Escrito por Décio Policastro*
– Resolução n. 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina –
O médico não pode abreviar a vida ainda que a pedido do paciente ou dos familiares, mas há de compreender os limites da ciência médica e reconhecer quando não é mais possível controlar o incontrolável. Manter a vida forçadamente quando o organismo não tem mais condições de reagir, contraria a natureza. Face a essa indiscutível realidade o Código de Ética Médica, em perfeita sintonia com antigo preceito de que aliviar a dor é uma obra divina (sedare dolorem opus divinum est), modernamente admite a ortotanásia ao dispor que nos casos de doença incurável e terminal é intuitivo que o profissional ofereça ao enfermo todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações terapêuticas inúteis ou obstinadas.
Sabemos que a ortotanásia ocorre quando são suspensos os esforços terapêuticos e os meios artificiais de prolongamento da vida. Exige decisão médica e a indispensável autorização do paciente, se consciente, ou do seu representante legal. Distingue-se da eutanásia, penalmente imputável, em que provoca-se a morte para cessar o sofrimento ou abreviar a agonia dolorosa.
A autonomia do indivíduo de submeter-se ou não a tratamentos médicos não é novidade. Sua autodeterminação e o livre direito de escolha são reconhecidos nas leis civis e no Código de Ética Médica. Portanto devem ser respeitados.
Tanto é assim que o Código Civil e o Código de Ética Médica não permitem desrespeitar o livre arbítrio da pessoa de decidir sobre procedimentos a serem realizados em seu corpo bem como a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas.
Partindo dos comentários acima, vê-se que o absolutamente capaz, apto a praticar os atos da vida civil, doente ou não doente, pode deixar orientações a respeito de condutas futuras, porquanto não há impedimento médico em acatá-las.
Diretivas antecipadas de vontade, por conseguinte, são instruções deixadas pela pessoa acerca de tratamentos e não tratamentos que deseja ser submetida, caso acometida de enfermidade fora das possibilidades terapêuticas que a faça, mesmo temporariamente, inconsciente ou incapaz de expressar a vontade quando chegar ao final dos seus dias. Podem ser feitas em documento particular ou público, revogadas ou modificadas em qualquer momento, ainda que verbalmente, apenas por quem as produziu; não podem ser contestadas por familiares e independem de serem levadas a registro público. A expressão “testamento vital”, embora não sendo das mais felizes, possui igual significado de disposições ou diretivas antecipadas de vontade, consideradas mais corretas.
Encontrando-se o doente terminal em estado de inconsciência, a conduta médica regrar-se-á na vontade manifestada previamente pelo enfermo de alguma forma ou na da família ou, então, se não houver ninguém, no próprio julgamento científico e humanitário do profissional que poderá decidir o melhor para o doente.
Em nosso país, embora com manifestações favoráveis admitindo a validade de instruções dessa natureza, não há lei dispondo sobre o assunto, de modo que não sendo obrigatório acatá-las, seu cumprimento no meio médico dependerá dos familiares ou de quem tiver sido indicado pelo enfermo para representá-lo. Entretanto, a tendência é admiti-las como válidas. Veja-se como exemplo o Enunciado 527 aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça na V Jornada de Direito Civil: “É válida a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também chamado “testamento vital”, em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua vontade.”
Sempre atento à liberdade de decisão do paciente e enfatizando que os avanços científicos têm de ser empregados de forma adequada, sem exageros e sem deificar a tecnologia, de modo a evitar condutas que apenas prolongam a vida sem benefício algum, o Conselho Federal de Medicina, em boa hora, editou a Resolução CFM n. 1.995/2012 dispondo sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
A resolução, ao tempo em que dá mais conforto para o médico agir, possibilita a ele estabelecer com o doente os limites terapêuticos. Define as diretivas como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pela pessoa, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar livre e autonomamente sua vontade. Acentua que o médico deve registrá-las no prontuário quando lhes forem comunicadas diretamente pelo paciente e dispõe que prevalecerão sobre qualquer parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares e terceiros acatando-as, porém, desde que de acordo com os ditames do Código de Ética Médica.
Inexistindo determinações do paciente, na falta de familiares ou de consenso entre eles e nem havendo representante designado pelo doente para falar em seu nome, se surgirem conflitos éticos o médico, caso entender necessário e conveniente, recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição onde estiver atendendo o enfermo ou à Comissão de Ética Médica do hospital ou, então, ao Conselho Regional e Federal de Medicina.
Enfim, os familiares juntamente com o médico decidirão se cumprirão ou não o desejo da pessoa. Quando possível, devem respeitá-lo sem, contudo, irem além dos limites éticos e legais.
* É conselheiro e membro da Comissão de Estudos de Ética Profissional do Instituto dos Advogados de São Paulo.
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