Escrito por Neri Tadeu Camara Souza*

A infecção hospitalar tem gerado ações de responsabilidade civil impetradas pelos pacientes contra os hospitais. Há, pois, implicações legais caso uma infecção hospitalar sobrevenha em um paciente que receba assistência médico-hospitalar nas dependências de uma entidade prestadora de serviço de saúde. Existem regras, emanadas dos diversos órgãos responsáveis pela saúde pública brasileira, para o controle da infecção hospitalar, estendendo-se as mesmas, por analogia, às demais espécies de serviços de saúde. A não observância destas regras implicará na possível responsabilização, quando em juízo, da empresa de saúde pelos nossos tribunais. Também há normas legais, em nosso ordenamento jurídico, que permitem a subsunção da ocorrência do dano ao paciente por infecção hospitalar, decorrendo daí a possibilidade de ser indenizado este pelos prejuízos, dela decorrentes, que lhe advenham.

Dentre os dispositivos que orientam a conduta no controle da infecção hospitalar cabe, primordialmente citar os existentes na Lei nº9.431, de 6 de Janeiro de 1997, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade da manutenção de programa de controle de infecções hospitalares pelos hospitais do País”, dos quais é válido transcrever os seguintes: “Art. 1º Os hospitais do País são obrigados a manter Programa de Controle de infecções Hospitalares – PCIH.

§ 1º Considera-se programa de controle de infecções hospitalares, para os efeitos desta Lei, o conjunto de ações desenvolvidas deliberada e sistematicamente com vistas à redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções hospitalares.

§ 2º Para os mesmos efeitos, entende-se por infecção hospitalar, também denominada institucional ou nosocomial, qualquer infecção adquirida após a internação de um paciente em hospital e que se manifeste durante a internação ou mesmo após a alta, quando puder ser relacionada com a hospitalização.

Art. 2º Objetivando a adequada execução de seu programa de controle de infecções hospitalares, os hospitais deverão constituir:

I – Comissão de Controle de Infecções hospitalares”. Portanto, esta lei determina ser obrigatória a presença nos hospitais brasileiros de uma COMISSÃO DE CONTROLE DE INFECÇÃO HOSPITALAR, e também a existência de um PROGRAMA DE CONTROLE DE INFECÇÕES HOSPITALARES (PCIH). Este Programa de Controle das Infecções Hospitalares se constituindo, cabe frisar, no “conjunto de ações desenvolvidas deliberada e sistematicamente, tendo como objetivo a redução possível da incidência e gravidade das infecções nosocomiais”, portanto, se caracterizando como um processo dinâmico no ambiente hospitalar. Estabelecendo sanções, ao descumprimento destas regras, vamos encontrar a Lei nº6.437 (“LEI SANITÁRIA”), de 20 de agosto de 1977, que “Configura infrações sanitárias à legislação sanitária federal, estabelece as sanções respectivas, e dá outras providências”. A Lei nº9.431, é complementada, na normatização do controle de infecções hospitalares, também pela Portaria do Ministério da Saúde nº2.616, de 12 de maio de 1998, a qual foi antecedida, já que tinham o mesmo objetivo desta, pelas Portarias do Ministério da Saúde de nº196, de 1983 e de nº930, de 1992. Cujo conteúdo histórico nos é bem transmitido no Parecer CRM-MS (Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso do Sul) de nº17/2004, referente ao Processo Consulta CRM-MS nº06/2004. Tem este parecer como “Assunto: Infecção hospitalar, CCIH”, sendo da lavra da Parecerista Maria Denise Berri de Oliveira: “Historicamente, no Brasil, o Controle de Infecções Hospitalares, teve seu maior referencial com a Portaria MS no. 196, de 24 de junho de 1993, que instituiu a implantação das Comissões de Controle de Infecções Hospitalares em todos os hospitais do país independente de sua natureza jurídica, física, de direito público ou privado. Na ocasião o Ministério da Saúde optou por treinar os profissionais de saúde credenciando Centros de Treinamento (CTs), para ministrar cursos de Introdução ao Controle de Infecção Hospitalar.

