Escrito por Solon Casaletti*
 
Quando o “Custe o Que Custar” iniciou suas atividades no Brasil, fiquei muito feliz, pois além de ser um programa de entretenimento e divertidíssimo, ele tocava fundo em várias feridas e mazelas do nosso país. Segunda-feira à noite, era obrigatório (quase religioso) assistir o programa. E foi assim, até aquela fatídica noite da piada do “comeria o bebê”. Piada sem graça, mas simplesmente isso, e nada mais. Houve uma revolta descabida da mãe do rebento, além do pai e seu parceiro de negócios, aquele mesmo que disse que é preciso escolher entre construir um estádio de futebol e um hospital se quiser uma Copa do Mundo e ainda continua sendo idolatrado mundo afora. Mas pensei comigo “imagine, agora sim o CQC vai fazer um debate amplo sobre os limites da liberdade e defender o Rafinha…” Meramente em vão, não fizeram nada, o Rafinha foi demitido por defender sua posição e nunca mais o CQC foi o mesmo. Fiquei decepcionado, passei a assistir esporadicamente, mas aquilo que eu via já não tinha a mesma credibilidade. Como deixar um amigo ser execrado publicamente sabendo que não fez nada de errado e ficar calado?
 
Então chegamos à última segunda-feira. Há algum tempo ficava imaginando se o programa faria alguma reportagem sobre o “Mais Médicos”, e principalmente, como seria. Inocentemente, achava que vocês iriam fundo na questão e escancarariam para valer todos os problemas da saúde do país. Mas fui completamente inocente, esqueci que vocês mudaram, já não eram mais os mesmos, e que de verdade, não poderia esperar nada. Só que houve surpresa sim, para pior. O “Documento da Semana” desta semana quis investigar a vinda dos médicos cubanos. Infelizmente, a matéria parece ter sido feita pelo ministro da saúde Alexandre Padilha, como uma grande propaganda do programa, jogando para baixo do tapete todos os reais problemas que cercam essa discussão.
 
Observamos em todos esses 11 anos de governo, alguns poucos acertos do PT e várias bobagens e desserviços à nação. E quando os erros surgem, e são inumeráveis, a velha tática é usada: eu não sei, eu não vi, eu não sabia, a culpa é do PSDB, do DEM, do FHC, das elites, dos ricos, e assim por diante. Engraçado é que pararam de colocar a culpa no Sarney e no Collor, atualmente, e inacreditavelmente, aliados. Mas a elite da vez é a dos médicos, “aquela classe corporativista de jaleco branco que só se preocupa em manter o SUS uma porcaria para privilegiar os planos de saúde e seus consultórios particulares e deixam os pobrezinhos nos rincões do país morrerem sem atendimento”. Nada melhor do que colocar a culpa nos outros pela sua incompetência. Mas para aqueles, dos quais o CQC parece fazer parte, digo que a realidade é outra, muito distante da fala do governo. Para não ir muito longe, minha aula inaugural da faculdade, em 1999, foi com o Dr. Roberto d’Ávila, que depois (e atualmente) viria a ser o presidente do CFM. Já naqueles tempos ele falava em melhorar o financiamento da saúde pública, melhorar a estrutura de atendimento do SUS, plano de carreira para profissionais da saúde, etc. Ou seja, no mínimo há 14 anos (mas sei que há décadas brigamos por isso), falamos na melhora da saúde pública e agora isso é colocado como se tivéssemos iniciado essa briga ontem por “reserva de mercado”. Tenha paciência…
 
