Escrito por Antonio Pedreira*

Minha gente, eu conheci Jessé Accioly! Que figura humana admirável!

Lembro-me da época em que eu era um estudante de Medicina, e aprovado no segundo ano, estava prestes a iniciar o ano letivo de 1962, ávido a tomar contato com uma das matérias mais importantes do curso – Propedêutica, o estudo dos sintomas e dos sinais clínicos das doenças.

A praxe era buscar informações entre os colegas mais adiantados, quais seriam as melhores opções para aprendermos a realizar a melhor anamnese e o mais acurado exame clínico. A opinião predominante entre os veteranos convergia para o nome do professor Jessé Accioly, apontado como o melhor.

Que decepção! Não tive uma aula sequer com o mestre e fui informado de que ele partira para a Espanha, com o objetivo de se especializar em Psiquiatria, no serviço do renomado psiquiatra Lopez Ibor, e que tão cedo não voltaria.

Anos mais tarde, uma pessoa muito próxima a mim, e que padecia de terríveis dores de cabeça, foi indicada a procurar a ajuda profissional do Dr. Jessé, que estava atendendo numa clínica particular no bairro da Graça, em Salvador. Vale ressaltar que diversos especialistas em cefaléias, norte-americanos e brasileiros, tinham falhado em resolver o problema. Nova decepção: em face à sua agenda carregada de clientes, ela acabou parando nas mãos de outra pessoa e pediu-me com veemência que requisitasse ao Dr. Jessé a chance de ser atendida por ele. Conseguiu. E curou-se das enxaquecas, o que me deixou perplexo e instigado a conhecer sua bem-sucedida abordagem: a análise transacional.

Como clínico geral que eu era, quis acrescentar ao meu repertório de recursos médicos a novidade. Assim, em 1980, tive a chance de assistir às suas magníficas aulas do curso introdutório de Análise Transacional, AT-101. Cheio de curiosidade, mas ao mesmo tempo incrédulo e resistente, liguei meu espírito crítico de pesquisador e de cientista biomorfologista. Recém-aprovado em defesa de tese para professor assistente, reforçado pelo título de professor bi-adjunto, obtido em dois difíceis concursos, outorgado pela Ufba, confesso que adotei aquela postura antipática não vi e não gostei.

A primeira aula a que assisti do mestre Jessé, sobre as emoções, deixou-me encantado com a marcante didática e o vozeirão que dispensava microfone. O conteúdo profundo, transmitido em linguagem acessível e clara, me deixou embevecido. Crivei-o de perguntas. Durante todo o meu curso de Medicina, jamais tinha tido qualquer aula sobre o assunto. Desse modo começou a minha paixão pelas emoções, o que me tornou um estudioso do tema e sobre o qual versam vários livros que escrevi. Ao final do referido curso, recebi o honroso convite para fazer o curso de formação em Análise Transacional (AT-202, com a duração de dois anos e meio) e me tornar um psicoterapeuta. Aceitei o desafio e penso que encontrei a minha profissão, embora já fosse um médico clínico geral, um professor e um pesquisador bem-sucedido, além de seis livros já publicados.

O convívio com Jessé, como supervisor da minha formação e como terapeuta nos nove anos de minha análise didática, além do privilégio de poder privar da sua amizade, revelaram-me um modelo a seguir.

Muitos aspectos da sua personalidade me empolgam e enumero alguns. A simplicidade no trato pessoal me fez considerá-lo um amigo especial, mais que um ídolo. O seu equilíbrio, a sua empatia e conduta assertiva fizeram dele um legítimo ícone da competência emocional. É digno de registro que a sua vasta cultura ia além do enciclopédico conhecimento médico, no qual se destacou como pesquisador – com duas contribuições científicas inéditas –, Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Ufba, médico clínico e depois de se destacar na Espanha especializando-se em Psiquiatria, o psicoterapeuta.

Em um contexto no qual preponderavam os psicanalistas, Jessé teve a audácia de inovar, o feeling de descobrir, entre tantas linhas de terapia, a abordagem humanística e pragmática da AT. Tornou-se um pioneiro no Brasil, um dos fundadores da UNA-AT, entidade-mater que precedeu a União Nacional de Análise Transacional (UNAT-Brasil).

