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Conselho Federal de Medicina

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Cristofer Martins*

 

Muito antes de conhecer a capital federal, na Curitiba do final dos anos 1980, meu professor de história fez um trabalho em sala de aula perguntando quem teria sido, até então, o melhor presidente da nossa República. Naqueles tempos, já havia amadurecido a ideia de tornar-me médico – com três tios paternos e dois primos maternos médicos, pode-se dizer que a medicina é uma tradição na família. Respondi ser Juscelino Kubitschek (JK) – médico visionário que transferiu a capital da República para o Planalto Central, promovendo o desenvolvimento do interior e a integração do Brasil – o melhor dos presidentes, frustrando com minha resposta o professor, que esperava contemplar Getúlio Vargas e sua consolidação das leis do trabalho.

Embora tenha sido de Getúlio o Decreto-Lei nº 7.955, que instituiu o Conselho Federal de Medicina (CFM) e os Conselhos Regionais (CRMs) em setembro de 1945, no final da ditadura Vargas, a fundação do CFM ocorreu apenas em 1951. Entretanto, foi com a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, promulgada por Juscelino Kubitschek, que os Conselhos verdadeiramente se consolidaram. JK conferiu natureza autárquica federal ao conjunto CFM/CRMs, ou seja, proporcionou autonomia técnica, funcional e administrativa aos médicos brasileiros, atribuindo-nos poderes para regulamentar, fiscalizar e disciplinar nossa profissão. Nesse sentido, apenas nós, médicos, definimos as regras do nosso ofício, nossos ditames éticos e códigos de conduta. Também fiscalizamos se nossos colegas cumprem as regras que estipulamos para boas práticas e, talvez o mais importante, apenas nós temos poderes para punir aqueles médicos que violam a ética profissional.

Para exercer tal papel nos CRMs, função de extrema responsabilidade, elegemos a cada cinco anos 40 médicos que, somados a dois outros indicados pela Associação Médica, tomam posse como Conselheiros e têm poderes para:

1. Escrever as regras éticas da nossa profissão, normas que deverão ser cumpridas por todos os colegas;

2. Entrar em nossos consultórios, clínicas e hospitais para nos fiscalizar e saber se de fato estamos cumprindo as regras estipuladas para o exercício ético da medicina.

3. Julgar e, se for o caso, punir médicos por meio do Tribunal de Ética Médica.

Logo, mesmo que colegas candidatos à egrégia função de Conselheiro prometam, jurem “de pés juntos”, sinceramente, que vão usar do cargo honorífico para “defender” médicos, não acreditem pois, ainda que tentem agir assim, não terão êxito, uma vez que a Lei não delega poderes para tanto. Ao contrário, sucumbirão pelos caminhos do desvio de finalidade, da prevaricação e da improbidade administrativa. Portanto, escolha aquelas médicas e médicos que você acredita serem candidatos capazes de escrever regras éticas para todos cumprirmos, colegas em que você confia para nos fiscalizar e julgar, pois é isso que os Conselheiros efetivamente farão.

Diante do exposto, pode parecer perfeita aos incautos a proposição de extinguir a autarquia, pois sendo suas atribuições distintas da defesa pura do médico, e sendo o Conselho competente apenas para a regulamentação da profissão, sua fiscalização e exercício correcional, não interessaria mais a nossa classe médica sua manutenção. Assim, os médicos unidos poderiam se mobilizar politicamente pelo encerramento do CFM e de todos os CRMs. Nesses termos, o “problema” estaria “resolvido”.

Ledo engano. É mister lembrar aos desavisados que a regulamentação, fiscalização e correição da medicina interessa a toda a sociedade, ou seja, ainda que uníssona fosse sua recusa por nós médicos, o que sabemos ser falso – mas ainda que verdadeiro fosse –, tais atribuições seriam assumidas por outra esfera em nossa sociedade. Note-se que não são todos os países que concedem a seus médicos tamanha autonomia para gestão da profissão, autonomia que os CFM/CRMs possuem. Em muitas nações o registro e a ética profissional são regulados por órgão da administração direta, com severas interferências do poder executivo; em outros locais, a natureza de tal entidade médica é de pessoa jurídica de direito privado, ou seja, fora do alcance dos princípios da administração pública, da devida transparência e da auditoria dos tribunais de contas.

Não é crível que colegas médicos prefiram delegar a regulamentação e o poder correcional da ética médica a órgão público de administração direta, Secretarias de Saúde ou Ministério da Saúde. Lembrem-se das recentes interferências que sofremos do Executivo federal quando do programa Mais Médicos. O atropelo ocorreu com a autarquia em pleno gozo de suas prerrogativas, conferidas pela Lei nº 3.268, de 1957; calcule-se, quiçá, o que seria com os poderes cumulados da nossa autarquia federal! Certamente o dano seria muito maior. No mesmo sentido, é inepto defender que a construção da ética médica e sua fiscalização emanem de pessoa jurídica de direito privado, com faculdade para multas pecuniárias – verdadeiras caixas pretas, de difícil prestação de contas, improvável austeridade de gestão e alijadas do poder conferido a órgãos da administração indireta pelo Estado.

Por fim, há que se acolher a insatisfação da classe frente às inúmeras agressões e dificuldades que nossos pares passam para exercer boas práticas médicas. É esperado que se rogue pela defesa de condições de trabalho dignas, remuneração justa e estabilidade de emprego. Todavia, não há como esconder que tais objetivos somente serão alcançados com o fortalecimento das entidades médicas como um todo, especialmente os Sindicatos dos Médicos e a Federação Nacional dos Médicos, a quem compete defender os interesses dos profissionais médicos sindicalizados; os Conselhos de Medicina, a quem compete regulamentar, fiscalizar e disciplinar a profissão médica; e a Associação Médica Brasileira, que se dispõe a congregar os médicos com o objetivo de promover atualização científica, defesa geral da categoria no terreno ético, social, econômico, cultural e de consumo.

“É inútil fechar os olhos à realidade. Se o fizermos, a realidade abrirá nossas pálpebras e nos imporá a sua presença” (Juscelino Kubitschek).

 

*Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF).

  

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

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