Escrito por Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Medicina e Direito são profissões que têm guardado maior proximidade nos últimos anos, o que, no entanto, não significa um caminhar juntos e sobretudo harmonioso. De um passado, não distante, ainda no século precedente, era eventual e raro o médico que buscava aprofundar-se no campo das Ciências Jurídicas, e quando isso ocorria, era motivado pela intenção da avidez para entender o saber jurídico, em alguns casos para alargar a formação humanista e, em outros para o melhor exercício da Medicina Legal.

Em que pese esse fato, desde a década de 1990, a observação qualitativa dá conta da expansão do número de médicos que obtêm matrícula, como graduado, nos diversos cursos privados de Direito, tratando-se de uma clientela atraente, por ser técnica e intelectualmente diferenciada, duramente testada desde o vestibular para medicina até a obtenção do diploma, e avessa à inadimplência das mensalidades acadêmicas.

Não se trata, todavia, da formação “cruzada”, tida como de grande valorização pelos gerentes de recursos humanos, quando do recrutamento de executivos para grupos empresariais. Esse aquecimento da demanda, por parte de iátricos, comporta outros tipos de motivação, como, por exemplo: o desencanto com a profissão primária, seguido do desejo de uma via secundária, para lograr um cargo no serviço público mediante concurso nas carreiras do Judiciário, como forma de usufruir das notórias vantagens pecuniárias e dos sabidos benefícios amealhados pelos integrantes desse poder constituído, proporcionando uma existência mais tranqüila; a pretensão da prática liberal, e para tanto, se alia a tentativa de angariar um diploma e posterior registro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para prestar serviços de causídico a colegas, e/ou até defender-se das investidas de terceiros. No tocante ao primeiro exemplo, os concursos públicos, para a admissão de médicos, guardam isonomia salarial com os das outras categorias profissionais da saúde, negligenciando diferenciais do tempo de formatura, da qualificação adicional, da responsabilidade técnica etc., oferecendo vencimentos básicos, em média da ordem de dois salários mínimos, que, adicionados às demais vantagens (de titulação, risco de vida e/ou saúde e outros penduricalhos), perfazem quantias que dificilmente exorbitam cinco salários mínimos, ao passo que nos cargos do Poder Judiciário os rendimentos iniciais desabrocham em múltiplos de milhares de reais.

Por oportuno, ressalte-se que aqui não se advoga pelo rebaixamento vencimental dos zelosos responsáveis pela aplicação da Justiça em nossa sociedade, e sim um melhor tratamento remuneratório aos que cuidam da promoção, da manutenção e da recuperação da saúde individual e coletiva, e, portanto, de um bem maior, conferido pelo Criador – a vida humana. No segundo caso, registre-se, que há colegas, de excelente formação médica, uma vez graduados em Direito, oferecendo seus préstimos profissionais para situações embaraçosas na Justiça, advindas de processos acusatórios por “erros médicos”.

Há um grave equívoco dos médicos trânsfugas, seduzidos pelo “canto da sereia”, que pensam alcançar facilmente os vultuosos e polpudos salários próprios das carreiras do Judiciário, pois estas atendem a uma pequena parcela dos bacharelados em Direito no Brasil. Com efeito, é de aproximadamente 450 mil o número de registrados nas seccionais da OAB, algo como o dobro de médicos inscritos nos CRMs estaduais, enquanto o contingente de graduados dos últimos anos demonstra um avassalador turbilhão de diplomados em cerca de cinco centenas de cursos, a maioria deles surgida nos últimos anos. Acresce ser dito que foram submetidos ao último Exame Nacional de Cursos (“Provão de 2003”), mais de 73.500 concludentes de Direito, valor apenas superado por egressos da Administração e da Pedagogia, contra a participação de 9.228 da Medicina, ao tempo em que, entre 1999 e 2003, houve um incremento de 62,0% e 16,0%, respectivamente, em Direito e Medicina, anunciando uma vertiginosa progressão de advogados, em potencial.

Ao contrário da Medicina, em que não há exame para o exercício profissional, sendo o diploma de graduado suficiente para registro no CRM e atuação médica, a inscrição na OAB somente é possível aos aprovados no exame de ordem, realizado sob a responsabilidade das suas seccionais e baseado em dispositivos legais expedidos pelo Conselho Federal da OAB, havendo, por conseguinte, uma dissociação entre o aparelho formador, assumido pelas instituições de ensino superior, e o regulador do mercado, gerenciado pela OAB. Os resultados desses exames têm-se revelado preocupantes, à conta dos baixos níveis de aprovação, agravados pela tendência declinante de sucesso, notadamente da parte das escolas particulares, que respondem por crescente oferta desses bacharéis.

Os médicos ainda não têm um exame semelhante ao da OAB, contudo, são bem mais avaliados do que aqueles, pois, hoje, mais de dois terços deles acessam programas credenciados de Residência Médica, após aprovação em concorridos processos seletivos, e se sujeitam a exames nacionais para a obtenção do título de especialista, auferindo o reconhecimento de tal qualificação entre seus pares, passando o seu sucesso como profissional à dependência de sua “performance” pessoal, donde a necessidade de educação continuada, em busca do aperfeiçoamento técnico, e da apreciação da clientela formada, que é cada vez mais exigente. Segundo recente publicação do Conselho Federal de Medicina, intitulada “O médico e o seu trabalho”, basicamente, no meio médico, inexiste desemprego (0,8%) e desvio de função é cousa muito rara (a Medicina é a fonte de renda única de 88,9%); aliás, há acúmulo de postos de trabalho (55,4% exercem três ou mais atividades médicas) supostamente “compensando” as modestas remunerações (51,5% têm renda mensal de até US$ 2,000); a larga maioria dos médicos possui pós-graduação: Curso de Especialização (40,7%), Residência Médica (61,6%), Mestrado (14%), Doutorado (6,8%) e Pós-doutorado (1,3%).

Na área das Ciências Jurídicas, as cifras são diametralmente distanciadas, existindo um farto desemprego (muitos concorrentes para poucos cargos públicos) sendo o desvio de função largamente comum (muitos são barrados pelo exame de ordem); além disso, não há postos de trabalho privado suficientes para suprir a excedente oferta de profissionais no mercado, porém, para uma reduzida parcela de causídicos, existe a possibilidade de ganhos quase estratosféricos, em um limitado número de questões milionárias; a maior parte desses bacharéis é egressa de instituições de ensino privadas e não possui pós-graduação, de qualquer nível.

Como visto acima, as duas categorias profissionais possuem prós e contras, e até mesmo interfaces de atuação, como: Direito Médico, Medicina Legal, Bioética etc., mas, cada uma, detém as suas próprias especificidades, que precisam e devem ser entendidas, e sobretudo respeitadas; entrementes, os médicos não perseguem a “auri sacra fames” ou a imagem sacerdotal tanto apregoada, e sim desideram o direito de trabalhar com dignidade, em prol da saúde de seus semelhantes, auferindo honorários condizentes com suas responsabilidades e competências, e tendo o reconhecimento público, da sociedade e das autoridades constituídas, sem sobressaltos, à sua capacidade de subsistência e de provimento de seus familiares.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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