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Escrito por Wanir José Barroso*

Navios de passageiros são embarcações de grande porte, aparentemente silenciosos e majestosos quando vistos à distância na linha do horizonte. Todos têm características de mini-cidade em que se misturam shoppings, restaurantes, clubes, hotéis, cassinos, teatros, cinemas, academias de ginástica e hospital. Têm também espaços dos mais aconchegantes como também espaços dos mais assustadores e insalubres como as casas de máquinas e seus porões. Para que tudo isso funcione têm que ser mobilizados uma gigantesca infra-estrutura tanto em terra como a bordo.

Infra-estrutura essa mobilizada para confinar pessoas, algumas em busca do lazer incontido e outras obrigatoriamente confinadas para manter em funcionamento toda a infra-estrutura que garanta o bom desempenho de todos os equipamentos que mantém a sobrevivência de passageiros e tripulantes a bordo. Em apenas 85 navios de passageiros chegaram 156 mil pessoas ao Rio de Janeiro em 2006, vindas de várias partes do planeta. Alguns milhares apresentaram intercorrências clínicas ou adoeceram a bordo principalmente em razão do que a vida em confinamento produz. Essa movimentação de pessoas e embarcações de país a país traz sempre a possibilidade de junto movimentar e difundir as principais endemias e epidemias em curso no planeta para regiões onde ainda elas não existam ou onde estão sob vigilância e controle permanentes, assim como movimentar insetos transmissores de doenças.

Esses navios que abrigam e confinam milhares de pessoas a cada cruzeiro marítimo estabelecem muitas regras tanto para passageiros como para tripulantes para garantir a boa convivência de todos a bordo. Algumas regras adoecem pessoas e outras escondem ou mascaram a realidade sanitária da embarcação. Esses navios também têm que dispor de eficientes sistemas de condicionamento de ar em todos seus milhares de compartimentos. Nem todos os tripulantes têm acesso às áreas ensolaradas do navio e ficam sujeitos e dependentes de condicionamento de ar. Estes ficam submetidos em seus locais de trabalho, à baixas ou altas temperaturas além de ruídos e umidades excessivas e quando adoecem são sumariamente desembarcados e substituídos. Microepidemias de gripe, de gastrenterite e uma prevalência significativa de adoecimentos por várias causas estão sempre presentes entre tripulantes e passageiros em proporções diversas em cada embarcação.

Entre as ocorrências clínicas a bordo, um surto ou epidemia de gastrenterite por mau acondionamento ou manipulação de alimentos a bordo pode acabar com todo o glamour e lazer de uma viagem marítima e até deixar à deriva embarcações de alto luxo, independente da classe social do viajante, do custo da passagem ou do nome da embarcação. Não são raros surtos ou epidemias com essas características em navios de cruzeiro. Entre as infecções respiratórias estas acometem mais tripulantes que passageiros em razão do confinamento excessivo e seus fatores de riscos associados e as infecções gastro-intestinais acometem mais passageiros em razão de uma excessiva oferta e consumo de bebidas e alimentos mal acondicionados e/ou mal manipulados. Nenhum desses navios possui salas com característica de isolamento respiratório ou sala biossegura que impeça a propagação de vírus ou bactérias patogênicas através do ar condicionado, quando expelidas por doentes internados ou não no hospital de bordo. Infecções cutâneas, odontológicas, oculares, do aparelho auditivo e geniturinário acometem ambos os grupos com uma prevalência maior entre tripulantes. Acidentes com perfuro cortantes e pequenas queimaduras acometem mais os tripulantes.

Problemas musculares e ortopédicos provocados por quedas acometem ambos os grupos em proporções diversas. O glamour do que acontece nos andares superiores, atapetados finamente decorados e ensolarados representa confinamento, sofrimento, dor e doença, às vezes mentais, nos andares inferiores que estão abaixo do tapete. Entretanto, num navio de passageiros as doenças migram democraticamente pela água, ar condicionado, alimentos e insetos. Todos os embarcados, independente de classe social, profissão, cor da pele, sexo ou idade estão expostos epidemiologicamente a esse “glamour”.

* É sanitarista da Agência Nacional de Vigiância Sanitária (Anvisa) e especialista em epidemiologia e controle de endemias pela Fiocruz.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

 * Os textos para esta seção devem ser enviados para o e-mail imprensa@portalmedico.org.br, acompanhados de uma foto em pose formal, breve currículo do autor com seus dados de contato. Os artigos devem conter de 3000 a 5000 caracteres com espaço e título com, no máximo, 60.

 

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