No segundo seminário que discutiu a fixação de profissionais de saúde em áreas remotas e de maior vulnerabilidade – promovido pelo Ministério da Saúde nos dias 14 e 15 de abril – um elemento importante foi o grande destaque. O antigo discurso que colocava a carência de médicos no Sistema Único de Saúde (SUS) em um patamar de igualdade com as outras categorias profissionais e que agora coloca – de forma procedente – a necessidade de médicos como o maior problema encontrado, atualmente na saúde pública. Este tipo de postura representa uma grande mudança de posicionamento político do Ministério da Saúde. Com certeza demonstra, de forma inteligente, que problemas desiguais devem ser tratados de forma diferente.
Estudo realizado e divulgado recentemente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que, ao contrário do que se pensa, não há escassez de médicos no Brasil. Pelo contrário, os números indicam que o volume de profissionais da categoria cresceu, percentualmente, quase o dobro que o total da população brasileira durante o período de 2000 a 2009.
Ao longo desses anos, a quantidade de médicos em todo o país aumentou 27% – de 260.216 para 330.825 –, enquanto a população brasileira cresceu 12% – de 171.279.882 para 191.480.630. Atualmente, no Brasil, há um médico para cada grupo de 578 habitantes. Em 2000, essa relação era de um profissional para 658 habitantes.
Não é possível resolver este problema sem que os médicos do sistema sejam valorizados e respeitados em seus direitos trabalhistas como, por exemplo, com a criação de carreiras profissionais e planos de carreiras e vencimentos.
É compreensível este novo discurso em virtude da ordem de comando emitida pela presidenta Dilma Roussef, no início do seu governo, para que fosse resolvida esta situação crônica da deficiência de profissionais de medicina no SUS. No entanto, o que preocupa é que, a partir deste comando, todos os setores envolvidos estão trabalhando no sentido de construir um arcabouço teórico que justifique a necessidade do aumento do número absoluto de médicos no Brasil, ou seja, a criação de novos cursos de Medicina. Este é um argumento que, no momento correto iremos fazer o debate, não somente com a gestão pública, mas também com todo o conjunto da sociedade.
O aumento de profissionais, puro e simples, somente aumentará este problema de distribuição, ou seja, aprofundará o fosso. Os responsáveis por esta política devem alertar a chefe da nação que a carência de médicos é causada por vários fatores e, portanto, não somente o aumento da oferta de médicos irá resolver a situação podendo, inclusive, agravá-la.
O evento organizado pelo Ministério não colocou de forma clara a necessidade de que outras ações sejam desenvolvidas no sentido de resolver a questão do financiamento do SUS. Como produzir um incremento do número de médicos no Brasil se o sistema público de saúde não tem condições de absorvê-los? O ilustre professor Adib Jatene, em sua fala, defende que há necessidade da formação de 160 mil médicos no País. Ao mesmo tempo se mostra, extremamente, preocupado com a fragilidade do financiamento do nosso sistema de saúde pública, chegando a defender a diminuição da taxa selic, com o objetivo de que o governo gaste menos com o financiamento da dívida pública e seja possível, consequentemente, aplicar mais na área da saúde.
Não podemos nem devemos repetir os erros do passado. Quando da municipalização do sistema de saúde no Brasil com o objetivo, que reputo, meritório, de ampliar a cobertura dos serviços de saúde como fator garantia de cidadania, no entanto a questão da gestão dos recursos humanos foi colocada em um segundo plano, ou pior, foi entregue como responsabilidade dos municípios, os quais não tinham nenhuma competência ou experiência para realizar tal tarefa. O resultado foi a implementação de um processo perverso de precarização das relações de trabalho na área e que se mostrou muito mais intenso com relação aos médicos. No governo passado foi realizado um grande diagnóstico desta situação, mas infelizmente quase nada foi feito no que diz respeito a resolução desta situação.
O aumento do número de médicos como única forma de resolver esta carência somente criará um excedente de profissionais que, em virtude da falta de oportunidades, submeterá aos salários irrisórios e as situações de trabalho, quase de escravidão na medida em que há ausência de garantias trabalhista. Não devemos somente criar uma situação onde o discurso político de que foi resolvida a falta de médicos no SUS seja efetivado, pois poderemos de forma irresponsável atingir uma situação politicamente cômoda, mas sem que exista qualquer tipo de preocupação com a qualidade da assistência à saúde que está sendo oferecida à população brasileira.
Alceu José Peixoto Pimentel é conselheiro suplente do Conselho Federal de Medicina (CFM) representante do estado de Alagoas.
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