Em 12 de maio de 1998, através da Portaria 2616/MS/GM, ficam estabelecidas as diretrizes gerais do Programa de Controle de Infecções Hospitalares, delineados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e novo impulso foi dado no sentido de enfrentar a problemática das infecções relacionadas à assistência”. Mas, as instituições hospitalares antes destas portarias ministeriais já se preocupavam com o tema, tanto que a primeira Comissão de Controle de Infecção Hospitalar no Brasil, como nos relata Maria Aparecida Martins, foi criada em 1963, no Hospital Ernesto Dornelles, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (Aspectos Históricos Gerais. In: Maria Aparecida Martins (Coordenador), MANUAL DE INFECÇÃO HOSPITALAR – Epidemiologia, Prevenção e Controle. 2.ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 2001, p.6). A mesma Maria Aparecida Martins nos comunica, em termos de direito comparado, o início das condenações em juízo: “Nos EUA (1965), o problema das infecções hospitalares estendeu-se além da área hospitalar com a demanda judiciária do caso Darling versus Charleston Memorial Hospital, e pela primeira vez um hospital foi obrigado a pagar indenização a um cliente pelos danos sofridos em conseqüência de uma infecção hospitalar” (op. cit., p.4).

A Portaria nº 2.616, do Ministério da Saúde, entre outras disposições, determina o conteúdo do Programa de Controle de Infecções Hospitalares, como explicita o seu Artigo 2º: “As ações mínimas necessárias, a serem desenvolvidas, deliberada e sistematicamente, com vista à redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções dos hospitais, compõem o Programa de Controle de Infecções Hospitalares”. Bem como prevê a aplicação da Lei nº6.437 (“Lei Sanitária”), nos casos de seu não cumprimento, como se lê em seu artigo 5º, verbis: “A inobservância ou o descumprimento das normas aprovadas por esta Portaria sujeitará o infrator ao processo e às penalidades previstas na Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, ou outra que a substitua, com encaminhamento dos casos ou ocorrências ao Ministério Público e órgãos de defesa do consumidor para aplicação da legislação pertinente (Lei nº8.078/90 ou outra que a substitua)”.

Nesta mesma Portaria nº2.616, em seu ANEXO I, que tem por título: ORGANIZAÇÃO, no seu item 2, é especificada a natureza da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar: “Para a adequada execução do PCIH, os hospitais deverão constituir Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), órgão de assessoria à autoridade máxima da instituição e de execução das ações de controle de infecção hospitalar”. Assim, pois, tem a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, de cada empresa prestadora de serviços em saúde, função de consultoria e de execução, sendo que a referida portaria prevê inclusive a sua constituição, com membros consultores e executores, como se lê em seu ANEXO I, itens 2.1, 2.2 e 2.3, verbis: “2.1 – A CCIH deverá ser composta por profissionais da área de saúde, de nível superior, formalmente designados.

2.2 – Os membros da CCIH serão de dois tipos: consultores e executores.

2.2.1 – O presidente ou coordenador da CCIH será qualquer um dos membros da mesma, indicado pela direção do hospital.

2.3 Os membros consultores serão representantes, dos seguintes serviços:

2.3.1 – serviço médico;

2.3.2 – serviço de enfermagem;

2.3.3 – serviço de farmácia;

2.3. .- laboratório de microbiologia;

2.3.5 – administração.

2.4 – Os hospitais com número de leitos igual ou inferior a 70 (setenta) atendem os números 2.3.1 e 2.3.2”. Fica, também, nesta Portaria nº2.616, bem definido, caracterizando a obrigatoriedade legal da sua existência na estrutura hospitalar, o SERVIÇO DE CONTROLE DE INFECÇÃO HOSPITALAR – SCIH, como se depreende da leitura do item 2.5: “2.5 – Os membros executores da CCIH representam o Serviço de Controle de Infecção Hospitalar e, portanto, são encarregados da execução das ações programadas de controle de infecção hospitalar.

