Eduardo Henrique Rodrigues de Almeida*

 

Quem se dedica a perícias médicas frequentemente se depara com demonstração de desconhecimento sobre como deve ser uma perícia médica por parte de aplicadores do Direito. Antes de prosseguir, citarei dois exemplos que ajudarão para a compreensão do que pretendo debater.

– Em lide previdenciária na Justiça Federal, o advogado do autor demanda perícia ortopédica. O perito verifica úlcera varicosa em membro inferior.

– Também em demanda previdenciária, o representante do autor impugna a primeira perícia médica e solicita que a perícia seja realizada por endocrinologista. O magistrado justifica-se por não dispor de médico nessa especialidade e designa um médico do trabalho, que verifica hipertensão arterial leve sem repercussão em órgãos-alvo e hérnia umbilical, sendo esta a queixa principal.

O que se verifica é que a lógica adotada livremente tem sido a de tentar definir a especialidade médica adequada ao caso com base no senso comum ou na indicação do autor e seu representante, independentemente de fundamentos técnicos. É a livre escolha médica levada às varas e tribunais partindo das premissas equivocadas de que o especialista em determinado órgão ou sistema seja o melhor para produzir um laudo pericial de qualidade, e que o especialista em um sistema ou órgão se sairá necessariamente melhor que o generalista com sua visão, digamos, mais holística.

Assim como é claro para os médicos, é preciso  que os operadores do direito também saibam que todo médico regularmente inscrito no CRM de sua circunscrição pode realizar perícias médicas, assim como pode atuar em qualquer outra área da medicina na condição de generalista. Por outro lado, é vedado anunciar-se como especialista em alguma área se esta especialização não for registrada no respectivo CRM. Nesse sentido, o especialista em perícias médicas é o médico devidamente registrado no CRM nesta especialidade.

São 54 as especialidades médicas reconhecidas pelas entidades médicas nacionais que, em convênio celebrado em 11 de abril de 2002 entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), estabeleceram critérios para o reconhecimento e denominação de especialidades e áreas de atuação na medicina, bem como a forma de concessão e registro de títulos de especialista, recentemente homologada pela Portaria CME nº 02/2016.

É entendimento pacífico entre os médicos legistas e autores consagrados nacional e internacionalmente que não basta ser exímio conhecedor da especialidade clínico/cirúrgica supostamente dominante no caso concreto para que se produza um laudo claro e de qualidade. As áreas de atuação, entendido o termo em seu sentido amplo, são Perícia Médica Previdenciária, Perícia Médica Criminal, Perícia Médica Administrativa, Perícia Médica Cível etc. Não são adequadas perícias médicas de Cardiologia, Endocrinologia ou das outras 54 especialidades médicas. Ou seja, a linha estruturante da perícia (seja ela médica ou não) é a finalidade a que pretende servir; não a formação de quem a realizará.
Em 10 de setembro de 2015, a Presidência da República editou o Decreto nº 8.516, que, além de criar o Cadastro Nacional de Especialistas, reconhece, em seu artigo 4º, a Comissão Mista de Especialidades (CME), vinculada ao CFM, e determina que a ela compete definir as especialidades médicas no Brasil. São especialidades oficiais:

1. Acupuntura;2. Alergia e imunologia;3. Anestesiologia;4. Angiologia;5. Cancerologia;6. Cardiologia; 7. Cirurgia cardiovascular; 8. Cirurgia da mão; 9. Cirurgia de cabeça e pescoço; 10. Cirurgia do aparelho digestivo; 11. Cirurgia geral; 12. Cirurgia pediátrica; 13. Cirurgia plástica; 14. Cirurgia torácica; 15. Cirurgia vascular; 16. Clínica médica; 17. Coloproctologia; 18. Dermatologia; 19. Endocrinologia e metabologia; 20. Endoscopia; 21. Gastroenterologia; 22. Genética médica; 23. Geriatria; 24. Ginecologia e obstetrícia; 25. Hematologia e hemoterapia; 26. Homeopatia; 27. Infectologia; 28. Mastologia; 29. Medicina de emergência; 30. Medicina de família e comunidade; 31. Medicina do trabalho; 32. Medicina de tráfego; 33. Medicina esportiva; 34. Medicina física e reabilitação; 35. Medicina intensiva; 36. Medicina legal e perícia médica; 37. Medicina nuclear; 38. Medicina preventiva e social; 39. Nefrologia; 40. Neurocirurgia; 41. Neurologia; 42. Nutrologia; 43. Oftalmologia; 44. Ortopedia e traumatologia; 45. Otorrinolaringologia; 46. Patologia; 47. Patologia clínica/medicina laboratorial; 48. Pediatria; 49. Pneumologia; 50. Psiquiatria; 51. Radiologia e diagnóstico por imagem; 52. Radioterapia; 53. Reumatologia; 54. Urologia.

