Escrito por Assuéro César de Carvalho Rêgo*
Entendendo-se Planejamento Familiar como o casal ou a mulher ter o número de filhos desejados dentro do espaço de um tempo previsto, o termo está diretamente ligado ao uso de métodos anticoncepcionais, se um casal fértil não deseja engravidar, e ao não uso se o quer. Há também a pesquisa da causa da esterilidade e/ou infertilidade, para o possível tratamento, na tentativa de conseguir uma gravidez. Tratamento este que não cabe aqui abordar.
Vislumbra-se também o acontecimento de uma gravidez indesejada, por falha ou uso inadequado do método. Gravidez indesejada pelo casal acreditar que o um único coito desprotegido, não seria capaz de levar a gravidez e o é. Porque esqueceu de usar o método, por pressão do parceiro que não permite que a mulher use método anticoncepcional, por razões, mitos e tabus vários, pela predominância do gênero masculino, que se considerando não responsável quanto a existência ou não da gravidez, além do mais força a parceira a satisfazê-lo sexualmente, tendo com ela um coito a maior parte das vezes sem se prevenir contra a gravidez.
E aí esta gravidez não programada, às vezes desejada, mas, na maior parte, por pressão econômica, questão de gênero ou razões diversas, a mulher se vê na contingência de provocar abortamento, via de regra, com medicamentos produtores de sangramentos, rupturas interinas com conseqüências catastróficas, processos infecciosos graves por introdução, conta própria ou aborteiros despreparados, de instrumentais inapropriados. O risco é porque muitos casos são feitos sem o devido processo de desinfecção ou esterilização, com nenhuma noção de anti-sepsia ou assepsia e sem conhecimento de anatomia e fisiologia dos órgãos genitais da mulher e do ciclo menstrual.
As conseqüências podem ir desde sangramentos, podendo ser de pequena monta, mas geralmente de grande vulto através de lacerações de fundos de sacos vaginais, do útero, trazendo em seu bojo lesões várias ou até perfuração e necrose de alças intestinais chegando a causar processos infecciosos que, se muito graves, podem levar a destruição ou distorção da arquitetura da genitália feminina. E, quando não levam à morte, podem deixar seqüelas indeléveis, às vezes irredutíveis que dentre outras coisas levam à esterilidade definitiva. Ocorrendo a fecundação, que via de regra se processa no terço distal da trompa, forma-se uma nova célula resultante da união do óvulo com o espermatozóide. O ovo, que a partir de então, por processo de divisão celular, forma um conglomerado de células à medida, vai transitando pela trompa até chegar à cavidade uterina onde, alcançando o local de implantação, invade o endométrio nele penetrando e ficando totalmente encoberto. Até então passaram seis ou sete dias e ainda não definir a existência de um indivíduo. Isto só ocorre cerca de doze dias no máximo, a contar da fecundação é quando se forma o sulco primordial que, dependendo do número, vai nos dizer se trata da formação de um embrião único ou dois ou mais embriões, gravidez única, gravidez múltipla ou não havendo formação do sulco primordial originando o ovo cego.
Existe vida desde a fecundação, sim, a vida é perene, os espermatozóides são vivos, os óvulos são vivos, o que passa a existir somente após a formação do sulco primordial, é o novo indivíduo. Existindo a formação de um ovo não tem como se dizer de início existir um, dois, três ou mais indivíduos ou nenhum. Isto, contudo, não nos dá o direito e no pressuposto da inexistência de individualidade, eliminar aquele ovo na que chamamos de fase de pré-embrião, mas também não nos dá o direito de permitir seqüelas graves, ou mortes continuarem acontecendo e que fiquemos como meros espectadores vendo o filme passar e ficarmos de braços cruzados.
Mulher nenhuma provoca abortamento por prazer, ela sofre pelas circunstâncias e, muitas vezes, é forçada a fazer o que não gostaria, a passar por uma situação que de maneira nenhuma foi proposital. Não podemos deixar que morbidades de variada gravidade e até mortes continuem a acontecer impunemente, isto quando se trata de não se fazer nada para reverter à situação.
Orientação e ensinamentos em saúde sexual e reprodutiva, cuidados básicos de higiene, abertura dos horizontes das pessoas pela informação de que existem maneiras de vida diferente daquilo enfrentado. O que está acontecendo com elas pode ser modificado, não deve ser da maneira como ocorre. Coisas podem ser melhoradas, o que não se deve permitir é ficar marcando passo apenas passando pela vida, sem produzir transformações, sem modificar o ambiente em que se vive, para melhor é claro.
Não se trata de ser contra ou a favor do abortamento. Trata-se de proporcionar às pessoas que se vêem na contingência de fazê-lo, os ensinamentos, os meios, a educação, o alcance daquilo possível para não chegarem a uma situação de risco em que poderão ficar desamparadas, desprotegidas pelas ações das circunstâncias ou por outro lado serem obrigadas a buscar métodos abortivos que muitas vezes podem lhes custar à vida.
* É conselheiro tesoureiro do Conselho Regional de Medicina do Acre (CRM-AC), especialista em Ginecologia e Obstetrícia.
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