2.5.1 – Os membros executores serão, no mínimo, 2 (dois) técnicos de nível superior da área de saúde para cada 200 (duzentos) leitos ou fração deste número com carga horária diária, mínima, de 6 (seis) horas para o enfermeiro e 4 (quatro) horas para os demais profissionais.

2.5.1.1 – Um dos membros executores deve ser, preferencialmente, um enfermeiro”.

Mas, não basta, em termos legais, a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) estar regularmente constituída, ela tem, além disso, que estar exercendo integralmente, a contento, as suas funções descritas, na mesma portaria, ainda no ANEXO I, em seu item 3 : “3 – A CCIH do hospital deverá:

3.1 – elaborar, implementar, manter e avaliar programa de controle de infecção hospitalar, adequado às características e necessidades da instituição, contemplando, no mínimo, ações relativas a:

3.1.1 – implantação de um Sistema de Vigilância Epidemiológica das Infecções Hospitalares, de acordo com o Anexo III;

3.1.2 – adequação, implementação e supervisão das normas e rotinas técnico-operacionais, visando à prevenção de controle das infecções hospitalares;

3.1.3 – capacitação do quadro de funcionários e profissionais da instituição, no que diz respeito à prevenção e controle das infecções hospitalares;

3.1.4 – uso racional de antimicrobianos, germicidas e materiais médico-hospitalares;

3.2 – avaliar periódica e sistematicamente, as informações providas pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica das Infecções Hospitalares e aprovar as medidas de controle propostas pelos membros executores da CCIH;

3.3 – realizar investigação epidemiológica de casos e surtos, sempre que indicado, e implantar medidas imediatas de controle;

3.4 – elaborar e divulgar, regularmente, relatórios e comunicar, periodicamente, à autoridade máxima de instituição e às chefias de todos os setores do hospital, a situação do controle das infecções hospitalares, promovendo seu amplo debate na comunidade hospitalar;

3.5 – elaborar, implementar e supervisionar a aplicação de normas e rotinas técnico-operacionais, visando limitar a disseminação de agentes presentes nas infecções em curso no hospital, por meio de medidas de precaução e de isolamento;

3.6 – adequar, implementar e supervisionar a aplicação de normas e rotinas técnico-operacionais, visando à prevenção e ao tratamento das infecções hospitalares;

3.7 – definir, em cooperação com a Comissão de Farmácia e Terapêutica, política de utilização de antimicrobianos, germicidas e materiais médico-hospitalares para a instituição;

3.8 – cooperar com o setor de treinamento ou responsabilizar-se pelo treinamento, com vistas a obter capacitação adequada do quadro de funcionários e profissionais, no que diz respeito ao controle das infecções hospitalares;

3.9 – elaborar regimento interno para a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar;

3.10 – cooperar com a ação do órgão de gestão do SUS, bem como fornecer, prontamente, as informações epidemiológicas solicitadas pelas autoridades competentes;

3.11 – notificar, na ausência de um núcleo de epidemiologia, ao organismo de gestão do SUS, os casos diagnosticados ou suspeitos de outras doenças sob vigilância epidemiológica (notificação compulsória), atendidos em qualquer dos serviços ou unidades do hospital, e atuar cooperativamente com os serviços de saúde coletiva; 3.12 – notificar ao Serviço de Vigilância Epidemiológica e Sanitária do organismo de gestão do SUS, os casos e surtos diagnosticados ou suspeitos de infecções associadas à utilização de insumos e/ou produtos industrializados”.

No ANEXO II, da Portaria nº2.616, que tem por título: CONCEITOS E CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DAS INFECÇÕES HOSPITALARES, encontramos, em seus itens 1 e 2, conceitos básicos em que, entre outros, merecem transcrição: “1 — Conceitos básicos

1.1 – Infecção comunitária (IC):

1.1.1 – é aquela constatada ou em incubação no ato de admissão do paciente, desde que não relacionada com internação anterior no mesmo hospital.

