Escrito por Miguel Ortiz

Pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) a respeito do erro médico instigou-me pelo ineditismo do problema nela avaliado. Conselheiros haviam detectado que o perfil do médico infrator tinha como principal característica, pelo menos 10 anos de exercício profissional.

Afirmou-se no estudo que tal acontecia devido ao excesso de confiança que levava o médico a suprimir conscientemente alguns dos passos estabelecidos em protocolos de procedimentos regularmente aceitos como válidos. Apesar de possível, não fiquei inteiramente convencido das conclusões, imaginando que devia haver mais alguns outros motivos do que a conduta um tanto irresponsável de suprimir passos procedimentais, já que isso podia ser aplicado aos atos cirúrgicos, mas não ao atendimento mais comum as consultas, onde o problema (erro) tornava a aparecer, só que com outras características e conseqüências.

Tempos depois tive acesso a uma outra pesquisa, desta feita realizada nos Estados Unidos, onde foi constatado que o médico, apenas depois de insuficientes 15 segundos, interrompia e atropelava seu paciente logo na primeira entrevista. Esse estudo foi repisado aqui no Brasil e os resultados foram piores, apurando-se que, na rede pública, espantosamente o paciente era interrompido apenas 3 segundos depois de começar a explicar seu mal.

Diante essa nova constatação factual o panorama mostrou-se bem mais amplo, eis que agora eram englobadas todas as diversas situações em que o médico criava condições para o aparecimento do erro, em qualquer uma de suas modalidades. Intrigado e pensando sobre o tema, relembrei conversa havida com um grande amigo e médico, cirurgião geral e gastroenterologista, ex-residente do Hospital de Clínicas de São Paulo, à época já com mais de 25 anos de exercício profissional, onde achei, por fim, o componente que me faltava para compor o quadro motivacional de condutas adotadas quase que pela totalidade dos médicos envolvidos em denúncias e reclamações.

Antes de esmiuçar este assunto e para mais bem entendê-lo, já que acredito seja o nó górdio que devemos cortar, relembremos relatos de queixas de pacientes de todos os recantos do mundo, passíveis de serem encontradas em qualquer tipo de literatura. Eis aqui algumas das mais ouvidas:

– “O médico nem olhou pra mim”. – “Não me examinou e já foi escrevendo a receita”.

– “Foi frio”.

– “Muito seco, não conversa nada”.

– “Escuta, anota, não explica nada e logo dá a receita”.

-“A gente fica duas, três horas esperando e quando chega a vez, em dois ou três minutos o médico diagnostica, dá a receita e manda a gente embora”.

E aí surge a pergunta: Porque acontece isso? Existe alguma disposição ética, ou recomendação de administradores públicos, ou coisa que o valha, para dar suporte a essa insana conduta médica?

Claro que não! E, com toda certeza, nenhum de nós ou de vocês, médicos, gostaria de ser atendido dessa forma – quase padrão nos ambulatórios públicos. O que provoca essa atitude, então? Será que o médico incorporou em seu rol de obrigações contratuais a necessidade de acabar com as filas de pacientes que se formam a espera de uma consulta? Será que o doutor se sente na obrigação de atender a todos os que se perfilam na sua porta, mesmo que para isso tenha que colocar de lado todas as regras éticas e condutas profissionais aprendidas na faculdade de Medicina? Ou será puro desvio de conduta, apenas?

Talvez, irresponsabilidade pura, ou excesso de confiança em seu tirocínio profissional – questão discutível porque o fenômeno é observado também entre médicos recém formados. Ou será unicamente ambição desmedida?

A verdade é que temos de encontrar a causa motivacional desta inconseqüência profissional médica, causadora de inúmeros erros e quando não, de incontáveis comentários desmerecedores, porém, quase sempre, de bate-boca que conduz à quebra da relação médico-paciente.