Posso falar tranquilamente sobre o assunto, pois estou atualmente trabalhando no interior como médico urologista (Xanxerê/SC) e que como recém-formado trabalhei numa cidade pobre por 02 anos (Inácio Martins/PR). Nesta, fui embora, ao fim do contrato, brigado com prefeito e secretária de saúde, porque eles não estão preocupados em melhorar a saúde, mas sim em como irão ganhar mais votos na próxima eleição em cima do teu trabalho. E só para confirmar, meu salário era bom, mas como era contratado, não tinha nenhuma garantia, e após 03 meses na cidade, o prefeito me chamou, juntamente com meus três colegas, dizendo que diminuiria meu salário em 20%. Médico tem de ter amor a profissão sim, mas isso também é trabalho, ele tem de sustentar família, quer colégio decente para o filho, quer ter casa própria, etc. É pedir demais? Não, apenas o básico, que nunca foi feito, nem por Sarney, Collor, Itamar, FHC e PT, mesmo pagando 05 de 12 meses em impostos. Hoje não atendo SUS, não porque não queira, simplesmente porque não dá. Tenho dó quando chega um paciente no pronto socorro com um cálculo ureteral impactado, morrendo de dor, mas passar um cateter que vai me pagar R$19,19 (sem os descontos), considerando que o governo não me dá o material endoscópico (só o cistoscópio custa em torno de 15 mil reais) e que depois não poderei fazer uma ureterolitotripsia endoscópica (hoje o bé-a-bá da urologia) simplesmente porque tal procedimento não existe no SUS, isso sim é desumano. E não estou falando de nada complexo, apenas do dia-a-dia. Nesse caso, sou eu o responsável? Que não ganho salário do SUS e sequer recebo sobreaviso hospitalar? Trabalhar de graça?
 
Mas voltando a fatídica matéria, vou pegar alguns pontos para comentar. Não somos contra a vinda de nenhum médico estrangeiro, seja a origem que for, mas assim como somos testados em qualquer país decente quando vamos para fora, também o queremos aqui no nosso país, pode ser ele dos Estados Unidos, França, Austrália, Argentina ou Cuba. Causa-me muita estranheza vocês falarem na matéria que os profissionais estrangeiros estão em “oficinas, simulações de consulta e de casos mais complexos” e acharem isso normal. Ora, levei 06 anos de curso de medicina e mais 05 de residência médica para aprender o que sei hoje e os que vieram de fora querem aprender os casos “complexos” em 03 semanas? E “simulações de consulta”? Eles já não sabem como consultar? E vocês ainda acham normal não fazer o REVALIDA? Quer dizer, já temos uma segregação embutida: a medicina de quem pode pagar e de quem não pode. Isso não seria discriminação?
 
Uma das táticas mais antigas usadas por qualquer propaganda, filme, novela, governo e etc, é jogar com o emocional das pessoas, para que o racional seja suprimido. Aparecer pessoas dizendo “temos de priorizar a saúde das pessoas”, “médico vai ser um agente catalizador para melhorar a infraestrutura”, ou até os cubanos vestidos de jalecos no aeroporto abanando as bandeirinhas passa a mensagem das pessoas excluídas que finalmente serão resgatadas. Mas em nenhum momento eu vi vocês falarem que o governo vetou a “Emenda Constitucional 29” que previa um mínimo de 10% dos recursos federais para a saúde e que o Brasil é um dos que menos investem em saúde pública no mundo. Também colocam o médico Otelo Chino Jr. falando que o programa não tem urgência, aí cortam para pacientes em hospitais em estado calamitosos e indagam “isso não é urgência?” Vejamos isso de vários pontos. Primeiro, o fato de mostrarem hospital vai contra o que o próprio governo tenta falar, que é a saúde primária (hospital é terciário); segundo, essas imagens hospitalares mostram a realidade da nossa saúde, um verdadeiro caos, e acreditem, isso não é culpa dos médicos, que na maioria das vezes estão na linha de frente de tudo isso levando “tapa na cara” para dar o mínimo necessário de dignidade ao paciente, só o que podemos oferecer unicamente é o atendimento, porque o resto, que cabe ao governo, não é feito; por fim, a fala de “urgência” do entrevistado foi tirada de contexto, até porque foi cortada. Na verdade, a urgência já passou há 30 anos, hoje é situação de guerra mesmo. Mas, como falei anteriormente, há muitos anos que está assim e tentamos dar o caminho, mas nunca foi seguido, e agora querem jogar a bomba nas nossas mãos. E ainda, quando retornam ao Dr. Otelo falam assim “voltando aos argumentos de Otelo e cia…” Por favor, fala totalmente tendenciosa, do tipo “lá vem aqueles babacas elitistas, corporativistas…” Um escárnio! 
 