1.1.2 – São também comunitárias:

1.1.2.1 – infecção que está associada com complicação ou extensão da infecção já presente na admissão, a menos que haja troca de microrganismos com sinais ou sintomas fortemente sugestivos da aquisição de nova infecção;

1.1.2.2 – a infecção em recém-nascido, cuja aquisição por via transplacentária é conhecida ou foi comprovada e que tornou-se evidente logo após o nascimento (exemplo: herpes simples, toxoplasmose, rubéola, citomegalovirose, sífilis e AIDS);

1.1.2.3 – as infecções de recém-nascidos associadas com bolsa rota superior a 24 (vinte e quatro) horas.

1.2 – Infecção Hospitalar (IH):

1.2.1 – é aquela adquirida após a admissão do paciente e que se manifeste durante a internação ou após a alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares.

2 – Critérios para diagnóstico de infecção hospitalar, previamente estabelecidos e descritos. 2.1 – Princípios: 2.1.1 – o diagnóstico das infecções hospitalares deverá valorizar informações oriundas de:

2.1.1.1 – evidência clínica, derivada da observação direta do paciente ou da análise de seu prontuário;

2.1.1.2 – resultados de exames de laboratório, ressaltando-se os exames microbiológicos, a pesquisa de antígenos, anticorpos e métodos de visualização realizados.

2.1.1.3 – evidências de estudos com métodos de imagem;

2.1.1.4 – endoscopia;

2.1.1.5 – biópsia e outros.

2.2 – Critérios gerais:

2.2.1 – quando, na mesma topografia em que foi diagnosticada infecção comunitária, for isolado um germe diferente, seguido do agravamento das condições clínicas do paciente, o caso deverá ser considerado como infecção hospitalar;

2.2.2 – quando se desconhecer o período de incubação do microrganismo e não houver evidência clínica e/ou dado laboratorial de infecção no momento da internação, convenciona-se infecção hospitalar toda manifestação clínica de infecção que se apresentar a partir de 72 (setenta e duas) horas após a admissão;

2.2.3 – são também convencionadas infecções hospitalares aquelas manifestadas antes de 72 (setenta e duas) horas de internação, quando associadas a procedimentos diagnósticos e/ou terapêuticos, realizados durante este período;

2.2.4 – as infecções no recém-nascido são hospitalares, com exceção das transmitidas de forma transplacentária e aquelas associadas a bolsa rota superior a 24 (vinte e quatro) horas;

2.2.5 – os pacientes provenientes de outro hospital que se internam com infecção, são considerados portadores de infecção hospitalar do hospital de origem. Nestes casos, a Coordenação Estadual/Distrital/Municipal e/ou o hospital de origem deverão ser informados para computar o episódio como infecção hospitalar naquele hospital”.

Para reflexão merece transcrição o que, em parecer, Eurípedes Sebastião Mendonça de Souza, primeiramente onde aborda o “MÉRITO DOS FATOS”, sob o título “DA ANÁLISE DO CASO”, com sub-título “QUANTO A QUESTÃO DA ORIGEM DA INFECÇÃO: HOSPITALAR OU COMUNITÁRIA?”, nos diz: “Porém alguns especialistas por nós verbalmente consultados, alguns professores da Universidade Federal da Paraíba, nos esclareceram que o conceito temporal de infecção hospitalar é polêmico e que não dá para generalizar, ou seja existem casos de infecções hospitalares com tempo de evolução até menor de que seis horas”, e após sob o título “PARECER” conclui dizendo: “Que o conceito temporal de infecção hospitalar previsto em Lei não é consenso entre os especialistas da área” (PROCESSO CONSULTA Nº 02/2000, protocolado em 21/2/2000 – Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba – CRM – PB).

Para corretamente se desincumbir de suas atribuições a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar deve divulgar os resultados de suas atividades na comunidade hospitalar, bem como comunicá-los aos órgãos públicos competentes, tarefas estas determinadas pela Portaria nº2.616, em seu ANEXO II, que tem por título: VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA E INDICADORES EPIDEMIOLÓGICOS DAS INFECÇÕES HOSPITALARES, em seu item 6, verbis: “6 – Relatórios e Notificações

6.1 – A CCIH deverá elaborar periodicamente um relatório com os indicadores epidemiológicos interpretados e analisados. Esse relatório deverá ser divulgado a todos os serviços e à direção, promovendo-se seu debate na comunidade hospitalar.

