Escrito por Jorge Carlos Machado Curi*
Tomamos conhecimento dias atrás do balanço de impostos arrecadados pelo Governo Federal nos 30 dias iniciais de 2008. Os dados de janeiro só confirmam a gula tributária da União. Houve um aumento de R$ 10,44 bilhões em relação a janeiro de 2007. Os números absolutos apontam um crescimento líquido de R$ 9,6 bilhões em janeiro, já descontados os R$ 875 milhões remanescentes da CPMF, referentes a movimentações de dezembro que entraram agora no caixa.
Foi, de fato, o primeiro mês sem a cobrança da CPMF. Mesmo assim a arrecadação subiu em níveis muito superiores aos da inflação. É uma prova contundente de que não era confiável a afirmação de que, sem o imposto do cheque, seria necessário cortar cerca de 20 bilhões do Orçamento.
O balanço evidencia que não falta dinheiro para a aprovação da Emenda Constitucional 29, que disciplinará quais gastos podem ser efetivamente computados como investimentos em saúde. Trata-se de uma normativa essencial, pois, acabará com a possibilidade de os recursos do setor serem desviados para outras rubricas. Além disso, alterará as alíquotas de repasse das três esferas de poder, garantindo verbas importantes para a assistência.
Vale registrar que Associação Paulista de Medicina e as entidades médicas defendem que esse repasse seja de 10% para a União, e que os estados e municípios colaborem com 12% e 15%, respectivamente.
O governo não pode mais tapar o sol com a peneira. Não dá mais para ignorar que a rede de saúde está à beira do caos. É necessário responsabilidade quando se lida com vidas humanas. O SUS não pode continuar sem recursos para bem atender os cidadãos. Não pode continuar ameaçado de morte súbita, especialmente se há dinheiro em caixa – e muito.
Temos o único sistema de saúde pública universal da América Latina. Na teoria, o SUS é considerado uma das propostas mais avançadas do mundo. Na prática, porém, a realidade é cruel: pacientes ainda morrem em filas, uma consulta demora menos de dez minutos, exames tardam uma eternidade para chegar, a infra-estrutura de hospitais e postos de saúde é lastimável, as condições de trabalho e os honorários dos profissionais são uma afronta.
Há problemas na gestão, temos de reconhecer. Parte dos administradores não é qualificada. Contudo, o mais grave é a falta de dinheiro. Nossos investimentos em saúde representam pouco mais que a metade dos registrados em vizinhos latino-americanos, de acordo com recente estudo comparativo da Fundação Instituto de Administração (FIA) da Universidade de São Paulo (USP) sobre gestão da saúde no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela.
Venezuela, Argentina e Chile aplicaram no setor cerca de 16% da arrecadação de 2005, já no Brasil o percentual ficou em 8,7%. Enquanto isso, no México e na Colômbia os gastos com saúde representaram, respectivamente, 24,2% e 37,6% do recolhimento de impostos.
O detalhe é que, ainda segundo a pesquisa da FIA/USP, em nações como o Chile, a população opta por contribuir e por utilizar somente um dos sistemas de saúde: o público ou o privado. Aqui, mesmo os que recorrem ao sistema suplementar são obrigados a pagar pelo SUS, direta ou indiretamente.
Uma discussão séria sobre os rumos da rede pública de saúde no Brasil passa obrigatoriamente pela urgente necessidade de aprovação da Emenda Constitucional 29. Ela já passou com o aval da maioria da Câmara dos Deputados e agora depende dos senhores senadores. Portanto, é hora de todos falarmos com os parlamentares que ajudamos a eleger para cobrar coerência e compromisso.
Há outra questão que pode e deve correr no paralelo. Temos de começar a sensibilizar a classe política a tratar do tema da reforma tributária de maneira madura e responsável. Os profissionais liberais, por exemplo, não podem continuar sendo taxados como se fossem donos de empresas de capital milionário. É fundamental discutir a redução da carga de impostos daqueles que, como os médicos, sobrevivem apenas da própria força de trabalho.
É presidente da Associação Paulista de Medicina – APM.
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