Escrito por Luiz Augusto Pereira*
Médicos e juízes são profissionais que, cada vez mais, participam ativamente na busca de soluções dos problemas da população que recorre ao sistema público de saúde. Diante da quase-falência do setor público que o incapacita a responder agilmente a todas as demandas da saúde, surgem situações em que o magistrado, na ânsia de resolver o problema, pressiona indevidamente os profissionais, vítimas de um sistema de saúde mal-estruturado, até mesmo desumano. A autonomia dos juízes e dos médicos é garantida pela lei. Não cabe aos juízes, nem eles querem, exercer ilegalmente a profissão de médico estabelecendo conduta profissional. O que podem, em benefício da sociedade, é determinar o atendimento. A conveniência e a oportunidade de realizar o tratamento de qualquer paciente são do médico, que o implementará obedecendo a Lex Artis (regras da profissão).
A saúde, bem maior do cidadão, precisa de maiores cuidados das autoridades que assumiram o compromisso de fazer um governo capaz de atender às necessidades básicas da população. Fatos recentes, como a ameaça de prender médico a pretexto de não ter cumprido determinação na órbita médica partida de autoridade de outra esfera, não irão intimidar a qualquer profissional da Medicina, que tem, garantida pela Constituição, a sua autonomia. Os remédios jurídicos estarão sempre à disposição. Decisões judiciais determinando o atendimento pelo gestor da saúde nada têm a ver com a autonomia profissional. “Furar a fila” por decisão judicial diz mais com o comportamento moral da sociedade, com a insuficiência de oferta de serviços especializados, com a falácia dos que afirmam que só o médico de família é importante, e que não é preciso investir mais nas outras especialidades.
O gestor público da saúde tem de oferecer o serviço e deixar que o médico determine o tratamento a ser dado aos pacientes. Há, sim, uma fila dramática de espera por cirurgias, o que é um crime contra a dignidade humana, como referiu Paulo Sant’Ana em crônica recente em Zero Hora. Mas a culpa por essa fila não é do médico. Médicos e juízes não estão acima do bem e do mal; são cidadãos que respeitam as leis, e conhecem a dor do povo que depende da saúde pública. Presos devem ser os corruptos que desviam dinheiro que falta ao sistema de saúde. Nós somos os médicos dos juízes e de todos aqueles que necessitam do nosso trabalho. Ser médico exige o respeito pela autonomia do paciente, mas também do médico, numa relação médico-paciente responsável sem interferências de qualquer espécie. Médicos e juízes devem estar juntos, valorizando a cidadania, respeitando a autonomia de cada uma das respectivas órbitas de atuação, e responsabilizando – ética, civil e criminalmente – aqueles que verdadeiramente ignoram suas obrigações.
* É presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul.
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