Escrito por Marcos Luna*
Se preciso fosse debruçar sobre as causalidades socioculturais e econômicas do mal-estar na saúde publica e privada brasileiras, caberia aqui o brocardo universal: “O acaso não acontece na natureza… e na sociedade humana”. Os condicionantes históricos gestaram durante três décadas, a inefetividade e a ineficácia progressiva do ato medico, no contexto da decadente realidade sanitária e assistencial de nosso país. “A polemica redistribuição dos médicos nas periferias das cidades rincões do país é um tipo de apartheid social” (A. Jatene). Desde a Constituinte de 1988 e a configuração do SUS, o protagonismo medico e as condições de trabalho tem percorrido os descaminhos do desfazimento de seus princípios basilares: a universalidade e a integralidade.
Pertinente a esse contencioso, o iníquo sub-financiamento do SUS se defronta com a expansão do mercado de seguros de saúde privados e a precarização trabalhista dos “parceiros” das empresas de saúde, o esculápio contemporâneo tem escalado uma ambivalência profissional que remete aos personagens da literatura universal de Stevenson: “Dr. Jerkyll e Mr. Hyde – o medico e sua contraface”. Os médicos submergiram numa pratica hospitalar e ambulatorial intermediada por bancos e disfarçadas organizações filantrópicas, que lhes oferecem uma relação (?) com o doente que arremeda a interação medico-paciente-família, assentada desde os tempos Hipocráticos com princípios éticos humanitários.
A ilusão de um consultório ou relação liberal foi sendo desconstruída ao longo desses desencontros: erros médicos culposos, litígios civis e conselhos de medicina punitivos aliados ao assalariamento vilipendioso em todos os níveis. “Nada deve ser inesperado para nós. Nossas mentes devem projetar-se no tempo para prever os problemas possíveis e considerar não somente o que costuma acontecer, mas o que pode acontecer” (Sêneca). O diagnóstico estrutural da ruptura iminente nos sistemas de saúde no Brasil esta consolidado: o subfinanciamento da Saúde. Medidas salvacionistas como a contratação de médicos estrangeiros, através de leis provisórias pelo governo federal, associadas a programas de “paliação social” como o Provab, Reda, Ebserh, Saúde das Prefeituras populistas, não contemplarão as medidas fundamentais: a implantação da Carreira de Médico Publico e do SUS; a aplicação de 10% do Orçamento Federal na Saúde.
O CFM e as entidades médicas têm debatido com as autoridades políticas e técnicas do setor, a intenção, ainda não formalizada, do Governo Dilma de minimizar a falência da Saúde e a má distribuição dos profissionais através de uma medida que será rechaçada pela categoria médica e demais lideranças da Saúde e comunitárias. A aprovação de um piso salarial nacional para a carreira de médico no âmbito publico – com projeto na Comissão de Seguridade Social e Família na Câmara Federal – constituirá um parâmetro qualificador e alentador, e assim um maior comprometimento com o SUS – e cobrança da sociedade. Também não caberá aos médicos a atitude conservadora xenófoba, posto que a boa medicina tradicional não prescinde das cooperações institucionais nacionais e internacionais, e que necessita transpor as audiências e debates em congressos médicos, não raro contaminados pelos interesses enviesados da indústria tecnológica e farmacêutica. Acredito que esta celeuma alimentara um embate, para a superação das defasagens no setor.
Enfim, nos parece meridiana a perspectiva de que os impasses na atenção à Saúde e seus corolários sanitários não serão resolvidos com a incorporação de cinco ou dez mil médicos – venham de Cuba, Espanha, Portugal e América Latina, qualificados por comprovação como acontece em todos os países desenvolvidos – ao pool de quatrocentos mil médicos brasileiros. Não resgatará o equilíbrio estrutural-funcional de nosso SUS com a população almejada. Estou igualmente convencido de que este “fermento” político social servirá de combustível para o processo transformador e evolutivo da nossa ainda juvenil democracia.
* É médico pós-graduado na Harvard Medical School e UFBA
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