Outro ponto que vocês poderiam ter falado com mais precisão, é sobre a formação dos médicos cubanos. Quando foi citado sobre a formação obscura deles, vocês falam que nós deveríamos nos informar melhorar sobre a medicina cubana. Pois bem, eu devolvo esta fala para o CQC, são vocês que tem de se informar melhor sobre a formação deles. E ainda usam de argumento os “dados oficiais do Ministério da Saúde”. Sério, vocês nasceram ontem? Então eu vou propor um negócio ridículo que só irá me beneficiar, mas em contra partida irei fornecer material para contradizer tudo o que estou propondo. Parece absurdo? Mas é exatamente nisso que vocês caíram, é óbvio que esses números são maquiados para distorcer a realidade. Se a medicina cubana é tão boa, porque não fazer o REVALIDA? Qual o medo? Não são das melhores medicinas do mundo? Não, realmente não são. Uma maneira bem fácil de descobrir, e que mesmo não sendo jornalista gostaria de propor, é conversar com algum médico cubano que tenha prestado e sido aprovado no REVALIDA e que more no Brasil, assim, verão que a realidade é outra. 
 
Mas ainda faltava a cereja do bolo, a última bolacha do pacote, o grand finale, e conseguiram: “os cubanos estão aqui voluntariamente e vão para as periferias que nenhum dos nossos médicos ousou chegar… vão levar socorro aonde até agora só existiu abandono”. Sério? Vocês falaram isso mesmo? Os cubanos são livres para decidir para aonde vão? Direito de ir e vir? A Cuba que conheço é a de um país opressor, uma ditadura que se arrasta há mais de 50 anos, que não dá qualquer liberdade para ninguém, incluídos médicos, que são usados como mão de obra estrangeira e geram cifras bilionárias anuais para os irmãos Castro. E nós (eu e o CQC inclusos) estaremos ajudando a manter essa ditadura, afinal o dinheiro não vai para o médico, mas sim ao governo, que pagará uma ínfima parte ao verdadeiro dono do dinheiro. É simplesmente inacreditável vocês terem falado que eles estão aqui voluntariamente. E além disso, dizer “… vão levar socorro aonde até agora só existiu abandono”, é voltar a história dos médicos elitistas e jogar a responsabilidade no nosso colo, além de apontar a mira novamente para o emocional do povo.
 
Em tempo, não tenho nada contra nenhum médico de nenhuma nacionalidade, desde que façam o REVALIDA, que ao contrário do que muita gente pensa, é um exame feito e aplicado pelo ministério da educação, e nada tem a ver com as entidades médicas. 
 
A questão é que o ministro Padilha surgiu do nada no ministério da saúde para ser lançado ao governo de São Paulo e essa é a grande cartada do PT para conseguir o que eles mais querem. Como eles sabem que abrindo as portas para os estrangeiros viriam um ou outro “gato pingado”, já haviam firmado um acordo com Cuba para trazer os médicos de lá. Entretanto quando surgiram os primeiros boatos deste, houve muitas críticas e o governo recuou. Após os protestos de junho e com a queda de popularidade do governo Dilma, isso voltou à pauta, organizado pelo marqueteiro João Santana, para ser a salvação da presidente, a volta de sua popularidade e o lançamento do ministro Padilha ao governo de São Paulo. Tudo conforme o script.
 
 Por fim, gostaria de dizer que qualquer manifestação de racismo e xenofobia deve ser realmente repudiada e aqueles que o fizeram tem de responder por isso, até porque o alvo não podem ser os médicos, mas sim os seus governantes. Também não se julga médico por aparência, sexo, raça, cor ou qualquer outro motivo, mas sim pela sua qualidade e caráter.  
 
O CQC realmente prestou um desserviço ao público, e se antes vocês haviam perdido o meu interesse, agora vocês perderam o meu respeito.    
 
 
* É médico urologista, em atividade no interior de Santa Catarina.

 
    

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