autores europeus, iniciou-se grande avanço na Psiquiatria, no que se refere ao estudo da psicopatologia e a criação do diagnóstico psiquiátrico. Graças a estes pioneiros foi possível delimitar e descrever as principais doenças, embora houvesse ainda grande precariedade no que se referia à terapêutica. Nesta fase, casos menos graves, os chamados “neuróticos”, e com condições financeiras adequadas, poderiam se beneficiar da psicanálise, genialmente desenvolvida por Sigmund Freud. Para os casos mais graves e de menor recurso restava o internamento em hospitais psiquiátricos clássicos, com longo tempo de internamento e métodos precários de tratamento, como o eletrochoque da época. Por esta razão, na primeira metade do século XX, a psiquiatria foi chamada de “hospitalocêntrica”, ou seja centralizada no internamento psiquiátrico.

A partir de 1952, com o advento da Clorpromazina, o primeiro medicamento antipsicótico e com o desenvolvimento de outros medicamentos desta natureza e, principalmente com o aparecimento na década de 60 dos primeiros antidepressivos, foi possível, no mundo inteiro, revolucionar a Psiquiatria, transformando-a de especialidade centralizada no hospital psiquiátrico para especialidade basicamente ambulatorial. Hoje, 90% dos casos são atendidos em regime extra-hospitalar, em ambulatórios, consultórios e sistemas como o hospital-dia e os centros de atenção psicossocial, que mantém o paciente a maior parte do tempo junto à sua família. Os antigos hospitais e sanatórios foram perdendo leitos, muitos fecharam e alguns foram se adaptando aos novos tempos, transformando-se em Clínicas especializadas, verdadeiros Centros de Saúde Mental onde todas as modalidades de tratamento poderiam ser oferecidas. Nestas Clínicas alguns leitos de internação integral ainda são necessários para os casos de risco. Muitas instituições que não se adaptaram às novas modalidades de atendimento acabaram fechando suas portas. Por outro lado, em muitos países, inclusive o nosso, o fechamento de leitos deu-se de forma excessivamente rápida, não havendo a oportunidade de criação das modalidades substitutivas, e provocando o abandono do doente mental nas ruas. Segundo alguns estudos, cerca de 50% dos chamados “homeless” (sem teto) que perambulam por algumas das principais cidades norte-americanas são doentes mentais que foram abandonados por sua família e que, anteriormente, eram atendidos nos “state hospitals” (hospitais estaduais) que encerraram suas portas.

Em compensação alguns leitos foram criados em hospitais gerais, principalmente universitários ou nos “Community Hospitals” (hospitais municipais) nos Estados Unidos, Canadá e outros países. No Brasil, devido a resistências, preconceitos e dificuldades econômicas, esta modalidade de internamento ainda é pouco utilizada, apesar das portarias do Ministério da Saúde e da Lei Estadual de Reforma Psiquiátrica (no caso do Paraná) que preconizam a criação de unidades psiquiátricas em hospitais gerais. Existem casos em que a coexistência de patologias orgânicas com psiquiátricas “impedem ou dificultam” o internamento do paciente tanto em hospital geral quanto em hospital psiquiátrico, fazendo com não haja espaço para o paciente ser atendido.

Outra vertente de progresso da Psiquiatria, principalmente nos últimos 20 anos, veio com a incorporação de estudos da biologia cerebral, por meio das descobertas das chamadas “Neurociências”. A compreensão do funcionamento do cérebro, bem como o desenvolvimento da genética e da biologia molecular, trarão já para os próximos anos, novas descobertas importantes para o entendimento das causas biológicas e consequentemente para o tratamento de problemas mentais e do comportamento.

Transtornos psiquiátricos encontram-se entre os mais freqüentes na população geral. A prevalência da depressão, por exemplo, tem sido estimada em 19% (Kessler e colaboradores- 1994). Isto significa que aproximadamente uma em cada 5 pessoas apresentarão depressão importante (que não deve ser confundida com a tristeza normal) em algum momento da vida. Estima-se que nos ambulatórios públicos e postos de saúde de atendimento geral e primário pelo menos 38% da população atendida apresenta quadros depressivos e de ansiedade (Villano e colaboradores- 1995)

Médicos que atendem em ambulatórios de clínica geral ou de outras especialidades percebem a enorme quantidade de pacientes que apresentam transtornos psiquiátricos em que existe somatização, quadros psiquiátricos com aparente sintomatologia física, e quadros somáticos com componente psíquico ou desencadeante de ordem emocional.

