Escrito por Giovanna Trad Cavalcanti*

Até os dias de hoje permeia no imaginário popular a falsa crença de que a classe médica é corporativista. Não é incomum ouvirmos expressões céticas sobre a confiabilidade dos julgamentos dos processos ético-disciplinares postos sob o crivo dos Conselhos Profissionais.

Militando há algum tempo na advocacia voltada à área da saúde, tenho a tranquilidade necessária para afirmar que os Tribunais de Ética cumprem rigorosamente os desideratos de sua finalidade, que é julgar com isenção. Se o facultativo descumprir qualquer regra elencada no Código de Ética que regulamenta o seu exercício, os seus pares não hesitarão em aplicar a punição correspondente, colocando a salvo, é claro, as raríssimas exceções.

Nesse compasso, a entrevista concedida pelo presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp), Enis Donizetti Silva, à revista Época desta semana, causou perplexidade em muitos desavisados. O catedrático falou abertamente da alta incidência de eventos adversos que ocorrem nos hospitais brasileiros, e fez críticas ao atual modelo, que, segundo ele, não dispõe de bons registros para mapeamento e minoração desses acontecimentos danosos.

Mas cabe aqui registrar que os propósitos dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina não se encerram nas artes de julgar e de punir, mas, acima de tudo, aspiram servir a humanidade, no sentido de propiciar condições para que as pessoas usufruam uma saúde digna, em todos os sentidos. Valorizar os interesses da categoria, como, por exemplo, defender uma carreira de estado, não se traduz no aninhamento de interesses pessoais e financeiros dos médicos. Afinal das contas, se esse profissional não tiver remuneração digna, condições adequadas de trabalho e estabilidade na profissão, não há como prestar ao cidadão um atendimento conforme alinha a Constituição Federal. O prestígio da profissão é componente indissociável da qualidade da assistência, consumida por nós, destinatários finais do atendimento.

Falando nisso, as Instituições médicas não têm escondido a preocupação com os rumos que irão galgar a medicina e a saúde do povo brasileiro. Isso em decorrência da vulgarização da profissão, consubstanciada por meio da abertura indiscriminada (e sem critérios rígidos) de escolas e residências médicas, implicando na precariedade da formação deste novo médico, inapto para encarar o desafio de prevenir, curar e salvar vidas. Esta inquietante realidade fora confirmada por dados estatísticos capitaneados pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, em avaliação feita com os recém-formados. A resposta não poderia ser mais desalentadora: dos 2.891 que se submeteram ao teste, 1.589 foram reprovados, ou seja, 55% do total. O número é mais assustador ainda se levarmos em conta que as Universidades do Estado de São Paulo estão entre as melhores do país. Agora imaginemos o tipo de serviço prestado em outros estados da federação, em que o ensino é ainda mais deficitário. Sem matéria prima suficiente para o desenvolvimento do aprendizado ( faltam professores qualificados, equipamentos, biblioteca, laboratórios e hospitais escola), repercute intangível a abertura de tantas escolas de medicina.

Bons tempos em que havia um processo seletivo rigoroso para o candidato adentrar em uma faculdade de medicina e, consequentemente, para concluir o curso e passar na residência, já que, na atualidade, conforme manifestado pelo Presidente do CREMESP, para ser médico no Brasil bastam R$ 6 mil por mês.

Se medidas enérgicas (como reformular as bases da formação médica, que estão estagnadas desde 1808) não forem adotadas para reverter esse embrolho, a tendência é que os litígios na seara da saúde cresçam ainda mais, já que inúmeros profissionais inabilitados e despreparados serão lançados à avalanche, o que implicará- inevitavelmente- no aumento de eventos danosos produzidos ao paciente por imprudência, negligência ou imperícia.

A procura pelo Poder Judiciário será o caminho natural para a resolução dos conflitos presentes e futuros, mas daqui adiante, com proporções muito maiores. Judicializar a questão não seria o melhor caminho, mas é a porta de acesso do cidadão que sustenta ter sofrido lesão injusta. Afinal, todo conflito judicializado assim o foi porque faltou resolutividade na via administrativa.

O desejo global é que o usuário não necessite se valer do acesso judicial para tentar fazer valer eventual direito seu. Para isso, o Conselho Nacional de Justiça e a Ordem dos Advogados do Brasil, estudam incansavelmente mecanismos para minimizar os conflitos que induzem ao processo de judicialização. Sabe-se que o usuário do SUS pode levar sua insatisfação à justiça por vários motivos (demora de um tratamento ou cirurgia, pedido de medicamento, ou porque a saúde do paciente ou familiar fora assolada por um serviço que o paciente interpretou como defeituoso).

Quanto a esta última circunstância, sobreleva dizer que uma das causas de má pratica reside justamente na inabilidade teórica e prática do profissional ( imperícia), que logrou adentrar no mercado de trabalho sem a proficiência e merecimento devidos.

Assim, penso que as demandas decorrentes de imperícia poderiam ser minimizadas por meio da reformulação das bases educacionais da área médica, aperfeiçoando a técnica e a qualidade, além de melhor estruturar esses novos médicos para trabalhar em conformidade com as regras do Direito Pátrio, conhecendo a legislação do SUS e o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo. E, Nesse enfoque, o médico sai totalmente cru.

Enfim, tenho que a medicina, profissão que nasceu com o homem e para o homem, não pode ser alçada à mediocridade. É perigoso demais. Merece a consideração e o respeito inerentes ao comprometimento de seu múnus. Estimar a profissão significa desafogar o Poder Judiciário, implicando na qualidade das decisões judiciais. Mas, ao final, os maiores beneficiados com a iniciativa somos cada um de nós e a coletividade. Além do mais, fazendo um trocadilho positivo com um dos mais relevantes anseios da advocacia brasileira: médico valorizado, cidadão respeitado.

 

* É advogada, membro da Comissão de Saúde do Conselho Federal da OAB, presidente da Comissão de Biodireito da OAB/MS.

 

 
    

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