Escrito por Ana Maria de Oliveira*


Cerca de 1,1% da população brasileira – em torno de 937 mil pessoas – é infectada pelo Treponema pallidum todos os anos, conforme estimativa do Ministério da Saúde. Entre jovens que se apresentam para seleção do serviço militar (conscritos), 15,8% relataram já ter tido algum problema relacionado às DST (como corrimento no canal da urina, bolhas ou feridas ou verrugas no pênis), sendo as taxas mais altas nas regiões Norte e Nordeste. Estima-se que aproximadamente 50 mil gestantes (1,6% das mulheres grávidas) são portadoras da infecção, sendo que 80% delas realizaram pré-natal e 56,5% descobriram a sífilis na gravidez, podendo com grande chance transmitir-se congenitamente para o bebê. No Brasil, a sífilis em gestante têm a incidência três vezes maior que a Aids.

Esta realidade é assustadora se levarmos em consideração que a rede de atenção básica responsável pela assistência ao pré-natal tem aumentado, chegando à conclusão que um grande desafio é a qualidade da assistência. Embora o tratamento seja simples, cerca de 70% das gestantes infectadas transmitem a doença aos bebês, pois não fazem o tratamento adequado.

A sífilis na gestação pode causar graves problemas de saúde na criança, inclusive abortamento, feto morto, parto prematuro. Para reverter esse quadro, o Ministério da Saúde tem investido em ações que ampliem o diagnóstico precoce e o tratamento adequado.

Também conhecida como Lues, a sífilis é uma doença secular que acomete os seres humanos, de caráter proteiforme nas formas clínicas e representa um grande desafio de saúde publica. Atinge principalmente pessoas na faixa etária de maior atividade sexual, dos 15 aos 49 anos de idade.

No início, após a infecção, aparece uma lesão (úlcera) geralmente única, indolor e nos órgãos genitais chamada de cancro duro. Se não tratada, pode atingir praticamente todos os órgãos do indivíduo.

A transmissão acontece principalmente pelo contato sexual e através da placenta. A contaminação da mãe para o feto – a Sífilis congênita – ocorre em qualquer momento da gestação. O não tratamento da doença em gestantes oferece grandes riscos para a saúde do bebê. Mesmo nascendo aparentemente saudável, a criança tende a desenvolver problemas de saúde nos primeiros anos de vida. As alterações incluem o baixo peso, o hepatomegalia, esplenomegalia, lesões de pele, alterações respiratórias, surdez, deformidades ósseas e dificuldade de aprendizado.

Devido à importância do pré-natal para prevenção da sífilis congênita, o Ministério da Saúde desenvolve estratégias para o aumento da cobertura desse tipo de atenção, como a oferta de testes sorológicos (VDRL) e o tratamento da doença, realizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O tratamento é feito em regime ambulatorial, com as doses de antibiótico estabelecidas no consenso terapêutico definido pelo Programa Nacional de DST/Aids. O melhor tratamento ainda é com a “velha e conhecida” Penicilina Benzatínica (PB). O medicamento atravessa bem a barreira transplacentária e atinge níveis terapêuticos no feto.

De acordo com o Ministério da Saúde (MS) somente a penicilina na gestante garante o tratamento do bebê. Devido ao fato de que muitos profissionais e serviços de saúde temem a reação anafilática e não há teste na rede que preveja essa ocorrência, há cerca de um ano, o MS publicou a Portaria 156/2006 orientando sobre o uso da PB nas Unidades Básicas de Saúde/UBS.

Nessa portaria, a UBS deve contar com materiais, equipamentos e medicamentos necessários para atendimento inicial da anafilaxia, tais como: recursos humanos para administração de soluções parenterais, agulhas, seringas, máscara plástica para oxigenação, oxigênio, medicamentos (epinefrina, prometazina, fenoterol, soro glicosado e fisiológico). O médico deve cobrar do gestor e da direção de UBS, e o diretor técnico do estabelecimento de saúde deve garantir as adequadas condições para atendimento à população, sob pena de infração ao Código de Ética Médica. Pois ambos poderão responder ética e judicialmente caso um paciente tenha reação e se comprove falta de condições de atendimento.

Tão importante quanto tratar a paciente é tratar seu parceiro para que a mulher não volte a ser contaminada. De acordo com estudo do PN DST/Aids, somente 17,3% das gestantes têm o parceiro tratado para Sífilis.