6.2 – O relatório deverá conter informações sobre o nível endêmico das infecções hospitalares sob vigilância e as alterações de comportamento epidemiológico detectadas, bem como as medidas de controle adotadas e os resultados obtidos.

6.3 – É desejável que cada cirurgião receba, anualmente, relatório com as taxas de infecção em cirurgias limpas referentes às suas atividades, e a taxa média de infecção de cirurgias limpas entre pacientes de outros cirurgiões de mesma especialidade ou equivalente.

6.4 – O relatório da vigilância epidemiológica e os relatórios de investigações epidemiológicas deverão ser enviados às Coordenações Estaduais/Distrital/Municipais e à Coordenação de Controle de Infecção Hospitalar do Ministério da Saúde, conforme as normas específicas das referidas Coordenações”. Só assim, cumprindo estas determinações, entre outras, é que a Comissão de Controle de Infecção Hospitalares estará agindo no sentido de poder ter a possibilidade de ser considerada a instituição hospitalar, quando sob análise judicial, como adimplente nas suas obrigações na prevenção de infecções hospitalares.

Ajuda no entendimento das atribuições da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar a definição desta referida comissão, bem como a definição de Controle de Infecção Hospitalar, ambos elaborados pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), na RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) nº48, de 2 junho de 2000, onde, no Anexo: ROTEIRO DE INSPEÇÃO DO PROGRAMA DE CONTROLE DE INFECÇÃO HOSPITALAR, diz: “DEFINIÇÕES: Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: Comissão de Controle de Infecção Hospitalar CCIH: grupo de profissionais da área de saúde, de nível superior, formalmente designado para planejar, elaborar, implementar, manter e avaliar o Programa de Controle de Infecção Hospitalar, adequado às características e necessidades da Unidade Hospitalar, constituída de membros consultores e executores. Controle de Infecção Hospitalar CIH: ações desenvolvidas visando a prevenção e a redução da incidência de infecções hospitalares”.

Assim, pois, na exegese da legislação específica apresentada há possibilidade, também, caracterizada a infração sanitária, de se considerar a possibilidade de ser responsabilizada civilmente a pessoa jurídica da entidade hospitalar por dano ao paciente em decorrência de infecção contraída em hospital, face à aplicação dos preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor. Poderá ser o hospital, pessoa jurídica, civilmente responsável pela reparação por danos materiais e morais sofridos por pacientes que, por infecção hospitalar, tenham lesão à sua saúde, e mesmo será possível ter que indenizar, por estes mesmos danos materiais e morais, os familiares de pessoa que, por infecção hospitalar contraída durante internação, vier a falecer. Um hospital não presta apenas serviços de hotelaria, mas é fornecedor do equipamento e instrumental cirúrgico, empregador do corpo de funcionários, mesmo graduados, além de credenciador do corpo médico, sendo, conseqüentemente, responsável por tudo o que ocorrer no período em que o paciente estiver internado, inclusive, e especialmente, no campo da responsabilidade por dano que decorre à saúde ou vida do paciente. A responsabilidade do ente hospitalar só é afastada se o dano decorrer do imponderável, do caso fortuito ou da força maior, causas externas e excludentes de responsabilidade. Ademais, por serem entidades prestadoras de serviços, em saúde, os hospitais estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990) inclusive no que diz respeito à inversão do ônus da prova e ao princípio da responsabilidade objetiva.

