Escrito por Paulo de Tarso Lyra*

Em poucas situações um ser humano se sente tão frágil quanto nos instantes em que está doente, diante de um profissional da área de Saúde. A relação muitas vezes é impessoal e desigual, com um dos lados detendo o conhecimento formal e o outro, incapaz de rebater os argumentos técnicos apresentados.

Mudar essa realidade é a proposta do projeto de lei que tramita na Comissão de Direitos do Consumidor da Câmara. O que se pretende é que o paciente seja tratado com respeito, pelo nome, seja informado de todos os exames a que será submetido e possa decidir sobre a realização ou não de qualquer procedimento médico.

Nesse contexto, o código permite que o paciente recuse tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida, a chamada ortotanásia. Concede o direito, inclusive, de o paciente optar se deseja ou não morrer em casa, junto aos familiares e amigos. Os casos mais emblemáticos envolveram o ex-governador de São Paulo, Mário Covas e, mais recentemente, o Papa João Paulo II. –

O paciente não pode ser considerado apenas um pedaço de carne, um rim insuficiente, um coração descompassado. Pacientes e familiares têm que ser sujeito no processo de conquista da saúde – resumiu o autor do projeto, deputado Roberto Gouvêa (PT-SP).

O projeto já existe em São Paulo, onde foi sancionado como uma lei estadual – 10.241/99. De acordo com Gouvêa, apesar de ser obrigação do poder público zelar pela saúde, é fundamental o engajamento dos pacientes, parentes, amigos e empresas neste processo. A alienação e a falta de informações nos tratamentos ministrados aos pacientes não ajuda em nada na recuperação dos doentes. –

O projeto equilibra o jogo de informações, o paciente tem o direito de decidir, juntamente com a equipe médica, o que vai acontecer com a sua vida – resumiu o petista.

O projeto foi apresentado na Comissão de Defesa do Consumidor em meados do ano passado. O presidente da Comissão, deputado Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP) já articula com o relator, deputado Paulo Lima (PMDB-SP) e é grande a possibilidade de que o projeto seja apreciado na primeira semana após o feriado de Tiradentes, no dia 21. O regime de urgência permitirá a tramitação simultânea nas três comissões a que está vinculado: Direitos do Consumidor, Seguridade Social e Família, e Constituição e Justiça.

Gouvêa acredita que o paciente bem informado tem mais chances de recuperação e passa por um tratamento menos doloroso. O projeto também garante que o doente tenha acompanhantes nas internações e exames. O mesmo vale para gestantes, no hora do parto.

Apesar de ser uma iniciativa parlamentar, o governo acompanha o projeto. O ministro da Saúde, Humberto Costa, tem conversado com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), buscando caminhos para que este debate evolua. Costa é um dos defensores da ortotanásia, proposta no projeto.

– Acho que as pessoas devem ter direito, não à eutanásia, mas a uma morte natural, sem prolongar desnecessariamente a vida por um meio artificial – defendeu o ministro.

Um dos paradigmas que precisam ser quebrados é a superioridade intelectual que acomete muitos profissionais da área de saúde, diz Gouvêa. Ele lembra que este é um problema cultural, que data da Grécia antiga, quando os médicos eram intermediários de Deus na Terra – como os anjos, donde provém o hábito de se vestir de branco.

Para o presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), José Maria Orlando, a Justiça brasileira também acaba sendo conivente neste processo.

– A Justiça é muito paternalista com os profissionais de saúde e acaba preservando a postura dos médicos no sentido de buscar o benefício do paciente, mesmo em situações extremas – confirmou José Maria.

José Maria considera um avanço a aprovação futura do Código Nacional dos Direitos dos Usuários dos Serviços de Saúde. Lembrou que vários países já possuem uma legislação bastante avançada, valorizando o paciente.

O diretor de saúde pública da Associação Médica Brasileira (AMB), Samir Dahas Bittar, acredita que, mesmo de maneira informal, muitos pontos propostos pelo projeto já vêm sendo aplicados no país. Para ele, as relações médico/paciente já transcorrem num nível ético de parceria. Samir não esvazia, no entanto, a importância da aprovação da lei, mas alerta que um tratamento mais humanitário não oculta a falta de investimentos públicos no setor de saúde.

– O Sistema Único de Saúde não permite a aplicação do Código em sua totalidade – detectou Samir.

Médicos debatem tema

Cerca de 1.500 médicos de diversas áreas reuniram-se na última sexta-feira em Santos para discutir diversos temas, dentre eles, a ortotanásia. O direito do paciente de abrir mão de um tratamento extra, doloroso, para prolongamento da vida, é um dos principais pontos do projeto que tramita na Câmara. Os médicos tomam cuidado para diferenciar a prática do que se chama eutanásia – a prática, sem amparo legal, pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável.

– Assim como somos ajudados a nascer, devemos ser ajudados a morrer de forma natural. A vida humana não é apenas uma questão de sobrevivência física, mas de dignidade, valor ético e qualidade – defende o autor do projeto, Roberto Gouvêa. Para o diretor de saúde pública da Associação Médica Brasileira (AMB), Samir Bittar, é um direito humanitário permitir que o paciente, em fase terminal, decida se deseja morrer em casa, na companhia de seus amigos ou familiares.

– É fundamental, contudo, deixar claro que a motivação dessa ação deve ser o espírito humanitário. Não o desejo de desocupar, pura e simplesmente, leitos de UTIs de hospitais públicos – acrescentou Samir.

O presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), José Maria Orlando, lembra que a aprovação do projeto pode ajudar os médicos brasileiros. Apesar da legislação permitindo a ortotanásia já vigorar em São Paulo, o Código Penal Brasileiro ainda condena esta prática.

– Muitos profissionais de saúde deparam-se com a situação em que a ortotanásia apresenta-se como único caminho e não a fazem, com medo de medidas judiciais posteriores – confirmou José Maria.

A Ortotanásia se aplica nos casos de pacientes que caminham de maneira irremediável e iminente para a morte e os médicos – é obrigatório o diagnóstico de mais de um especialidade – suspendem os suportes vitais, tais como aparelhos de respiração artificial, drogas ministradas para controle de pressão ou batimentos cardíacos.

O mundo deparou-se há duas semanas com um caso clássico e doloroso. Consciente da proximidade da morte, o Papa João Paulo II recusou-se a ser transferido para o Hospital Gemelli, em Roma, e preferiu permanecer em seus aposentos no Vaticano. Vítima de câncer, o ex-governador de São Paulo, Mário Covas, em 2001, agiu da mesma forma. Quando Gouvêa foi procurá-lo, em 1999, para agradecer o apoio à tramitação do projeto, Covas foi claro.

– Não assino esta lei apenas como governador de São Paulo. Assino como governador e paciente – resumiu Mário Covas.

* Publicado no(a): Jornal do Brasil/RJ Em: 18/4/2005.

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