Na busca pelos motivos, analisemos primeiramente com mais detalhe o segredo balbuciado por meu amigo gastroenterologista, com mais de 25 anos de atuação. Ao final de uma manhã em que atendeu mais de 20 pacientes, extenuado, me disse:

– “Não agüento mais! Tu não imaginas o drama que é ouvir a mesma conversa sempre…, o mesmo reclamo…, os mesmos sintomas…, parece a mesma novela repetida uma e mil vezes…

Chega um momento em que assim que o paciente começa a falar, dá a impressão de que você já sabe o resto do que ele vai dizer e ai vem a vontade de cortar a conversa, e ela é cortada mesmo. Não adianta continuar ouvindo porque vai ser a mesma coisa!

Preciso descansar, fazer outra coisa, mudar meus hábitos…” E é isso mesmo que acontece. Quantos de vocês, médicos, como de nós, advogados, ouviram de seus clientes histórias que aparentemente são reprises do mesmo filme?

Quantos de vocês, ou de nós, partiram para interromper o coitado que está na sua frente, achando que com o que já ouviram, pode oferece-lhe a solução para seu mal?

E quantos de vocês, ou de nós, alguma vez não terminou quebrando a cara por essa leviandade?

Mais cedo ou mais tarde isso vai acontecer, porque isso é desvio de conduta e a gente precisa policiar-se para evitá-la! Além do mais, é um desrespeito com o nosso paciente, ou cliente, já que todo ser humano que procura um profissional médico o faz porque precisa, não porque isso lhe dará prazer ou diversão (aqueles que vão ao médico por prazer são casos patológicos e como tais devem ser encarados). Pois bem, é consenso que um paciente procura o médico na busca do remédio para algum mal que o fragiliza naquele momento. Mal de qualquer ordem física ou psíquica, mas sempre mal, que provoca dor, angústia, sofrimento e que desregula a vida de quem o padece. Por isso, esse mal é tão importante para ele, nosso paciente!

É a vida dele que está em xeque e como tal devemos encarar o problema e a relação que vamos estabelecer, ainda que se trate de uma relação profissional. Nós somos seres humanos, não máquinas sem sentimentos.

A constatação me fez perceber que está na hora de rever posturas profissionais irracionais, desrespeitosas, antiéticas e, principalmente, potenciais, causadoras de danos para os nossos pacientes e de dores de cabeça para o profissional, porque, de uma ou outra forma, algum dia, algum momento, alguém vai cobrar dele essa conduta. E ele vai ter de pagar porque não há desculpa ou justificativa possível. Ao contrário do que se pensa, a consulta médica e especialmente a primeira consulta é de fundamental importância para o paciente, o médico e o sistema.

E ela não pode ser diferenciada pelo local em que acontece, privado ou público. Trata-se de um ato médico fundamental para o paciente e para o médico que, quando negligenciado em sua integralidade, vai introduzir na relação estabelecida, desconfiança e a quase certa possibilidade de erro. E por fim, essa superficialidade vai beneficiar quem mesmo?

Penso que está na hora de repensar o assunto e encetar gigantesca campanha para resgatar a importância do primeiro atendimento, da primeira consulta, do registro de antecedentes em prontuários bem elaborados e completos, da formulação de hipóteses diagnósticas condizentes com os achados clínicos e laboratoriais, da responsabilidade ética e técnica com o paciente. Afinal é a vida dele que está em jogo e, via de conseqüência, também a do médico, já que, por conta de um deslize aparentemente sem maior importância, este poderá ter afetado seu prestígio e patrimônio financeiro.

Está na hora de atentar para esse mundo novo que hoje vivemos, onde o paciente não é mais o ignorante de antes. Recordar que muitos deles, graças à biblioteca universal disponibilizada pela internet, estão tanto ou mais atualizados que o próprio médico, no que tange a tratamentos e medicamentos, havendo casos registrados de alguns pacientes que colocaram o doutor em constrangedor apuro para não passar por inepto e desatualizado. A Medicina é uma ciência, que apesar de inexata, não admite improvisações e nem mediocridade ou superficialidade. A fila de pacientes na rede pública, como sempre tenho dito, não é problema do médico, é problema do administrador público. O médico tem o dever e a obrigação de atender bem o seu paciente.

Atender bem demanda tempo. Faça seu tempo, doutor e consiga resultados qualitativos, não quantitativos. Deixe o problema da fila para ser resolvido pelo gestor do sistema. Você deve resolver o problema do seu paciente e interagir com ele!

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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