Escrito por Humberto Corrêa*
Um milhão de pessoas se suicidam a cada ano em todo o mundo, o que representa uma morte a cada 1 minuto e 9 segundos. No Brasil, calcula-se que sejam pelo menos 9.000 óbitos por ano, 25 por dia — um número certamente subestimado.
É um assunto proibido. Não temos grande cobertura por parte da mídia, que, na maioria dos casos, acredita, erroneamente, que abordar o assunto incentivaria suicídios.
Não existem campanhas de saúde pública para tratar o tema. Nosso país, ao contrário de outros, ainda não tirou do papel sua estratégia nacional de prevenção ao suicídio.
Quando um assunto é tabu, não o discutimos abertamente, não estudamos, não pesquisamos. Jogamos para debaixo do tapete.
De onde surgiu esse estigma, esse tabu? O suicídio existe desde que existe o ser humano. Temos relatos de suicídios nas mais antigas e variadas culturas. Na nossa cultura, ocidental cristã, o suicídio se transformou pouco a pouco em uma questão problemática.
Santo Agostinho, ao ser nomeado bispo de Hippo, foi confrontado com a igreja donástica, um movimento depois considerado herético que venerava como santas as pessoas que se jogavam de alturas para atingir o céu.
Para enfrentá-los, santo Agostinho, no “Cidade de Deus”, vai dar nova abordagem ao sexto mandamento –“não matarás”– com uma especificação: “Nem a outro nem a si próprio”. Essa visão ganha força, e o suicídio se transforma não apenas em pecado, mas no pior dos pecados, a grande sina.
Por exemplo, o suicida não teria direito às honras fúnebres, não poderia ser enterrado em cemitério cristão. Quem tentasse suicídio seria excomungado. Essa visão impregnou corações e mentes.
Nos vários Estados nacionais que vão surgindo na Europa, os códigos penais previam punição ao suicida –por exemplo, pelo confisco dos bens, ou esquartejando o corpo do suicida. Quem tentasse suicídio poderia ser preso e, paradoxalmente, até condenado à morte.
Hoje, a maioria dos Estados não criminaliza mais o suicídio, embora alguns poucos, infelizmente, ainda o façam.
Sabemos hoje que praticamente 100% dos suicidas têm um transtorno psiquiátrico que muitas vezes não fora, entretanto, diagnosticado ou corretamente tratado. O sofrimento causado pela doença psiquiátrica e outros fatores podem levar a pessoa a pensar em se matar.
Identificar rapidamente pessoas com transtornos psiquiátricos, principalmente depressão, pessoas que falam em se matar, e sugerir a elas um tratamento adequado, o mais rapidamente possível, é algo que todos podemos fazer. Pressionar o poder público para estabelecer campanhas e estratégias de prevenção, com segmento de todas as pessoas que fizerem tentativas graves de suicídio, todos nós devemos fazer. Investir em mais estudos e pesquisas sobre o tema nos permitirá melhor compreendê-lo e prevenir o ato.
Discutir o assunto à luz do dia é nossa obrigação. Lutar contra esse estigma, contra esse tabu, salvará muitas vidas.
Daí a importância de se instituir, a partir deste ano, a data 10 de setembro como dia mundial de prevenção ao suicídio, o que foi feito muito acertadamente pela Associação Internacional de Prevenção ao Suicídio (Iasp) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
* É presidente da Comissão de Estudos e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria e e representante no Brasil da Associação Internacional de Prevenção do Suicídio.
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