Escrito por José Francisco Comenalli Marques Junior*

 

O garimpo diário na literatura científica por nós, médicos, à procura de informações, dicas e recursos para melhorar nossos resultados clínicos muitas vezes nos surpreende e até nos choca. Foi o que aconteceu comigo recentemente, ao me deparar com trabalhos científicos sendo usados para respaldar procedimentos de transfusão de plasma de jovens a pessoas mais velhas com objetivo de rejuvenescê-los.

Primeiramente, gostaria de refletir sobre a busca de evidências para justificar procedimentos e agregar o necessário valor para sua viabilidade. Seria como tentar provar o provável. No antagonismo dessa tendência, a prova negativa de uma obviedade também deveria ter o mesmo esforço na sua determinação. A negação do obviamente negável, ao que estou podendo observar, muitas vezes tem um grau de dificuldade muito maior do que a compilação de resultados que eficientemente nos alivia ao utilizarmos procedimentos, drogas, orientações, condutas, com justificativa de sua reprodutibilidade nos nossos pacientes. É provar o provável. É demonstrar o demonstrável. É utilizar o utilizável. É ter o argumento suficiente para acreditar que estamos no caminho certo. Um modo científico de pensar. Mas, e negar o inegável? Ou tentar provar, sem resultados anteriores convincentes, que um procedimento não funciona ou não tem um raciocínio lógico teórico para sustentá-lo? É nessa lacuna que os argumentos inespecíficos, ou melhor, que a carência de contraposição ao aparentemente óbvio conquista a força necessária para a implantação de técnicas, ações, atitudes e procedimentos com promessas levianas facilmente convincentes que, com o apelo econômico, se tornam instrumentos de marketing e negócios bem-sucedidos.
Por outro lado, também nos assusta inúmeros exemplos de visionários do passado que foram preteridos na época e que, muitos, longo tempo depois de sua morte, foram reconhecidos por suas iniciativas e geraram inconformismo com os que os retraíram, culpando-os pelo atraso de uma necessidade premente, às vezes até com consequências trágicas para a humanidade.

A lacuna temporal existente entre a contraprova da falta de resultados ou de reações e efeitos adversos, muitas vezes potencialmente graves, sem a contrapartida do benefício prometido, permite tanto o ganho de seguidores inconscientes que se perpetuam na tendência inicial, inerciando a continuidade para os mal informados ou excessivamente influenciáveis, bem como o ganho financeiro nesse período finito, mas eficaz, permitindo o avanço em outra estratégia com o mesmo “modus operandi”, como vertente do trajeto inicial, ou como experiência para um campo distinto, permitindo sequências de investimentos fugazes, porém, perigosamente perpetuáveis.

A transfusão sanguínea é uma prática milenar, antes argumentada por salvar vidas, que se desenvolveu cientificamente tanto nas suas indicações específicas em detrimento do geral (salvar vidas) quanto pelo investimento na sua segurança, com inegável avanço nesse sentido, mas sem atingir seu grau máximo de isenção de riscos.

Não há, no entanto, consenso na sua utilização na prática clínica diária quanto à maioria dos protocolos, da sua real importância em situações intermediárias, e as evidências científicas somente conseguem ser consistentemente baseadas em condições extremas de vida/morte ou prevenção/correção de situações fisiológicas causadas tanto por doenças como pelo seu tratamento cada vez mais agressivo e intenso, cirúrgico ou clínico.

Mas voltando ao apelo econômico e ao mote dessa reflexão, muitas vezes somos impelidos a buscar evidências com ideias já em prática por algum grupo de pessoas, cientistas, médicos, investidores, das quais tomamos conhecimento na mídia leiga. E aí sentimos a necessidade de provar o provável ou negar o negável, ou uma combinação dessas duas dicotomias, nem sempre fácil ou possível.

Fui instigado a pensar nesse assunto baseado em uma recente reportagem feita pela BBC em 12/02/2018, cujo título, “As polêmicas transfusões de sangue para retardar a velhice que são moda entre milionários nos EUA” (https://goo.gl/pgPdQA), remete o conteúdo à pergunta: o sangue dos mais jovens é capaz de rejuvenescer os mais velhos?

Fico pensando em quais repercussões essa ideia poderia causar em pessoas com perfil investidor em busca de inovações e, logicamente, lucro: poderia um jovem congelar seu próprio sangue na juventude e mantê-lo guardado para transfundir em si próprio após décadas, a fim de preservar sua juventude? Seria possível criar empresas do tipo “sorveteria de sangue” que pudessem guardar esses produtos de forma qualificada, com caríssimos sistemas de segurança e de controle de qualidade, que, obviamente, justificariam os altos preços pagos por quem os utilizaria? Seria possível uma rede de empresas nacionais e internacionais que pudessem investir em novas tecnologias para estratificar esses produtos doados por pessoas para ações específicas, ou seja, rejuvenescimento de pele, de coração, de músculos etc.? E como seria a legislação pertinente a isso? Como lidaríamos com a segurança da manutenção e transmissão de doenças infecciosas que retornariam ao indivíduo em um sangue estocado por décadas?

Tenho atualmente muitos questionamentos para refutar esses procedimentos ou tentar ganhar tempo para que um aprofundamento científico com argumentos mais consistentes possa provar sua ineficácia ou ineficiência ou, por que não, até provar que estamos errados e nos culpar por atrasar a evolução, construindo heróis que só serão reconhecidos no futuro.

Outro ponto a questionar seria qual o limite ético de melhorar a normalidade ou algo além da saúde? Prevenção é uma coisa, mas submeter pessoas teoricamente saudáveis a procedimentos de inegável risco para atingir um estado supranormal? A longevidade pode até ser, mas a eternidade, bem como a permanência de habilidades características de organismos jovens em corpos envelhecidos, seria compatível com a evolução da nossa espécie?

Meu pai, como meu primeiro e mais eficiente orientador para a vida, constantemente dizia que o grande problema do nosso corpo é que as diversas peças que o compõem tem diferentes prazos de validade…

A busca por melhorias deve ser contínua e estimulada, mas devem ser contemplados os dois lados, dos ganhadores e dos necessitados. O benefício deve ser de ambos. O tempo dita as normas, e as atitudes pessoais são diferentes quando vêm antes ou depois…

Em respeito à minha ética pessoal e profissional, digo não à transfusão estética rejuvenescedora. Não à exploração dos menos informados. A ciência e a ética devem andar juntas, de mãos dadas, comprometidas com a seriedade que sustenta sua credibilidade através dos tempos.

 

* É médico hematologista e hemoterapeuta, vice-presidente da ABHH – Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia

  

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