Escrito por Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*
Os resultados de pesquisas eleitorais, embora recentes, realizadas no Ano Velho, por Institutos de renome como o Datafolha, revelaram dados conflitantes. Tais resultados, não obstante indicarem a continuidade de Dilma Rousseff em mandato presidencial, mostraram que a maioria de 66% dos eleitores, sujeitos da pesquisa, consultados se as ações do próximo Presidente da República deveriam ser iguais ou diferentes das de Dilma, responderam que queriam ações diferentes.
Estes dados paradoxais podem ser emblemáticos do verdadeiro desejo do povo no Ano Novo: uma nova política em 2014!
A conquista de nova política requer merecimento. De fato, se queremos um novo tempo político temos que fazê-lo novo, com a certeza de contarmos apenas com nossa capacidade e consciência.
A mudança de rumo da atual conjuntura política do País exige intenso exercício de cidadania, em defesa de dois princípios fundamentais ao Estado Democrático de Direito.
Refiro-me, além do princípio de respeito à autonomia da vontade, ao princípio, tão jurídico quanto civilizado de que a lei é para todos, ou seja, de que ninguém, republicanamente ninguém, está acima do bem e do mal. Principalmente se o caso é daqueles que a partir das chefias do poder executivo, com apoio de marketing milionário e abusivo, pago com desperdício do erário público, põem sob acentuado risco o princípio, igualmente republicano, da substancial possibilidade de renovação dos detentores de mandato eletivo.
Para garantia de justiça e autonomia da vontade do eleitor, constantemente submetido a mensagens publicitárias distorcidas das verdades, há de se ter entusiástico engajamento na luta contra os engodos e o modo argentário e corrupto das ações ou coalizações político-partidárias que os brasileiros não mais toleram e até mesmo excomungam.
Os métodos políticos não mais tolerados pelo povo restringiram o Congresso Nacional à condição de uma casa homologatória de medidas provisórias e improvisada, típica de uma democracia racionada e subserviente ao capital financeiro.
A democracia racionada é aquela na qual a violência em cima dos pobres e dos opositores é praticada com autocracia, mascarada dentro de questionável legalidade e sob certa interferência no Poder Judiciário.
O regime de racionamento democrático, que vivenciamos nos últimos 12 anos, tem curto período de existência, em decorrência da contradição que ele mesmo cria: a redução do índice de miséria sem nenhuma inserção que possa, com efetividade e meritocracia, instituir padrões menos desiguais na divisão das classes sociais.
Após o Plano Real não houve novo fato político comemorável, exceto maior redução do nível de extrema pobreza. s que estão na extrema pobreza ou abaixo da linha de pobreza, têm suas preocupações voltadas à sobrevivência. Aqueles que são beneficiados com programas paliativos e ineficientes, apesar de significativa importância humanística, como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família saem da miséria, mas, não se sentem contemplados com uma pseudoinclusão social. Passam a reivindicar amplitude de seus legítimos direitos, impossíveis de serem satisfeitos em um frágil regime político.
Assim consolida-se o grande dilema do governo de plantão: perder o poder ou agir de forma ditatorial. O dilema político do governo federal é agravado por sua desastrosa administração, nas áreas da economia, segurança, educação, transportes e particularmente da saúde.
No evidente desastre administrativo governamental são múltiplos os erros crassos. A incapacidade terapêutica da síndrome de Peter Pan, desenvolvida nas pequenas e médias empresas, lhes provocando, por excessiva carga tributária e burocrática, resistência e medo de falência com o crescimento.
A inércia perante a destruição do Pacto Federativo, rompido pela concentração da riqueza e do poder tributário na União, perpetua a política de favorecimento aos amigos do rei e da rainha.
O maior endividamento público, o desequilíbrio da balança comercial, a queda do superávit primário, a elevação dos juros, a falta de incentivo à produtividade, o malabarismo contábil para encobrir o descontrole da inflação, os prejuízos causados à Petrobrás e às Companhias de Eletricidade são faltas lamentáveis.
