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Marcelo Queiroga*

 

O direito à saúde se constitui em conquista social inalienável dos brasileiros. O País optou por instituir um sistema de saúde de acesso universal, integral, igualitário e gratuito: o mais ambicioso sistema de saúde de acesso universal do mundo. A Constituição consagrou a saúde como “direto de todos e dever do Estado”, contudo, sua implementação deve decorrer de políticas públicas sociais e econômicas que “visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Os candidatos à presidência deveriam assumir com todos os brasileiros o compromisso inarredável com o aprimoramento contínuo do Sistema Único de Saúde (SUS), a fim de assegurar a consecução das políticas públicas, na medida máxima do possível, pois o preceito constitucional de acesso à saúde não pode se converter em promessa inconsequente e frustrar as justas expectativas depositadas no Poder Público. A política de saúde do novo governo deveria ter como foco: eficiência na gestão, realização integral do orçamento público da saúde, desenvolvimento do complexo industrial da saúde, criação da Agencia Nacional de Avaliação de Tecnologias em Saúde e, por fim, carreira de Estado para os profissionais do setor.

O compromisso com a eficiência da gestão e o uso correto dos recursos públicos não se restringe à área da saúde, mas, sobretudo na saúde, esse objetivo deve ser perseguido com tenacidade. Não é possível continuar com perdas de vida evitáveis, filas intermináveis nos serviços públicos de saúde e corrupção epidêmica. Para tanto, a gestão deve ser conduzida com rigor técnico e espírito público. O Ministério da Saúde não pode ser loteado para partidos políticos, como assistimos nos últimos tempos. E o novo governante terá que implementar um choque de gestão com melhoria da eficiência dos profissionais de saúde, expansão da cobertura da atenção primária de 65% para 100%, melhoria da eficiência hospitalar e foco no acompanhamento dos resultados das políticas de saúde.

O subfinanciamento do SUS, desde sua implementação, tem sido um dos óbices para o êxito das políticas de saúde no Brasil. Os brasileiros aceitaram, inclusive, apostar na CPMF (contribuição provisória sobre movimentação financeira) para ampliar as possibilidades de financiamento à saúde, mas o objetivo desejado não foi atingido. Atualmente, diante do cenário de desvios epidêmicos verificados na administração pública em geral, não há espaço para exigir esforço tributário adicional da sociedade brasileira. No entanto, o novo governo terá que realizar integralmente o orçamento destinado à saúde, sem cortes, com aumento de oferta do pacote de serviços, sobretudo em decorrência de uma maior eficiência na gestão.

O estímulo à indústria brasileira de equipamentos médicos e hospitalares deveria ser prioridade, com papel importante na garantia do atendimento à população. O desenvolvimento do complexo industrial da saúde atenderia em grande parte o SUS, promovendo inclusive preços competitivos, abaixo dos valores usuais de mercado internacional. Atualmente, grande parte da crescente demanda interna é saciada com importações e, com isso, o saldo da balança comercial do setor é deficitário. O Brasil apresenta um ambiente que pode ser muito favorável ao desenvolvimento da indústria de materiais e equipamentos médicos de relevância global, em particular de dispositivos médicos implantáveis, que atendam totalmente a demanda do SUS e promovam a expansão do atendimento público da saúde no Brasil com produtos de qualidade e tecnologia avançada, com preços competitivos.

Atualmente, um dos principais problemas do sistema de saúde no Brasil é a intensa judicialização que consome parte do orçamento e inverte as prioridades do SUS. É necessário aprimorar os processos de avaliação de tecnologias em saúde com a criação de uma agência nacional de avaliação de tecnologias que confira maior credibilidade ao processo, reduzindo as demandas judiciais.

A adoção da carreira de Estado para os profissionais da saúde, um anseio dos que atuam no serviço público, seria uma possibilidade concreta de equalizar as diferenças decorrentes do gigantismo no Brasil. A eficiência das políticas de saúde decorrem da qualificação dos recursos humanos.

O novo governante precisa olhar de frente os problemas de saúde e elegê-los como prioridade para virarmos de vez essa página e nos tornar referência mundial em atendimento público. Isso é possível, basta vontade política.

 

* Presidente eleito para o biênio 2020/2021 da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

  

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