Dentro da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), em seu capítulo F, chamado de “Transtornos Mentais e do Comportamento”, encontram-se listadas as categorias de transtornos ou doenças atendidas pela Psiquiatria. Neste capítulo, por exemplo, encontram-se transtornos extremamente freqüentes, objetos dos noticiários diários das TVs, como é o caso das chamadas “Dependências Químicas”. Entre estas, as mais freqüentes são o alcoolismo, o tabagismo, as dependências por outras drogas, como os solventes (tipo “cola de sapateiro”), maconha, anfetamínicos (como os inibidores do apetite, ecstasy), cocaína, crack, e muitas outras substâncias. Encontram-se na lista também transtornos não tão graves, como os de ansiedade, mas que causam limitações importantes na vida profissional e social do paciente. É o caso das fobias de tipos variados, como a social (timidez mais intensa), a fobia de sair de casa, de animais, etc..

A Organização Mundial de Saúde, com sede em Genebra, em conjunto como o Banco Mundial e a Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard (EUA), realizaram estudo, a partir de 1990, sobre as principais causas de incapacitação no mundo. Das 10 primeiras doenças que causam sérios danos ao indivíduo, 5 fazem parte da Psiquiatria: Depressão maior unipolar, abuso de álcool, transtorno bipolar, esquizofrenia e transtorno obsessivo-compulsivo (Vide o quadro abaixo).

PRINCIPAIS CAUSAS DE INCAPACITAÇÃO NO MUNDO:

% do total

01. Depressão maior unipolar 10.7

02. Anemia ferropriva 4.7

03. Quedas 4.6

04. Abuso de álcool 3.3

05. Doença pulmonar obstrutiva crônica 3.1

06. Transtorno bipolar 3.0

07. Anomalias congênitas 2.9

08. Osteoartrite 2.8

09. Esquizofrenia 2.6

10. Transtorno obsessivo-compulsivo 1.9

FONTE: World Health Organization (WHO) – 1996

Por sua importância, as doenças mentais e de comportamento deverão receber maior atenção e recursos por parte dos gestores da saúde da população. Os inúmeros casos com patologia psiquiátrica encontrados em postos de saúde e ambulatórios de atendimento primário que, por desconhecimento, passam desapercebidos, mereceriam maior atenção em termos de treinamento, com a finalidade de se promover a detecção precoce das principais síndromes psiquiátricas. Com isto se evitaria que estes transtornos se tornassem mais graves, evoluindo para cronicidade e, algumas vezes, para um ponto de não retorno, em termos de cura ou controle da doença.

Nos últimos anos houve também enorme desenvolvimento na área psico-farmacológica, com o lançamento de inúmeros novos medicamentos para transtornos psiquiátricos. Encontram-se no mercado, hoje, cerca de 30 antidepressivos, a maior parte lançados nos últimos anos e com a vantagem de apresentarem menos efeitos colaterais. No entanto, muitos destes medicamentos encontram-se fora do alcance das camadas mais pobres da população, tendo em vista seu elevado preço.

Na área de antipsicóticos, foram diversos lançamentos nos últimos anos, e que não provocam os clássicos efeitos colaterais dos antipsicóticos tradicionais. Além disso, estes novos antipsicóticos tem ação em quadros crônicos, permitindo que muitos pacientes graves possam permanecer junto a seus familiares, evitando-se a internação psiquiátrica de longa permanência.

A visão negativa que freqüentemente se tem da Psiquiatria, não leva em consideração o progresso que esta especialidade alcançou nos últimos anos. As perspectivas para o futuro são, no entanto, ainda mais promissoras, na medida em que forem surgindo novas descobertas a respeito das causas e do tratamento dos transtornos mentais. Faz-se mister levar, no entanto, este progresso para toda a população. Deve-se investir, também, na formação de novos especialistas em Psiquiatria, através da criação de cursos de especialização e residências médicas nesta especialidade. Torna-se importante, enfim, difundir e ampliar o conhecimento a respeito dos transtornos mentais e do comportamento, para que se possa detectar precocemente a ocorrência destes problemas, para, em seguida, reduzir o sofrimento de uma importante parcela da população.


* É psiquiatra, presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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