O médico tem sua responsabilidade civil em caso de lesão à saúde do paciente, ou mesmo morte, por infecção hospitalar regulada pela responsabilidade contratual, e se compromete nesta relação contratual com o paciente através de uma obrigação de meios. Somente na cirurgia plástica a jurisprudência pátria, majoritariamente, ainda considera que a obrigação do cirurgião plástico, ou seja, do médico, é de resultado. Na relação de consumo o médico só responde quando incorrer em culpa (responsabilidade subjetiva – teoria da culpa), como prevê o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990), no artigo 14, em seu parágrafo 4º, verbis: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”). Portanto, se o médico for o causador da infecção hospitalar tem-se que primeiro provar a sua culpa (imperícia, imprudência ou negligência) para depois se responsabilizar, objetivamente o hospital pelo dano causado ao paciente. Sempre haverá culpa, quando o médico der causa ao resultado lesivo por imprudência, negligência ou imperícia. Como, no que tange à imperícia, já nos ensinava o jurista romano Ulpiano (Domitius Ulpianus – viveu até 228 d.C.), tendo ficado registrado no ano de 530 d.C. no DIGESTO DE JUSTINIANO – Digesta Iustiniani (D.1.18.6.7), o que Hélcio Maciel França Madeira nos transmite em obra sua: “Sicuti medico imputari eventus mortalitatis non debet, ita quod per imperitiam comisit, imputari ei debet: praetextu humanae fragilitatis delictum decipientis homines innoxium esse non debet”, onde também nos dá Hélcio Madeira a tradução: “Assim como o evento da mortalidade não deve ser imputado ao médico, assim o que ele cometeu por imperícia a ele deve ser imputado: a pretexto da fragilidade humana o delito daquele que engana os homens não deve ser descriminado” (DIGESTO DE JUSTINIANO. Livro 1. Edição bilingüe: Latim-Português. 2.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; Osasco – SP: Centro Universitário FIEO – UNIFIEO, 2000, p.134). Daí, do agir com culpa o médico, advindo o dever de reparar o dano, como estatuem os artigos 186 (“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”) e 951 (“O disposto nos arts. 948, 949 e 950, aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício da atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”), do Código Civil pátrio. O resultado – dano – resultante do agir culposo deve ser previsível – pode ocorrer. A previsibilidade é o substrato da responsabilidade subjetiva (teoria da culpa). Não tendo o médico agido com qualquer das modalidades de culpa, tendo instituído o tratamento adequado, havendo executado cirurgias corretamente diagnosticadas, dentro da técnica recomendada cientificamente, a responsabilidade por qualquer infecção hospitalar, que porventura advenha, não lhe pode ser imputada. Não se verifica se há culpa na atuação do médico por ilações, deduções ou presunções. A culpa do médico, com uma infecção hospitalar decorrendo de sua conduta terapêutica inadequada, deve ficar provada.

Se o responsável pelo dano ao paciente for o hospital através de um dos seus serviços hospitalares, a responsabilidade do nosocômio é objetiva, que dela só se exime caso prove a culpa exclusiva do paciente, o caso fortuito (casus) ou a força maior (vis major). É ainda controvertida a adoção da teoria do risco (responsabilidade objetiva) na responsabilidade civil decorrente de infecção hospitalar. Pode-se dizer que há uma certa relatividade em sua aplicação, em nosso ordenamento jurídico, no que tange aos casos de infecção hospitalar. No mesmo sentido vai Hildegard Taggesell Giostri quando diz “Nessa direção corre a visão atual sobre a responsabilidade hospitalar e que cada vez mais se distancia de uma responsabilidade objetiva irrestrita” (A Responsabilidade Médico – Hospitalar e o Código do Consumidor. In: REPENSANDO O DIREITO DO CONSUMIDOR – 15 anos do CDC (1990-2005) – Coleção Comissões – Comissão de Direito do Consumidor, Volume I. Aldaci do Carmo Capaverde; Marcelo Conrado (organizadores), Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, 2005, p.150). O que não impede que se cite, em termos de direito comparado, até mesmo num enfoque de lege ferenda, o que ocorre atualmente na França como nos descreve Alain Garay: “La victime qui remplis les conditions sera indemnisée par l’Office national d’indemnisation des accidents médicaux, des affections iatrogènes et des infections nosocomiales (ci-après Office national d’indemnisation)” (Le Nouveau Mecanisme de Conciliation et d’Indemnisation des Accidents Médicaux en France: de la Loi du 4 Mars 2002 a la Pratique [em tradução livre do autor: O Novo Mecanismo de Conciliação e de Indenização dos Acidentes Médicos na França: da Lei de 4 de Março de 2002 à Prática]. REVISTA DE DIREITO MÉDICO E DA SAÚDE, Recife: APEDIMES – Associação Pernambucana de Direito Médico e da Saúde; Editora Livro Rápido, Volume 4, nº4, outubro de 2005, p.80), o que em tradução livre do autor é transmitido como: “A vítima que preencher as condições será indenizada pela Instituto Nacional de Indenizações de Acidentes Médicos, de Doenças Iatrogênicas e de Infecções Hospitalares (daqui em diante chamado Instituto Nacional de Indenizações)”.

