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Wilson Shcolnik*

 

Os primeiros casos de doping na Olimpíada do Rio estão sendo detectados pela Agência Mundial Antidoping (The World Anti-Doping Agency [WADA]). Por trás das substâncias proibidas identificadas está a credibilidade dos exames laboratoriais capazes de validar vitórias obtidas durante os jogos e até determinar o futuro de atletas. Os episódios com a búlgara Silvia Danekova e a nadadora chinesa Chen Xinyi remetem à reflexão sobre a qualidade dos exames realizados pelos laboratórios brasileiros responsáveis por ditar muitos diagnósticos e tratamentos dos nossos cidadãos.

Antes do início das Olimpíadas, o anúncio da suspensão da acreditação do Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD) pela WADA virou manchete internacional e trouxe preocupação aos organizadores brasileiros. Afinal, espera-se que o LBCD faça jus aos R$ 190 milhões investidos pelo governo brasileiro em obras e equipamentos, a fim de torná-lo apto a analisar amostras colhidas de atletas e produzir evidências relacionadas ao uso de substâncias proibidas. As razões noticiadas referiam como causa do descredenciamento a existência de “erros procedimentais”.

Felizmente, o LBCD conseguiu se ajustar e demonstrar a conformidade com os padrões estabelecidos pela agência, mas como anda a confiabilidade dos resultados dos exames realizados pela população brasileira que busca assistência à saúde?

Cerca de 70% das decisões clínicas se baseiam em informações contidas em resultados de exames laboratoriais, sendo que os 16.657 laboratórios existentes no Brasil realizam mais de 1,2 bilhão de exames anuais.

Apesar do termo “acreditação” (do inglês “accreditation”) já ser usado há vários anos para caracterizar organizações de saúde que adotam sistemas de qualidade e demonstram conformidade com critérios ou padrões técnicos definidos, sua adesão pela rede laboratorial brasileira ainda é pequena.

No Brasil, há programas de acreditação laboratorial de elevada credibilidade, que asseguraram a qualidade dos serviços prestados e a confiabilidade dos resultados. A Sociedade Brasileira de Patologia Clínica / Medicina Laboratorial (SBPC/ML) disponibiliza o Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos (PALC), que já acreditou 150 laboratórios, entre públicos e privados, que realizam cerca de 480 milhões de exames por ano, correspondendo a 40% dos exames realizados no país, na saúde suplementar.

Na prática, um laboratório clínico acreditado deve ter seus processos controlados, sendo sua competência técnica avaliada por meio de programas de proficiência e auditorias periódicas. Essas auditorias são realizadas por profissionais capacitados, ligados a entidade independente, e visam a assegurar a produção de resultados de exames confiáveis, que possam servir de base para decisões médicas.

Embora a automação tenha trazido vantagens ao processo laboratorial, é preciso desfazer o mito de que resultados de exames confiáveis podem ser obtidos por qualquer pessoa, por meio de acionamento de botões de analisadores automáticos de alto custo. Há evidências científicas que comprovam que, em análises clínicas, a maior frequência de erros laboratoriais ocorre na fase pré-analítica, ou seja, antes do material chegar ao laboratório.

Assim, cuidados com a identificação, coleta, acondicionamento e transporte de amostras são essenciais para que sejam obtidos bons resultados. Da mesma forma, são necessárias equipes técnicas qualificadas para a operação de instrumentos complexos, assegurando sua correta calibração, validação, e uso de regras de controle de qualidade, antes do processamento de amostras de pacientes. Tão importante quanto um resultado preciso e confiável é o controle da fase pós-analítica, com cumprimento de prazos de entrega dos resultados e a existência de profissional preparado para discutir correlação clínico-laboratorial, pois as informações laboratoriais podem influenciar a definição de um diagnóstico ou a escolha de um tratamento, afetando os desfechos da assistência e os custos de sistemas de saúde.

Atletas já estão sendo punidos e possivelmente banidos das competições no Rio de Janeiro, com base em resultados de seus exames antidoping. Possivelmente, novos casos ainda vão surgir. Quando se trata da atuação de laboratórios clínicos na assistência à saúde, não há porque tratarmos a situação de forma diferente, pois apesar de não haver competição, pode estar em jogo a luta por uma vida saudável.

 

*Médico, Patologista Clínico, Diretor de Acreditação e Qualidade da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial. Trabalha no Grupo Fleury.

 

     

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