Escrito por João Alberto Lopes Rodrigues*

 

As sentenças judiciais com matérias relativas ao tabagismo, na sua quase totalidade, trazem sempre questões como a liberdade individual e o livre-arbítrio; conceitos, aqui, que estão sendo superados, mas ainda utilizados pela magistratura brasileira para definir o consumo do tabaco. Nesta lógica, há uma sentença que considero emblemática – Processo nº 2009.001.121.070-5 de 02 de setembro de 2011. Dessa forma, espero contribuir com o debate e orientar os nobres colegas médicos para estas questões que considero relevantes no controle do tabagismo; infelizmente, os próprios médicos têm contribuído para os equívocos da Justiça. Com isso, também, gostaria de colaborar com os nobres membros que integram a Justiça do nosso país para que tenham uma leitura mais moderna da questão.

 Para início de reflexão, pergunto: qual é a intenção do magistrado ao afirmar que ‘há livre- arbítrio para o vício’, na realidade o que isso significa? A questão não é o mérito em si da sentença, mas sim a forma e o seu conteúdo; apresenta conceitos equivocados, notadamente no que concerne às evidências da ciência para o tabagismo – dependência química à nicotina presente nos produtos derivados de tabaco. O magistrado tem toda a legitimidade para negar o pedido de indenização. Porém, considero que a sua argumentação para justificar a sentença foi desrespeitosa e extrapolou em muito o objeto julgado; sem nenhum cuidado ou mesmo solidariedade para com o requerente que o próprio juiz afirma ser um dependente químico do tabaco e, ainda, padece de câncer pulmonar; doença grave e muitas vezes fatal.

Ao dizer que o requerente é um viciado intencional ou que a doença é resultado de desmandos de sua conduta nefasta, devendo suportar sozinho as consequências de seu descontrole para consigo, o magistrado afirma, à luz da ciência, que estamos diante de um dependente químico severo do tabaco; mas, o faz com o objetivo claro de desqualificar as demandas de indenização por parte do requerente e com isso, desqualifica a própria sentença, pois nela não devem caber julgamentos de valor.    

Dependência química é doença crônica, não é traço de personalidade, requer atenção e respeito como qualquer outra condição de saúde, não de moralismos. O requerente não pede indenização do poder público e muito menos da sociedade e sim da indústria que produz um produto que causa dependência grave, adoecimento e morte. O requerente consumiu cigarros por muitos anos por ser dependente químico do tabaco, vindo adquirir, inclusive, câncer de pulmão. Tornou-se dependente do cigarro muito provavelmente na juventude, quando se é, ainda, muito vulnerável às influências externas – houve e continua havendo a promoção para o consumo de cigarro; 90% dos fumantes adultos tornaram-se dependentes do tabaco antes dos 19 anos de idade.

Diferente do álcool, não há níveis seguros para o uso de tabaco, inclusive para fumantes de muito poucos cigarros; aqui, é muito raro o uso não associado à dependência (uso recreativo do tabaco); um a cada dois fumantes regulares de cigarro morrem por doença tabaco-associada.

Considerar na sentença que o requerente fez tudo por livre-arbítrio é lógico na cabeça do magistrado, no raciocínio primário que o requerente, deliberadamente, escolheu ter um câncer de pulmão; isto é, por puro livre-arbítrio, quis adoecer por doença limitante e muitas vezes fatal ao consumir um produto que vem sendo glamourizado e promovido por enganosas e intensas propagandas e publicidade. Neste caso, se pudéssemos desconsiderar completamente o contexto de vida das pessoas, o livre-arbítrio, aqui, foi o requerente iniciar-se no cigarro e tornar-se um adicto do tabaco (deliberadamente segundo o juiz), justamente por comprar tudo que a indústria sempre lhe propôs vender: um raro prazer, liberdade, autoconfiança, sensualidade… jamais a realidade de um câncer pulmonar e de uma dependência grave. 

O fato de haver parcela de responsabilidade do requerente na sua doença, não exime de forma alguma a parcela de responsabilidade da indústria no adoecimento do requerente, pois as tabaqueiras produzem um produto que a ciência de forma inequívoca já demonstrou que vicia tanto quanto as drogas pesadas e causa câncer de pulmão. Aqui o nexo causal foi determinado, tanto para a dependência, que o próprio juiz afirma na sentença, quanto à etiologia do câncer.

Desta forma, é de nosso dever propor algumas reflexões. Somente o requerente deve ser penalizado? É justo? Onde está a Justiça, que livra a indústria do tabaco da responsabilização ao afirmar, inclusive, que houve dano ambiental por parte do requerente? (diz o juiz na sentença que o requerente toda vez que fumava estava contribuindo para a poluição ambiental do Planeta Terra). E, para punir ainda mais o requerente, o juiz revogou a gratuidade de justiça anteriormente deferida, pois entendeu que se o autor teve condições de comprar milhares de maços de cigarro ao longo de tantos anos, certamente teria condições de arcar com as custas e honorários advocatícios.      

    Assim, até parece que a indústria do tabaco é benéfica para a Saúde Pública, para o Meio Ambiente, Economia, Desenvolvimento Sustentável e para o Planeta. Na realidade tudo é essencialmente muito primário. Por quê? Pois que a poderosa indústria do tabaco continue lícita, mas com severas e rigorosas limitações para que cada vez mais o seu nefasto produto (parafraseando o juiz) tenha queda de consumidores, para que diminua expressivamente os dependentes químicos do cigarro (viciados intencionais segundo magistrado) e com isso ocorra redução das taxas de doenças e mortes tabaco-relacionadas. 

 

* João Alberto Lopes Rodrigues é médico sanitarista

 


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