O hospital, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, responde civilmente, pelos danos, entre eles os provocados pelas infecções hospitalares, causados por serviços próprios do hospital, bem como pelos prejuízos ao paciente ocasionados por atos dos médicos, integrantes do seu corpo clínico, e de seu pessoal auxiliar, agindo sob orientação daqueles, prepostos, no sentido amplo da palavra, seus, que todos são, como estatui o artigo 932, de nosso Código Civil, em seu inciso III: “São também responsáveis pela reparação civil: (…)

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele”. No mesmo sentido, é contundente o enunciado da Súmula nº341, do STF – Supremo Tribunal Federal, verbis: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”. Acentue-se, pois, que o descumprimento de deveres inerentes à internação hospitalar pode ser causa de responsabilização civil do hospital, pelos tribunais, se causar dano ao paciente. Nesta situação se situa a infecção hospitalar, contraída por um paciente, que não a portava antes da baixa, isto representa a quebra do compromisso básico assumido com o paciente de não causar-lhe dano em decorrência da própria internação. É o dever de incolumidade que o ente hospitalar tem para com o paciente na relação de consumo que se estabelece entre ambos, pois o hospital é o prestador de um serviço de saúde. Portanto, o hospital é responsável pelos danos causados a um consumidor, sendo, assim, pode vir a ser responsabilizado pela indenização dos prejuízos decorrentes de infecção contraída por paciente baixado nas suas dependências. O hospital aparece como autêntico prestador de serviços como se depreende da exegese do Código de Defesa do Consumidor – CDC ( Lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990), em seus artigos 2º (“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço com destinatário final”), e 3º, caput (“Fornecedor é toda pessoa jurídica pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de (…) prestação de serviços”), bem como seu parágrafo 2º (“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, (…) salvo as decorrentes de natureza trabalhista). Entendimento este muito bem complementado pelo que nos diz Luiz Alberto Calil Antonio: “Não nos recordamos de situação de maior vulnerabilidade para o consumidor, senão aquela em que necessite de serviços de saúde. É nesta ocasião, dentro da nossa realidade de saúde, em que o consumidor está mais vulnerável, sendo obrigado a acreditar em um serviço e se entregar a um profissional, muitas vezes desconhecido, acreditar nele, na sua formação e no seu bom senso. E é neste momento que tem de ser respeitado” (Aspectos Legais no Controle de Infecção Hospitalar. In: Antonio Tadeu Fernandes; Maria Olívia Vaz Fernandes; Nelson Ribeiro Filho (organizadores), INFECÇÃO HOSPITALAR E SUAS INTERFACES NA ÁREA DA SAÚDE. Volume 2, São Paulo: Editora Atheneu, 2000, p.1639). Responde, assim, o hospital, objetivamente, pelos danos que vier a sofrer um paciente em decorrência da assistência em saúde que neste venha a receber. Caracteriza-se, pois, como típica relação de consumo a que existe entre o hospital e o seu paciente. O paciente, em termos de infecção hospitalar, é do hospital, sendo irrelevante fazer a distinção de quem causou a infecção contraída em ambiente hospitalar. A infecção hospitalar, como fato, se liga à atividade hospitalar, justificando-se de sobejo o integral emprego de atos preventivos, como os que são recomendados pelas determinações dos órgãos públicos. O não emprego integral destas medidas preventivas pode implicar na responsabilização do serviço de saúde por eventual infecção hospitalar que acometa um paciente. Como nos ensina José Carlos Maldonado de Carvalho: “Nas ações civis que envolvem a reparação civil decorrente de infecção hospitalar, é comum – na fase instrutória – trazer à discussão o grau de eficiência da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar – CCIH como parâmetro indicativo