Todos esses dados nos convida a fazer uma profunda reflexão sobre a assistência à saúde no Brasil. Em primeiro lugar, a qualidade da atenção pré-natal. Em que pese um aumento da rede de cobertura, esta não se acompanhou da qualidade dos serviços. Outro aspecto incoerente: muitas vezes o diagnóstico é feito, mas o tratamento não ocorre. Seria uma evidência de imperícia/imprudência, ou seja, fazer mal o que deveria ser bem feito? Ou seria negligência, deixar de fazer o que deveria ser feito? Creio que esta situação tem estreita relação com a formação/capacitação profissional para o diagnóstico e o tratamento e o acompanhamento da sífilis.

Desde o aparelho formador, as escolas médicas, o Ministério da Educação, o gestor em saúde, aí incluindo o Ministério da Saúde, têm sua parcela de culpa no estabelecimento deste status quo.

No entanto, quando do julgamento por imperícia, imprudência ou negligencia, o médico responde por si, e a pena moral recai sobre si mesmo. Assim sendo, vale a pena atentar para algumas orientações quanto à propedêutica diagnóstica e terapêutica em casos de suspeita de sífilis.

Em primeiro lugar, só se faz diagnóstico quando se pensa na possibilidade. No caso da sífilis (assim como das demais DST), a hipótese deve ser feita sempre que houver situação de risco para DST, ou seja, quando houver referência a relações sexuais desprotegidas em qualquer situação. Sabe-se que este agravo apresenta uma variedade de formas clínicas que varia desde assintomática (latente) à meningoencefalite, lesões ulcero-verucosas e coriorretinite.

Em se pensando, impõe-se a solicitação de exames diagnósticos. Existem dois tipos de teste:

1) O FTA-ABs é um exame sorológico específico para o Treponema pallidum, no entanto, quando reagente significa contato anterior com o T. pallidum, independente de doença em atividade ou não. Assim, no paciente já tratado, o teste continua positivo. O FTA-ABs IgM possui restrições quanto a sua interpretação havendo muito falso positivo.

2) O VDRL é exame sorológico inespecífico, ou seja, necessita ser adequadamente interpretado, pois pode significar falso positivo. Pode ser quantitativo ou qualitativo. Para fins de diagnóstico e seguimento deve ser pedido o VDRL quantitativo, para se verificar a titulação.

Em geral, na doença em atividade o VDRL apresenta altos títulos (maior ou igual a 1/16). São conhecidos como títulos baixos valores menores ou iguais a 1/8. E esses baixos títulos podem ser devido à reação falso positiva. Neste caso, pede-se o exame especíifico, o FTA-ABs. Se esse for reagente, confirma-se o VDRL. É de suma importância lembrar que, o encontro de baixos títulos de VDRL não necessariamente se trata do que chamamos de “cicatriz sorológica”.A “cicatriz sorológica” é uma dedução clínica a partir da obtenção da anamnese em conjunção com o resultado da sorologia (VDRL e FTA-Abs).

No caso em que a paciente apresenta baixo titulo de VDRL (menor e igual 1/8), FTA-Abs reagente e a paciente nega tratamento anterior para Sífilis não há que se falar em cicatriz sorológica, mas em doença em atividade, ainda que latente, assintomática. Portanto deve ser tratada! Se o tratamento for adequadamente realizado os títulos de VDRL baixarão.

Se isso não acontecer, desconfie da presença de co-infecçao HIV e peça o exame sorológico anti-HIV. Se a gestante tratada, for novamente contaminada pelo parceiro não tratado, o VDRL subirá no mínimo dois títulos, ou seja, quadruplica o denominador ( por exemplo, de 1/4 a 1/16). Devido a possibilidade de reinfecção neste caso é importante realizar o VDRL mensalmente.

Ademais, o MS do Brasil possui uma rotina pré-natal que é adotada pelos municípios e o médico que deixar de praticá-la estará incorrendo em infração ao artigo 29, erro médico por imperícia, imprudência e negligência e poderá ser questionado no tribunal ético aplicando-lhe penas morais ou ser julgados nos tribunais cíveis e penais, com penas pecuniárias e sanção da liberdade.

A interpretação que se faz é que uma vez ocorrendo dano a outrem e havendo nexo de causalidade entre a ação ou comissão do profissional e o dano/lesão, estará assim configurado o erro médico, capitulado no artigo 29 do Código de Ética Médica. Ao médico, aconselho que busque trilhar os augustos caminhos da ética, posto que se deixar de ganhar fama e dinheiro, pelo menos não perderá em indenizações, o que conseguiu com hercúleo esforço!


* É conselheira e ouvidora do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego).


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