Frederico Ferri de Resende*

 

O juramento de Hipócrates, de contornos bastante simbólicos, traduz o compromisso, especialmente ético, fundado no princípio bioético da beneficência, do futuro profissional médico de exercer sua profissão com retidão, não obstante não faça menção à necessária interação com o paciente.

Há, ainda, culturalmente, a ideia de que o médico, ao tratar de seu paciente, deve se utilizar, indistintamente, de todos os meios que estiverem ou não a seu alcance para curar o doente.

Porém, percebe-se que há, atualmente, tendência em se defender a prevalência da autonomia do paciente nas decisões médicas que envolvem o seu tratamento, o que nos sugere, em princípio, modificar o tradicional binômio dessa relação de médico-paciente para uma atual perspectiva de paciente-médico.

A ideia do médico como dono das melhores e incontestáveis decisões para o tratamento do doente fez que esse relacionamento se pautasse pela vontade indiscutível do profissional. Nesse aspecto, o paciente pouco participava das determinações que envolviam sua saúde, já que conferia ao médico a competência de escolher o que seria melhor para ele.

Fundado no atual conceito de autonomia privada, construiu-se a ideia da maior participação do paciente nas decisões que envolvem a saúde de seu corpo e alma. Na dúvida, prevaleceria a vontade do paciente – o que parece óbvio, já que é a vida e a integridade dele que estão em voga. É evidente que o consentimento informado do paciente é imprescindível para que essa autonomia seja exercida de maneira plena e consciente.

Ocorre que a afirmação da autonomia privada do paciente, por vezes determinante, tem deixado de lado a expressão da vontade do médico, que tem se submetido, em algumas situações, à “ditadura” da vontade do paciente.

Nesse sentido, cabe explicitar que a vontade do médico também deve ser levada em conta, já que, em certas situações, ele pode, inclusive, recusar-se a realizar certos procedimentos, fundamentado na sua objeção de consciência, desde que indique meios para que o enfermo não fique completamente desassistido. É o que dispõe o Código de Ética Médica no Capítulo I, ao preceituar no item VII que “o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente”. São os casos do aborto legal, da transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová, diretivas antecipadas de vontade, anticoncepção de emergência, ortotanásia, esterilização humana voluntária e revelação e uso de dados genéticos.

Para tanto, é recomendável que haja um diálogo entre os interesses dos sujeitos envolvidos em casos intensos, para que não seja pronunciada nenhuma decisão arbitrária ou precipitada que possa preterir de maneira absoluta a vontade de alguém.
Nesse sentido, não há dúvidas de que tanto o paciente quanto o médico, na relação jurídica estabelecida entre ambos, guardam sua autonomia privada. Apesar de ser evidente que a pretensão maior firmada nessa relação seja a saúde do paciente, as partes envolvidas podem manifestar interesses distintos, por vezes conflitantes.

Assim, seria possível conciliar a autonomia privada do médico frente a seu dever de cuidar do paciente, inclusive respeitando a vontade do enfermo?

Em princípio, estaríamos diante de conflito de interesses: de um lado, o exercício da autonomia privada do médico de se objetar a praticar certo ato motivado por questões de ordem moral, religiosa, ética, etc.; de outro lado, a obrigação do profissional de zelar pela saúde do paciente, respeitando sua autonomia privada.

Não há dúvidas de que há uma relativização da autonomia privada do médico, a medida que, em certas situações, o profissional não pode se recusar a atender o paciente, nos termos do dispositivo ético acima transcrito.
Ainda assim, permanece o dever do médico de assistir minimamente o paciente, mesmo que, pautado na sua consciência, apenas preste informações acerca do caso. Se o simples relato dessas orientações for suficiente para objetar sua consciência, cabe ao profissional ao menos orientar o paciente quanto à procura por outro médico.

Percebe-se, desse modo, que não seria possível o exercício pleno pelo médico da sua objeção de consciência para prática de certos atos clínicos. Mesmo naquelas situações em que é possível a recusa por dilemas pessoais, o médico se veria obrigado, ao menos, a indicar outro médico para realizar o procedimento, com o intuito de preservar a autonomia do paciente.

Veja-se que é intrínseca à prática da medicina, enquanto alvo maior da profissão, a saúde do indivíduo, não se podendo ignorar um dever maior do médico de assistir o paciente. Ao mesmo tempo, não é correto se olvidar dos seus direitos enquanto profissional.
A conciliação da autonomia privada do médico e do paciente poderia passar por certa flexibilização da conduta do profissional que, mesmo premido por convicções de consciência, tomaria certas atitudes para preservar a vontade do paciente.
A comunicação prévia de sua objeção, a indicação de outro profissional imune de imperativos de consciência e a prestação de esclarecimentos ao paciente quanto às consequências da prática do ato por ele eleito são algumas das providências que o médico pode adotar para preservar a autonomia privada do enfermo, sem renunciar ao seu direito de objeção, mas sempre tendo por alvo a saúde da pessoa.

 

* É advogado, procurador do Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais (CRM-MG).

 

     

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