na fixação da responsabilidade civil dos hospitais e casas de saúde” (IATROGENIA E ERRO MÉDICO – sob o enfoque da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p.140). Cabe ao hospital demonstrar que utiliza as corretas condutas no que tange ao controle da infecção hospitalar em suas dependências, caracterizando a inversão do ônus de provar. Em casos de infecção endógena (micróbio do próprio paciente), por exemplo, compete ao hospital provar que esta foi a causa da infecção hospitalar, já que isto pode ocorrer como nos transmite Diego Mariante Cardoso: “Ora, frente à prevalência, no Hospital, de doentes infectados, há de se admitir grande quantidade de germes dispersos no ambiente; porém, os pacientes hospitalizados, principalmente em uso de antibióticos, apresentam modificações profundas em suas floras de superfície interna e externa, que passam a ser constituídas, em grande parte, por germes pouco suscetíveis a antimicrobianos, pelo que a presença de germes altamente resistentes pode, muitas vezes significar auto-infecção. E essa não é infecção pela qual deva responder o Hospital, judicialmente, devendo-se investigá-la, na prova judiciária, via de perícia, acoplando-se literatura científica” (Infecção Hospitalar. SIMERS EM REVISTA – Revista do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul, ano 1, nº8, junho de 2002, p.57). Mas do que não se pode prescindir é da necessidade de haver nexo causal entre um ato médico ou serviço próprio hospitalar e o dano – infecção – causado ao paciente. Nem se pode eximir o consumidor da necessidade de fazer prova da existência de dano (prejuízo – lesão – experimentado pelo paciente) e, repita-se, do nexo causal entre o dano e o serviço prestado. A falta do nexo causal, gize-se, afasta o dever de indenizar. Mesmo um diagnóstico tardio de infecção hospitalar, que prejudique a sua evolução clínica, pode ser considerado um ato lesante, apresentando nexo causal (relação de causa e efeito) evidente com os prejuízos daí advindos ao paciente. O dever jurídico de cuidado pronto e eficiente é descumprido. Ou seja, há inadimplência da obrigação, característica da assistência hospitalar, de ofertar ao paciente um ambiente saudável e efetuar o controle da infecção em caráter permanente. O dever de manter a incolumidade do paciente não foi obedecido. Manter a desinfecção das suas dependências, bem como a esterilização correta dos equipamentos, instrumentos, materiais e substâncias que isso exijam, é um dos compromissos que o hospital assume na prestação dos serviços de saúde. Entre os deveres do hospital, pois, também está o de não piorar o estado do paciente, com cuidados e assepsia insuficientes das instalações e equipamentos da sua área física. Não existe na literatura médica hospital com “zero” de infecção, ou seja, sem infecção hospitalar. Como bem nos ensina Irany Novah Moraes: “As taxas de infecção hospitalar apresentadas na literatura variam de 1,8 a 43,1% em hospitais americanos e canadenses. Uma das maiores estatísticas sobre o assunto foi apresentada por Altemeier, estudando a ferida operatória em 1.118 hospitais, ou seja, um quarto de todos os hospitais americanos na ocasião, e registrou 7,4%, em média. Entre nós, no Rio de Janeiro, os valores estão entre 1,4 e 10,3, com média de 9,9%” (ERRO MÉDICO E A JUSTIÇA, 5.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.322).

É viável reduzir a incidência da infecção hospitalar no ambiente hospitalar através de medidas adequadas, como as determinadas pelas autoridades públicas e pela literatura científica sobre o assunto. Em caso da ocorrência de uma infecção hospitalar que cause dano a um paciente poderá contribuir para o hospital conseguir eximir-se de ser responsabilizado, em juízo, este comprovar o funcionamento a contento da sua Comissão de Controle de Infecção Hospitalar – CCIH e do seu Serviço de Controle de Infecção Hospitalar – SCIH.

* É advogado e médico.

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