Venceslau Antonio Coelho* e Rodrigo Lage Leite**

 

“A paisagem não tem cor, meu prato favorito não tem sabor. Nada importa. Me dá desânimo pensar em enfrentar certas coisas, pois sei que minha energia é pouca. Para que batalhar tanto, se nada tem graça? Às vezes, eu só me obrigo a sair da cama porque tenho que ir trabalhar. Vou porque tenho que ir, porque é um lugar ‘seguro’, que já conheço, mas qualquer ambiente novo incomoda. A minha família não me compreende totalmente, por isso me isolo e sei que sou visto por muitos como preguiçoso, sem força de vontade.”
Esse depoimento é de alguém que tem depressão. Essa pessoa está no mundo corporativo e pode estar bem aí do seu lado, sem parecer que está sofrendo da forma silenciosa que está. Ela pode, inclusive, ser você.
Mas o que é, afinal, esse sentimento que atinge tanta gente, que deixa as pessoas sem sonhos, sem saída? De onde ele vem?
A primeira coisa a que devemos prestar atenção é que a depressão não é apenas uma sensação de tristeza, é um transtorno que atinge o humor, os pensamentos, a saúde e o comportamento de formas diferentes. É uma condição complexa que envolve aspectos biológicos, psicológicos, existenciais e sociais, e que pode ter forte base hereditária, inclusive com alterações neuroquímicas específicas. Doenças clínicas – como o hipotireoidismo, carência de vitamina B12 – também podem levar à depressão. Outros casos são decorrentes de condições psicológicas graves, como lutos complicados ou transtornos de personalidade. Não devemos esquecer ainda a associação da depressão com questões existenciais centrais da vida humana, como tédio, vazio, solidão e desamparo, ou com questões sociais, como vulnerabilidade e abuso.
Ou seja, pode ter diferentes origens e intensidades. O fato é que hoje representa uma das principais causas de sofrimento psíquico e de incapacitação no mundo. Essa afirmação pode ser reforçada por dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em abril. Segundo a OMS, entre 1990 e 2013 o número de pessoas que sofrem de depressão e ansiedade aumentou em quase 50% (de 416 milhões para 615 milhões). Aproximadamente 10% da população mundial é afetada, e os transtornos mentais são responsáveis por 30% da carga global de doenças não fatais. A OMS estima, ainda, que cerca de 1 em cada 5 pessoas sofra com depressão e ansiedade.
Para os médicos, a depressão é caracterizada por sintomas como humor triste, perda de prazer e de interesse na vida, alterações do sono, alterações de apetite e de peso, agitação ou lentidão, culpa e baixa autoestima. Pode ser grave, moderada ou leve. Algumas vezes, quadros depressivos demoram a ser identificados – daí dizer que podem se apresentar de maneira silenciosa.

A depressão já existia na Grécia Antiga

A vida moderna não é nada fácil e acabamos de observar que o número de pessoas com depressão só está aumentando. No entanto, o curioso é que a depressão sempre existiu. Já na Grécia Clássica, Hipócrates (uma das figuras mais importantes da história da medicina) descreveu a melancolia atribuindo a ela um acúmulo de “bílis negra” no organismo. Muito tempo depois, o quadro chamou a atenção de Sigmund Freud, que escreveu um ensaio genial sobre o tema, “Luto e melancolia”, publicado em 1917. Atualmente, a depressão tem ganhado cada vez mais espaço no debate público, trazendo grandes questões sobre vários aspectos: quais seriam os determinantes da depressão? Fatores psicológicos da vida contemporânea estariam favorecendo um “estar no mundo depressivo”? De que maneira aspectos sociais, como a violência e a vulnerabilidade, afetariam essa questão?

Muitas vezes ajudar é não atrapalhar

É difícil fazer com que as pessoas entendam como conviver com amigos e parentes deprimidos. Mesmo com boa intenção, eles sugerem atividades e distrações, achando que tudo pode voltar ao normal de uma hora para outra, e se sentem frustradas quando isso não acontece. A melhor forma de ajudar é apoiando escutando, quando a pessoa quiser ser escutada, e não sendo invasivo. Sugerir um tratamento médico é muito importante, além de oferecer companhia durante o tratamento, se a pessoa desejar. Essas são algumas boas maneiras de ajudar.
O tratamento depende, antes de tudo, de um diagnóstico preciso. Do ponto de vista medicamentoso, as drogas antidepressivas são eficazes e seguras, mas devem ser usadas somente com receita médica. Outra abordagem é a da psicoterapia fundamental, sobretudo nos casos com preponderância de fatores psicológicos. Sabe-se que a combinação de medicamentos e psicoterapia é sempre mais efetiva do que qualquer uma das duas formas isoladamente.

Como os outros vão me olhar?

Já falamos sobre a depressão, suas possíveis causas e sintomas, e vimos que a pessoa que sofre desse transtorno pode se isolar, por falta de interesse, vergonha e outros motivos. A ausência em festas e reuniões de amigos fica cada vez mais frequente, e o medo de contar sobre a difícil fase para as pessoas também. Na cabeça, as dúvidas: “o que pensarão de mim? Ficarão com pena?”.
Essas questões são geradas porque há muita desinformação sobre os quadros depressivos, com preconceitos como o de que “depressão é frescura, preguiça ou sem-vergonhice”. , Interpretação errada – muitos só entendem verdadeiramente o transtorno quando passam por ele ou o vivenciam com algum ente querido próximo.
A depressão afeta as capacidades cognitivas (atenção, raciocínio, memória), a energia, o ânimo e o interesse. Tudo isso aliado a noites mal dormidas e outros sintomas secundários ocasionais, como uso de álcool ou sedativos, em alguns casos. Tudo isso atrapalha a vida cotidiana.

Depressão não é como uma epidemia que pode ser “erradicada”

Estamos falando sobre algo subjetivo. Esqueça a ideia de que a depressão é uma doença pura, como a Aids ou a diabetes. Quando pensamos em solução para esse transtorno, muitos aspectos estão envolvidos – não dá para simplesmente “erradicar essa epidemia”. O que se pode dizer é que hoje, com o desenvolvimento das neurociências e as novas medicações, ganhamos algumas armas nessa batalha para o alívio sintomático.
Nós, organizações, podemos ajudar nesse quadro informando, observando e direcionando nossos colegas para um especialista.
A depressão pode receber ajuda médica, na maioria das vezes, mas ela não é apenas uma condição médica. Diz respeito à vida emocional das pessoas, e por isso merece ser vista e pensada amplamente. Médico, medicamentos, psicoterapia, interesse dos amigos e familiares – tudo isso é um grande ganho. Muitas pessoas venceram essa luta! Agora, voltando ao início dessa reflexão sobre o assunto: se o transtorno é abstrato, como conviver com ele? A pergunta-resposta é: “como conviver com a VIDA, uma vez que ela também é abstrata?”.
Dentro dos nossos olhos existem a luz e a escuridão. O que determina o que vamos enxergar são nossas escolhas. Escolha o brilho da vida…

 

* Venceslau Antonio Coelho é especialista em geriatria e clínica médica, e médico consultor da Willis Towers Watson Brasil.

** Rodrigo Lage Leite é médico psiquiatra pelo Instituto de Psiquiatria da USP e membro filiado ao Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

 
    

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