A medicina, através de suas entidades reguladoras e certificadoras, estabeleceu que a especialidade 36 é a que se dedica a realizar perícias médicas e fazer a ponte entre a Medicina e o Direito. A especialidade 31, Medicina do Trabalho, está, também, perfeitamente adequada a perícias de natureza trabalhista. Registre-se ainda os peritos médicos previdenciários, especialistas, autoridades legais para atuarem no âmbito previdenciário e integrantes da carreira de estado definida na Lei 10.876/2004.

É fato que, além do conhecimento médico amplo, o perito precisa conhecer o ramo do Direito em questão assim como todos os elementos dos autos, de maneira a ter a exata dimensão da necessidade da autoridade que determinou a realização da perícia, pois seu produto não deve se assemelhar a um tratado de medicina ou refletir conhecimentos que não sejam imprescindíveis ao esclarecimento dos pontos relevantes. Tal equilíbrio e tal clareza objetiva devem ser qualidades do especialista em perícias médicas, e não devem ser esperadas em autoridades clínicas ou cirúrgicas que não sejam versadas em legislações nem habituados a prestar apoio ao juízo. Fosse de outra forma, não haveria a especialidade pericial.

Em caso de insuficiência técnica específica do perito médico, cabe a ele avaliar seus limites e eventual necessidade de parecer especializado (agora medicamente falando) para melhor embasar seu laudo pericial. O Perito Médico é aquele que conhece do Direito reclamado, é versado em ler processos e interpretar as necessidades da autoridade demandante, além de saber expressar-se com clareza e precisão técnica sem adentrar indevidamente às questões de Direito.

Para se obter o título de especialista em Medicina Legal e Perícia Médica é necessária formação com 3 anos de Residência Médica em Medicina Legal e Perícia Médica (CNRM) ou aprovação em concurso do Convênio AMB/Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas. Para título de especialista em Medicina do Trabalho, a formação deve ser de 2 anos de Programa de Residência Médica em Medicina do Trabalho (CNRM) ou aprovação no concurso do Convênio AMB/Associação Nacional de Medicina do Trabalho.

Já caminhando para o fim deste artigo adentramos na questão que me motivou a escrevê-lo, a janela de oportunidade que nos foi dada para uma aproximação institucional entre a Medicina e o Direito, oportunidade presente e expressa no novo Código de Processo Civil (CPC), que estabelece, a necessidade de o órgão regulador do exercício da medicina disponibilizar listagem oficial renovada continuamente para os peritos médicos registrados e, alternativamente, para médicos do trabalho em condições de servirem aos diversos órgãos do Judiciário (pois peritos especializados nem sempre são disponíveis). Segundo o art. 156 do CPC:

§ 1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.

§ 2º Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados.

Independentemente do CPC e com outra perspectiva, o Executivo editou o Decreto nº 8.516, de 10 de setembro de 2015, que regulamenta a formação do Cadastro Nacional de Especialistas, de que tratam os § 4º e 5º do art. 1º da Lei nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e o art. 35 da Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. O Cadastro Nacional de Especialistas – que constituirá a base de informação pública oficial referentes à especialidade médica de cada profissional constante nas bases de dados da CNRM, CFM, AMB e sociedades de especialidades – reunirá informações para subsidiar os ministérios da Saúde e da Educação nas ações de saúde pública e de formação em saúde, mas poderá ser igualmente útil, no caso da perícia médica para subsidiar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a listagem dos especialistas em perícia médica do país.

Entendo que seria de ótimo serviço para a prática médica, bem como para aprimoramento da prestação jurisdicional, que o Presidente do CFM se reunisse com o Presidente do CNJ para oficializar a lista eletrônica de especialistas registrados em Medicina Legal e Perícias Médicas. Muito provavelmente a casa jurídica agradecerá a iniciativa que permitirá aos magistrados ordenar melhor as demandas por perícia, evitando, assim, petições das partes por perícias descabidas por falta de balizamento.

Em uma época de combate ao relativismo ético e político em que a medicina precisa de definições de competências e balizamentos jurídicos internos e externos, é necessário que a integração entre entidades auxilie a racionalidade e economicidade na prestação jurisdicional que demande participação de médicos.

* É especialista em Medicina do Trabalho, Medicina Legal e Perícia Médica, médico perito da Previdência Social aposentado, perito do JEF 1ª Região, além de fundador e primeiro presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos do INSS (ANMP).

 
    

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

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