Escrito por  Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.

É relativamente comum que os médicos sejam acusados de corporativismo por defenderem a regulamentação de sua profissão. O que já acontece em todas as outras profissões na área da saúde. Isso obriga a levantar alguns argumentos. Primeiro. No sentido técnico, os termos conservador, progressista e reacionário são conceitos políticos que se referem a condutas interpretadas. O que conforma o núcleo conceitual do problema e obriga a definir o que significa se comportar como conservador, reacionário ou progressista.

O conservadorismo é a tendência sociopolítica que se opõe às mudanças previsíveis nos processos sociais evolutivos (econômicas, políticas, nos costumes); porque considera a situação presente satisfatória. Difere da atitude anancástica de reagir neuroticamente às mudanças. O conservador defende as estruturas vigentes no Estado e em outras instituições, rejeitando mudanças, mesmo de forma (reforma), quanto mais as transformações nos seus fundamentos que abrangem todo o sistema (revolução).

O reacionarismo é o móvel ideológico que impulsiona as condutas de retorno a situações políticas ultrapassadas pelo progresso. Pretende restabelecer regras e instituições desaparecidas como necessidade do progresso social. Costuma se originar no anseio por privilégios econômicos, sociais e políticos ameaçados ou perdidos pela evolução sociopolítica. No plano filosófico, corresponde ao pessimismo e no plano cultural, à condenação da técnica, ao anticientificismo, à antimedicina e ao endeusamento da vida primitiva e natural.

Progressismo é a tendência que presume o curso da história como processo evolutivo previsível e que sustenta posições compatíveis com as etapas que se pode presumir aparecerão no futuro. Em sentido particular, o termo se confunde com o de defensor da justiça social ou de melhorismo político social (como o desenvolvimentismo). Mas pode ser usado para significar o ponto de uma trajetória em relação a um objetivo a ser atingido por um móvel político ou individual qualquer.

Estas três posturas políticas são evolucionistas. Pressupõem que algumas mudanças representam uma tendência para fazer progredir, conservar ou retroagir a marcha do sistema social. Em sentido mais restrito, indicam o que traz melhoria, piora ou estabilidade em um processo ou desenvolvimento.

Em segundo lugar, em geral, essas tendências se expressam por categorias histórico-filosóficas relativas a algo como parte de um processo ou desenvolvimento histórico. Devendo-se procurar responder em relação ao quê alguém se comporta de modo progressista, conservador ou reacionário. Pois, como parece óbvio, nem toda mudança permite que se lhe aplique uma dessas categorias. O que pressupõe, no mínimo, um desenvolvimento e uma escolha entre a evolução, a involução e a imobilidade social; o otimismo e o pessimismo filosófico; o realismo e o romantismo estéticos.

Desenvolvimento que presume etapas sucessivas e cada vez mais desenvolvidas. A cada uma, o momento novo supera o velho que é deixado para trás. O que obriga a tentar definir o que se considera como o progresso em um processo sociopolítico. Qual o rumo do progresso em um desenvolvimento social dado? A resposta aponta para o que deve ser considerado conservador, reacionário ou progressista. O resto é dogmatismo religioso. Ou advocacia de interesses.

Subjacentes a essas tendências gerais existem questões que dariam bom ensaio filosófico para quem tenha engenho e arte. O que é o novo e o que é o velho? E o que seria a novidade? Na realidade concreta, existem três doutrinas políticas gerais e suas ideologias correspondentes. Uma, assentada na liberdade política e econômica como valor dominante ou exclusivo (liberalismo, neoliberalismo); outra, tem a igualdade como valor preponderante ou exclusivo (igualitarismo, comunismo); e a terceira, o socialismo e a social democracia – ao destacar a justiça como valor primordial indica dialeticamente a liberdade e a igualdade como valores políticos inseparáveis.

Terceiro. Uma conduta pode ser progressista em relação a um objetivo ou sistema e conservadora ou reacionária em relação ao seu oposto. O que é progressista para um socialista, há de ser reacionária para um liberalista e vice-versa.

Os socialistas supõem uma trajetória social da barbárie primitiva a uma organização social na qual todos contribuam com aquilo de que são capazes e recebam, em contrapartida, a satisfação das suas necessidades individuais e sociais. Para os liberalistas, essa trajetória inexiste e a sociedade, livre da história, seguirá sendo uma horda, com um mínimo de organização voluntária, na qual os indivíduos mais capazes se impõem aos demais, em busca de uma situação em que haja, ao menos em tese, o máximo de felicidade para o maior número de pessoas, como diz Rawls, mesmo sem que se saiba como.

Para os socialistas, a felicidade do bem comum se expressa em uma organização democrática emergida de um Estado suficientemente forte para dirigir todas as instâncias políticas particulares em seu interior; que se impõe a todos os cidadãos e a todos os interesses; dirigido por uma diretriz geral da busca da igualdade, da liberdade e da justiça como construções políticas que devem ser perseguidas simultaneamente. Para os liberalistas, o bem comum consiste na desregulamentação, da desorganização e do enfraquecimento das instâncias estatais, que devem ser substituídas pelo mercado poliindividual e soberano. Assim, o que é progressismo para um vem a ser regressismo para outro. A desregulamentação profissional e o igualitarismo a qualquer custo só podem ser considerados progressismo dentro da visão neoliberalista de mercado. Os liberalistas e neoliberalistas acreditam na liberdade (inclusive profissional) como único valor socialmente construído, na qual a justiça e a igualdade seriam conseqüências naturais e decorrência política.

Em quarto e último lugar, pode-se concluir que só se deve adjetivar como progressista, conservadora ou reacionária uma conduta complexa, tal qual a envolvida na questão da normatização do ato médico, se for explicitado o como. Neste terreno, cada proposição deve ser sempre seguida de um porquê.

A campanha pela regulamentação legal do ato médico é progressista por que: a) Em uma perspectiva socialista, essa é uma pretensão que deve existir em relação a todas as categorias profissionais. Do ponto de vista liberalista, como nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Canadá, só as profissões dos médicos, dos psicólogos, dos advogados e dos engenheiros são sempre regulamentadas. As outras, não são, podendo ser exercidas livremente por qualquer um sem qualquer restrição; b) O mesmo ocorre ao se considerar o interesse social. Os procedimentos de diagnosticar enfermidades e tratar enfermos impõem responsabilidade tal que não podem se fazer sem controle ou com controle muito difuso da formação e da prática; e esse controle não deve caber ao mercado de consumidores, mas ao Estado; c) A relação médico-paciente não pode nem deve ser considerada relação de consumo entre produtor e consumidor de mercadorias. Porque a desumanização da relação médico-paciente não interessa a ninguém, a nenhuma tendência social responsável.

Como se vê, é muito difícil justificar a atribuição de conservadorismo ou, muito menos, reacionarismo à campanha dos médicos pela regulamentação do seu trabalho e, mais que isso, da assistência médica à população. Parece mais fácil acreditar que as críticas ao projeto do ato médico, como a qualquer outro ato profissional, tenha motivação mais candente e influente na advocacia de interesses objetivos e subjetivos de outras categorias profissionais. No seu corporativismo.

 

* É psiquiatra, conselheiro federal por Mato Grosso do Sul é 1º secretário do Conselho Federal de Medicina (CFM).

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