A redução do PIB a uma média de 2% entre os anos de 2011 e 2013, menor que as médias dos governos de FHC e de Lula, a instabilidade de regras e aumento do risco Brasil são outros erros, com efeitos nocivos sobre o dia a dia dos brasileiros em futuro relativamente distante, com repercussão depois da eleição presidencial. Mas, que exercem pressões eleitorais por serem visualizados pelos formadores de opinião.
Os transportes são de péssima qualidade e, sem controle, entregues à lei de oferta e procura. No trânsito paralisado durante horas, em latas de sardinha, a população se desloca por “via crucis”.
A educação encontra-se nos balcões de negócios e para o gáudio empresarial são autorizadas escolas universitárias sem docentes e sem decência.
A guerra civil, que ceifa a vida de milhares de pessoas honestas, recrudesce nas regiões urbanas e interioranas, enquanto a omissão governamental com as alterações legislativas indispensáveis possibilita o pagamento de 931 reais, a título de auxílio reclusão, para a família do assassino de uma dentista queimada viva em latrocínio.
Na área da saúde, destinada à manutenção de bens absolutos, a incompetência do governo federal tem destaque especial e alcança o setor de publicidade.
O Ministério da Saúde faz tudo pelo marketing, dispende centenas de milhões de reais em meios publicitários, porém, 61% da população em pesquisa no ano de 2012, feita pelo IBOPE e Pelo Instituto Trata Brasil, apontou a saúde como principal problema do País.
Entre os anos de 2010 a 2012, vinte e seis bilhões de reais do pífio orçamento da saúde deixaram de ser aplicados. Foram desativados treze mil leitos hospitalares e determinado maior grau de insolvência as Santas Casas de Misericórdia. O combate ao crack, uma prioridade do Palácio do Planalto, não atendeu 30% da meta estabelecida.
Nos hospitais de campanha sem leitos de UTI compatíveis com a demanda, prolifera a terrível escolha de Sofia, a mesma escolha entre os náufragos daquele que ocupará o último lugar disponível no escaler da vida. As promessas de 8,6 mil UBS e outras 500 UPAs não foram cumpridas.
Há 1,9 posto de trabalho médico para cada mil usuários do sistema público de saúde, cerca de 75% da população e 7,8 desses postos de trabalho por mil brasileiros que possuem planos e seguros ou recursos próprios para o custeio de atenção médica. Essa situação reflete o subfinanciamento e o descaso com o SUS, desprovido de uma política de recursos humanos, sem uma carreira de estado para os médicos e outros profissionais da área assistencial a saúde.
No Ano Velho, até surgir a polêmica e alentadora “Primavera Brasileira”, não se esperava um movimento popular de grande magnitude e com potencial de transformação política. Não se imaginava que milhares de pessoas fossem às ruas protestar, em circunstâncias de baixo nível de desemprego, crédito fácil e consumo em alta, causando queda vertical do índice de popularidade da Presidente.
A surpresa pode ser explicada como o sinal de alerta do final, sem retorno, de uma gestão de governo sem competência administrativa, sobretudo, para preservação de uma democracia racionada que extrapolou seu natural e estreito limite temporal.
Neste novo ano, o povo sentindo-se ainda mais traído, sem amplitude de seus legítimos direitos, deve voltar às ruas, com mais frequência, durante a Copa do Mundo e os protestos não terão foco na economia de vinte centavos, mas, no valor das trinta moedas de Judas, a ser cobrado com a imposição de ações políticas diferentes, talvez mediante eleição de outro presidente.
Portanto, os parâmetros das próximas eleições são de incertezas e anseios. Permitem o compartilhamento das razões da esperança de um ano político que mereça, em caminhos de democracia e meritocracia, ser chamado de Ano Novo.
* É vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
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