Cláudio Balduíno Souto Franzen*
O acesso à assistência em saúde nos 122 municípios brasileiros em regiões de fronteira é prejudicado por uma série de questões relacionadas à gestão pública. Em 2016, o Conselho Federal de Medicina (CFM) já apontava as deficiências que prejudicam pacientes e profissionais. Os números nos ajudam a entender a dimensão do problema.
Por exemplo, na época, em um quarto dessas localidades não havia leitos de internação disponíveis. Em 48 delas não existia um hospital geral. As outras 74 cidades contavam com 116 hospitais, volume próximo ao identificado apenas na cidade do Rio de Janeiro (RJ), com 109. As informações eram do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), supervisionado pelo Ministério da Saúde.
Também se apurou que as cidades da zona de fronteira possuíam, juntas, 652 unidades básicas de saúde (UBS) ou centros de saúde. Considerando-se a dimensão do território que os municípios ocupam, bem como sua população total, essa quantidade fica abaixo do ideal.
Numa comparação com os estados de Alagoas e Rio Grande do Norte, que possuíam populações de tamanho semelhante ao encontrado com a soma desses 122 municípios, o total de unidades desse tipo de serviço de atenção básica era maior: 794 e 803, respectivamente. Não bastasse a falta de infraestrutura, que dificulta diagnósticos e tratamentos, esses municípios limítrofes historicamente convivem com outro obstáculo sério: não contam com políticas de Estado capazes de atrair e fixar o médico – e mesmo outros profissionais de saúde.
De um lado, isso faz com que os moradores dessas regiões, sobretudo em casos de maior gravidade, sejam obrigados a buscar assistência nas capitais ou em municípios com maior grau de desenvolvimento. É uma realidade cruel, que obriga doentes a fazer longos deslocamentos e a passar períodos de convalescença distantes de seus familiares.
Por sua vez, a presença reduzida de profissionais brasileiros nessas áreas tem sido usada por alguns prefeitos para justificar medidas paliativas, que nem de longe resolvem as dificuldades constatadas. Um dos caminhos adotados tem sido engajar, nas redes locais, médicos com diplomas obtidos no estrangeiro, ignorando-se aspectos importantes para a segurança da sociedade.
No entendimento dos Conselhos de Medicina, essa prática é de alto risco, de forma particular para o paciente. Sem o registro do médico – que pode ser feito após sua aprovação em exame de validação de títulos (Revalida) –, essas autarquias não podem fiscalizar sua atuação. Com isso, aspectos técnicos e éticos da atividade médica podem não ser observados, e eventuais deslizes ficam sem penalização.
Além disso, sem um registro no CRM, prescrições e pedidos de exames feitos por estrangeiros não podem ser aceitos por farmácias e laboratórios, fazendo com que outro médico – desta vez, regularizado – “refaça” solicitações alheias, postergando diagnósticos e o início de tratamentos.
Pelo bem da sociedade, é necessário buscar uma solução para o trabalho médico na região das fronteiras. O fim dessa distorção depende de medidas que devem ser articuladas com os Ministérios da Saúde e das Relações Exteriores, assim como avalizadas pelo Congresso Nacional. Esse é um trabalho que tem sido acompanhado pelas entidades médicas.
Nos dias 3 e 4 de abril, em Campo Grande (MS), o CFM organiza o II Fórum de Médicos de Fronteira, na expectativa de estimular esse importante debate. Com a participação de lideranças dos profissionais e de representantes de gestores e de setores interessados, como entidades de pacientes e o Ministério Público, espera-se avançar em propostas que pacifiquem o tema.
Como médico do Rio Grande do Sul, um dos estados que carecem de respostas, espero que em breve se normalize essa situação, permitindo-se que apenas médicos com diplomas revalidados atuem no Brasil. Sem esse atestado de capacidade e competência, milhões continuarão expostos a riscos desnecessários, como se os moradores das regiões de fronteira merecessem menos que os dos grandes centros urbanos.
* É conselheiro federal pelo estado do Rio Grande do Sul.
Artigo publicado na coluna Opinião do conselheiro do jornal Medicina, edição nº 276. Acesse aqui a publicação.
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