Escrito por Isac Jorge Filho*

A população parece entender a vida sacrificada e o valor dos médicos. Apesar das dificuldades, temos enorme orgulho de ser médicos O colega chegou assustadíssimo na sala dos médicos. Estava saindo de seu plantão noturno e havia atendido nada menos que dez baleados ao longo de doze horas. Repetia, como se ele próprio não acreditasse: dez baleados. Entre lesões superficiais e lesões muito graves, dez pessoas haviam recebido tiros. “Eu me sinto como se estivesse em uma guerra”, dizia.

Estávamos, todos, ainda perplexos com a violência sofrida por outro colega médico, seqüestrado, em seu próprio carro, que passou horas de terror, sob mira de armas de marginais desprovidos de qualquer sentimento mais nobre, em um canavial, e de outra colega, agredida fisicamente durante seu trabalho.

Essa história real revela que estamos mesmo em guerra. E é guerra das piores, das mais cruéis. Vidas e vidas têm sido ceifadas sem a mínima razão. Violência por violência, por maldade, por revolta, por furor, por drogas, por desamor. Qualquer discussão, muitas vezes por motivos banais, leva a violentas agressões, dor, sofrimento, morte…

Perdeu-se, completamente, o amor ao próximo. O “próximo” é um inimigo a ser agredido, humilhado e até eliminado fisicamente. É uma guerra cruel e ainda mais perigosa que as guerras formais (se é que existem guerras formais), pois aqui não se conhece o “inimigo”. E como pode ser qualquer um, ficamos em constante vigília, com o medo e a tensão à flor da pele. Este é o clima emocional que vivemos em nossas cidades, nessa época de “modernidade”, de “globalização”.

É nesse cenário trágico que temos que “comemorar” o Dia do Médico, em 18 de outubro, Dia de São Lucas. Não há muito que comemorar. Explorado por empresas mercantilistas, explorado pelo sistema oficial de saúde que chega a pagar menos que dez reais por uma consulta; trabalhando, freqüentemente, em hospitais ou postos desprovidos de condições mínimas de funcionamento, um grande número de médicos ainda corre riscos físicos de agressões.

Os profissionais são vítimas da violência disseminada na sociedade, que atinge todos os cidadãos, mas também são vítimas de agressões físicas e verbais nos locais de trabalho, onde pacientes e usuários exteriorizam no médico suas revoltas diante das mazelas institucionais, diante da ausência de políticas públicas e sociais e do sucateamento dos serviços de saúde.

Entendo que o Dia do Médico deva ser momento de reflexão e análises. O rápido progresso do conhecimento coloca o médico brasileiro, principalmente o que trabalha em centros menores ou na periferia das grandes cidades, em situação de perplexidade. Realmente, é complicado conviver com a medicina da pobreza e a medicina da abundância. Os médicos lidam com problemas como falta de materiais básicos, equipamentos e auxiliares; precisam tratar afecções parasitárias, como esquistosomose e doença de Chagas, já inexistentes em países desenvolvidos; enfrentam infecções graves, muitas vezes ligadas à desnutrição ou às péssimas condições de limpeza e assepsia de muitos hospitais e ambulatórios.

Esses mesmos colegas precisam tomar conhecimento e acompanhar avanços como os transplantes de órgãos, a telecirurgia, as células-tronco, os modernos e sofisticados equipamentos de terapia intensiva e de diagnósticos por imagens etc. E, no entanto, na carreira do médico, a atualização das fronteiras da Medicina é indispensável. Não porque se espera que ele seja totipotente, capaz de executar pessoalmente cada avanço tecnológico, mas porque, até por um princípio ético, o médico se obriga a uma contínua busca do conhecimento para tratar seus pacientes da maneira mais eficiente possível e cumprir seu papel de agente transformador na busca de uma sociedade mais humana e feliz.

Felizmente, a maior parte da população parece entender a vida sacrificada e o valor dos médicos. Tanto que a profissão tem sido considerada a mais confiável em levantamentos recentes do Ibope. Mas, além do reconhecimento público, sobra a satisfação de estar ajudando um doente a se recuperar, a alegria fugaz de um raro “muito obrigado” e, principalmente, o orgulho de exercer um misto de profissão, arte e religião, que enche cada um de nossos dias, mesmo em um mundo cada vez mais violento e desumano.

Não tenho dúvidas: apesar de todas as dificuldades e injustiças, se me fosse dado escolher, seria médico novamente!

* É presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.

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