Escrito por Ceuci de Lima Xavier Nunes

 

Em fevereiro de 1998, foi publicado na revista The Lancet, artigo da autoria do então médico Andrew Wakefield e outros 12 autores, que relatava uma possível associação entre a vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) ou MMR (sigla inglesa de Measles, Mumps and Rubella) e o aparecimento de autismo regressivo e doença inflamatória intestinal em crianças. No artigo foram descritos 12 casos de crianças que tiveram estes diagnósticos após 6 a 14 dias do uso da vacina.

Embora vários estudos em outros países, envolvendo enormes casuísticas, não tenham comprovado esta associação, a publicidade dada ao fato estimulada pelo próprio Wakefield, trouxe graves conseqüências para a saúde pública em todo o mundo.

A repercussão do estudo fez cair de 93% para 72% a cobertura vacinal para sarampo, caxumba e rubéola na Inglaterra, tendo como consequência o retorno do sarampo que voltou a ser endêmico e voltaram a ocorrer mortes de crianças decorrentes desta doença. Estão ocorrendo surtos e mortes na Alemanha e outros locais da Europa, assim como surtos no Canadá, Estados Unidos, Austrália e outros países. Vários outros problemas relacionados à desconfiança nas vacinas ocorrem em todo o mundo e são mais sentidos na Europa, onde mesmo os profissionais de saúde evitam participar de campanhas vacinais.

 Seis anos após a citada publicação no The Lancet vieram a público as primeiras publicações do repórter investigativo inglês Deer Brian, onde conflitos de interesse e condutas antiéticas foram descritas: Wakefield havia sido contratado dois anos antes da publicação do estudo e antes das crianças estudadas terem sido referenciadas ao hospital, pelo advogado Richard Barr, como consultor em processos contra fabricantes da MMR; evidencia documental de que Wakefield fez solicitação de patente para uma vacina “segura contra o sarampo”, antes da publicação do estudo; problemas metodológicos envolvendo a pesquisa, como a constituição do grupo controle com crianças selecionadas na festa de aniversário do filho do então médico, tendo sido pagas para isto com £5.00 pelo desconforto causado.

Após estas revelações iniciais, em 2004 a revista The Lancet publicou uma declaração de dez dos doze autores do estudo, na qual esclarecem que em nenhum momento foi estabelecida relação entre autismo e uso da MMR, uma vez que os dados não eram suficientes para sustentar esta afirmação.

Em 24/05/2010 o General Medical Council do Reino Unido, órgão com funções de regulamentar e fiscalizar a medicina e fazer o registro dos médicos, semelhante ao Conselho Federal de Medicina no Brasil, após investigação do chamado “escândalo da MMR”, decidiu cassar o registro médico do Dr. Andrew Wakefield, devido à gravidade dos fatos apurados e por considerar que o médico causou danos aos pacientes participantes da pesquisa, à medicina e à saúde pública. Foi comprovado que o estudo realizado não foi o mesmo aprovado pelo Comitê de Ética do Royal Free Hospital; ocorreu viés de seleção dos pacientes, uma vez que não foi seguido o protocolo proposto e houve participação direta do autor na seleção destes; foram desrespeitados os princípios de proteção às crianças vulneráveis com a utilização de, métodos invasivos de investigação, como coleta de líquor sem indicação clínica; além de não ter sido comunicado pelos autores à revista The Lancet qualquer conflito de interesses, quando estes ficaram provados na apuração.

Cinco dias após a publicação da decisão do General Medical Council a revista The Lancet publicou uma retratação e o artigo embora ainda esteja visível no sítio da revista (http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(97)11096-0/abstract), apresenta uma tarja vermelha escrito recolhido.  

Já neste ano de 2011 outros fatos vieram à tona no British Medical Journal que publicou seqüência de artigos do jornalista Deer Brian que descobriu que os dados que foram publicados foram fabricados numa escola de medicina de Londres.

O jornalista teve acesso aos autos do processo, uma vez que no Reino Unido o processo não corre em sigilo, como no Brasil. Foram confrontados os dados contidos nos prontuários dos pacientes com os dados relatados no artigo e encontradas graves discrepâncias: a presença de irmãos entre os casos; diferença no tempo descrito no estudo e o registrado nos prontuários, entre a utilização da MMR e o aparecimento dos sintomas; muitos dos pacientes eram de famílias litigantes contra a indústria farmacêutica; alguns dos participantes do estudo já tinham diagnóstico de autismo e doença inflamatória intestinal, mesmo antes do uso da vacina.

A confiança nas vacinas vem sendo construída desde o final de século dezoito (quando Jenner descobriu a vacina contra varíola) e tem propiciado a erradicação e controle de algumas doenças de elevada morbidade e mortalidade, como varíola, poliomielite, sarampo, tétano, difteria entre outras. Porém a conduta insensível, irresponsável, antiética e mercantilista de um único médico, já trouxe um retrocesso nesta história de sucesso ao fornecer munição a grupos antivacinistas de todo o mundo e fomentar a desconfiança da população não só na vacina tríplice viral (MMR), como nas vacinas de uma forma geral.

* Ceuci de Lima Xavier Nunes é conselheira federal suplente pelo estado da Bahia

 

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