Hermann von Tiesenhausen*
O acumulado de falhas na gestão federal do Sistema Único de Saúde (SUS) aos poucos começa a ser descortinado pelo presidente Jair Bolsonaro. Antes mesmo de assumir seu posto, no Palácio do Planalto, ele abriu a caixa preta do Programa Mais Médicos (PMM), revelando não apenas a desorganização da proposta implantada pela administração Dilma Rousseff, mas também os verdadeiros interesses embutidos nesse acordo de cooperação mediado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Além dos controversos repasses bilionários à República de Cuba, que desde o ano passado passam por um pente fino na Justiça, a nova administração mostrou ainda que a lógica de distribuição dos participantes do Programa, inclusive dos cooperados, não observa a presença de médicos brasileiros registrados nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs).
Os desmandos permitiram que percentual importante das vagas se concentrassem em es tados e municípios que já contam com uma população médica suficiente para atender suas necessidades. A distorção reforçou a intenção do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que não esconde sua pretensão de revisar esse modelo, para que o País conte, na verdade, com Mais Saúde.
A expectativa da população é grande com relação à lista de tarefas que o novo ministro já anunciou em diferentes oportunidades. Sua simpatia pela criação de uma carreira de estado para os médicos caminha ao lado das críticas explícitas aos chamados planos populares de saúde, defendidos com unhas e dentes por um de seus precursores, o engenheiro Ricardo Barros.
Para as entidades médicas, esses compromissos e muitos outros convergem com as soluções propostas pela categoria ao longo dos anos. Em pouco tempo, no entanto, há muito o que fazer para desarraigar uma histórica desilusão da sociedade brasileira com a saúde pública. Há quase duas décadas, o SUS desponta como calcanhar de Aquiles de todos os governos.
O descontentamento surge novamente em pesquisa divulgada pelo instituto Ideia Big Data, divulgada em janeiro. Segundo levantamento, que ouviu mais de 2,3 mil pessoas, apenas 5% disseram acreditar que o sistema de saúde vai melhorar no primeiro ano do atual governo. Outros 15% acham que será pior e 80% creem que será igual.
As entidades médicas acreditam que mudanças são possíveis. Por isso, têm procurado colaborar com a construção de soluções para alguns problemas crônicos do setor. Entende-se que essa postura colaborativa e participativa não tem ideologia. Pelo contrário, fortalece as instituições e a democracia.
Por isso mesmo, esse envolvimento não impede que os médicos, por meios de seus representantes, continuem atentos e vigilantes para chamar a atenção das autoridades para os contínuos desafios na área da saúde. Ferramentas como a fiscalização e a definição de normas éticas para o exercício da Medicina, como prevê a Lei 3.268/1957, serão usadas não pela simples crítica, mas para propor a mudança positiva, apresentando o diagnóstico de como vai a assistência, indicando os tratamentos possíveis.
A construção efetiva e real do SUS, balizador de todo o sistema e que acaba de completar 30 anos, passa pela transparência e pelo respeito à percepção e às necessidades dos cidadãos, entre eles os médicos. Aliás, são essas constatações, muitas delas reveladas em relatórios e pesquisas conduzidas pelo CFM, que poderão pautar as políticas públicas e as decisões dos gestores nas três esferas.
* É conseheiro federal representante do estado de Minas Gerais e ocupa o cargo de 1º secretário do CFM.
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