Na Bahia, Jessé fundou a Associação Baiana de Analistas Transacionais (Asbat), que congregou os estudiosos locais da AT, entre os quais César Romero, Maria José Duplat, Angelina Athaíde, Carminha, Célia Nunes, Maria das Graças Aouad, Gervásio Araújo, Eraldo Silva – Herald, Joedil Brasil, Irene, Anilton Oliveira, Graça Araújo, Marta Leite, Sandra Gonzaga, José Barbosa, Tatiana Pedreira, Eliana Dumet e o autor deste escrito. Com absoluta certeza, traduzo aqui o pensamento de todos acima e dos seus inúmeros discípulos, clientes e amigos. Jessé marcou a vida de cada um e de todos nós.

Na minha vida em particular, Jessé foi um divisor de águas, pois me deu permissão para ser um vencedor. Também foi um modelo eficaz de psicoterapeuta humanista, tanto da terapia transacional de grupo quanto da individual. Era um estudioso, nunca parava de ler e de se manter atualizado. Com sua mente criativa, fez inúmeros e valiosos acréscimos ao instrumental de AT, que até hoje utilizo. Como nem tudo é perfeito, Jessé era modesto em demasia e não cultivava o hábito de escrever livros e artigos. O seu livro Educação Emocional foi publicado graças à insistência nossa e, mormente à persistência e tenacidade de sua parceira e co-autora Angelina, também responsável pelas apostilas, um tesouro de contribuições à AT.

Com a permissão e encorajamento do meu mestre, escrevi meus primeiros livros e monografias sobre tópicos da saúde mental usando o instrumental da AT. Em todos esses escritos, mesmo sem prejuízo da originalidade nossa, é possível sentir a presença viva de Jessé Accioly, razão pela qual são dedicados a ele. Assim, de certo modo, resgato um aspecto da vida de Jessé, o qual preferia usar o tempo livre em atividades artísticas diversas.

Na pintura, ele criou um estilo que fez muito sucesso nas exposições de que participou. Embora pintasse por hobby, seus quadros eram valorizadíssimos, quando ele cedia às insistências para vendê-los. Impressionava-me no mestre Jessé a criatividade exercitada em um dos seus passatempos prediletos, a junk sculpture, um tipo de escultura realizada com peças velhas de automóveis e outros motores. Produzia pequenas preciosidades artesanais em seu ateliê e as exibia com prazer e uma indisfarçável pontinha de orgulho.

Jessé era um hedonista moderado. Sabia apreciar um bom vinho, um prato sofisticado de frutos do mar e umas baforadas contidas. Tinha uma especial predileção por azeitonas grandes. Falava também da sua apreciação pelos odores corporais da mulher, livre de desodorantes e perfumes, muito de acordo com os mais modernos sexologistas da atualidade.

Em um Congresso Brasileiro de AT, no Sul do país, estávamos assistindo a um convidado internacional que demonstrava suas habilidades em uma atividade denominada como faço – fazendo. A cada momento que o renomado terapeuta exibia emoções ou condutas de disfarces, eu esperava uma intervenção do mestre Jessé, tal como fazia conosco no grupo. Chegou ao fim, ele se manteve impassível e ainda o aplaudiu. Quando foi franqueada a palavra para perguntas, críticas e comentários, esperei pelo momento em que ele a usaria para fazer os devidos reparos. Uma vez mais fiquei frustrado diante da impassível modéstia de Jessé e questionei o porquê. Ele me disse de modo imediato: “Sabe, Pedreira, desde que eu entendi a importância da competência emocional, que adotei esta postura ativa ao ler um livro ou ao assistir a uma conferência. Encaixo o meu ego Adulto e passo a analisar, minuto a minuto, cada uma das declarações feitas, passando-as através de um crivo lógico, racional ou coerente, e admitindo ou não, vou computando: concordo, discordo. Aprendi esta lição que é mais do que competência emocional. Isto é excelência emocional.

 

* Antonio Pedreira é médico.

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