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Leonardo Borges de Barros e Silva*

 

“Nesta vida, morrer não é difícil; o difícil é a vida e seu ofício”. Embora esses versos do poeta russo Vladimir Maiakovski sejam dirigidos a um suicida – seu amigo e também poeta Sergei Iessiênin –, eles descrevem com perfeição a situação angustiante dos pacientes à espera de órgãos para transplante. Hoje, no Brasil, mais de 40 mil pessoas estão à espera de um transplante, de acordo com o Ministério da Saúde. Uma das causas desse problema é o fato de que muitas famílias ainda recusam a doação de órgãos de seus parentes com diagnóstico de morte encefálica confirmada. Os motivos variam de crenças religiosas até o desconhecimento do processo de morte, o que faz que muitos tenham a esperança de que o ente querido sobreviva, mesmo depois da confirmação dela. A doação de órgãos e tecidos para transplantes no Brasil é regulamentada pela Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, conhecida como Lei dos Transplantes, que trata das questões relacionadas à remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, estabelece os critérios para o transplante com doador vivo e determina as sanções penais e administrativas pelo não cumprimento dela.

O consentimento informado é a forma oficial de manifestação à doação. Ou seja, a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica dependem da autorização do cônjuge ou parente maior de idade, obedecida a linha sucessória, firmado em documento subscrito por duas testemunhas presentes na verificação da morte.

Evidentemente, a manifestação em vida da pessoa a favor ou contra a doação de seus órgãos e tecidos para transplante pode ou não favorece o consentimento após a morte, mas de acordo com a lei, é a vontade da família que deve prevalecer.
Para a realização de transplantes é imprescindível a confirmação do diagnóstico de morte encefálica (ME) do doador. Conhecida também como morte cerebral, a ME representa a perda irreversível das funções que mantêm a vida, como a consciência e a capacidade de respirar. O coração permanece batendo e, com exceção das córneas, ossos, pele, válvulas do coração e vasos, é somente nessa situação que os órgãos podem ser utilizados para transplante.

O processo de doação e transplante é complexo e se inicia com a identificação e manutenção dos potenciais doadores. Em seguida, os médicos comunicam à família a suspeita da ME, realizam os exames comprobatórios para o diagnóstico e notificam o potencial doador à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO).

Depois, o especialista em doação e transplante realiza a avaliação das condições clínicas do doador em morte encefálica, da viabilidade dos órgãos a serem extraídos e faz a entrevista familiar para possibilitar o consentimento da doação. Nos casos de recusa, o processo é encerrado. Quando a família autoriza a doação, os órgãos e tecidos são distribuídos pela CNCDO conforme critérios estabelecidos.

O Brasil tem o maior sistema público de transplantes do mundo. Em 2015 foram realizados mais de 23 mil transplantes no país. Mas como dissemos, a fila de espera ultrapassa 40 mil pessoas, principalmente em razão da recusa familiar. Mais de 40% das famílias brasileiras rejeitam a doação de órgãos de um parente com diagnóstico de morte encefálica. O problema é mais grave nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país.

Para conscientizar a população da importância da doação de órgãos e ampliar o debate sobre o tema, colocando-o na pauta das discussões familiares, principalmente nas regiões mencionadas, o Ministério da Saúde, em parceria com a Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, realiza o Projeto “Gesto de herói – o poder de doar vida”, exposição itinerante sobre o tema que percorrerá alguns estados brasileiros no decorrer do ano de 2016.

A exposição começou no estado do Acre, no mês de abril, e já passou também pelas capitais do Amazonas, Pará e Piauí. Ao longo dos próximos meses se estenderá também pelos estados de Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Por dez dias, o estande do projeto ficará disponível gratuitamente dentro de shoppings centers localizados nesses locais para esclarecer as principais dúvidas relacionadas à doação e transplante de órgãos.

Comecei este artigo com um verso de Maiakovski e gostaria de terminá-lo com uma frase do sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, que, acredito, expresse a dimensão desta campanha: “o que somos é um presente que a vida nos dá; o que seremos é um presente que daremos à vida”.

 

* Médico coordenador da Organização de Procura de Órgãos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Projeto “Gesto de Herói – o poder de doar vida”.

      

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

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