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Eduardo Trindade*

 

Perto de atingir o eloquente número de meio milhão de médicos em atividade ‒ hoje são mais de 450 mil ‒, o Brasil é, sem dúvida, um país que não precisava de um programa como o Mais Médicos. O que se sabia desde o início ‒ e que ficou confirmado depois ‒ é que por trás do discurso de interiorização havia outros objetivos, nem um pouco nobres, como se percebe com a abertura gradativa da caixa-preta do programa lançado em 2013 em meio ao clamor popular por mais saúde.

Como se constata, e não é preciso ir longe, a saúde pública no país vive um de seus piores momentos. Em muitos lugares ela está perto do caos, como acontece em alguns municípios da nossa região metropolitana e de outros pontos do estado. Como pano de fundo da crise que se alastra e se aprofunda sem dar sinais de que sairá da UTI, está o histórico e sedimentado subfinanciamento da saúde que, aliado à má gestão e à corrupção, suga criminosamente parte dos recursos públicos, prejudicando o trabalho médico e o atendimento dos pacientes.

Então, está muito claro que os males da saúde não passam pelo número de médicos brasileiros, todos com registro nos Conselhos de Medicina, como estabelece a legislação. Lei que era respeitada até que o Ministério da Saúde ‒ apesar da resistência dos Conselhos ‒ tomou para si a inscrição, sem o Revalida, dos intercambistas do Mais Médicos, de modo que até hoje persiste a dúvida sobre a formação dos milhares de profissionais cubanos do programa federal.

Agora, em relação ao trabalho médico, é também inegável que o Brasil tem médicos demais, muito mais que o necessário para atender a população. São mais de 20 mil médicos ingressando no mercado a cada ano, oriundos de 328 escolas médicas ‒ mais da metade privadas ‒, número que coloca o Brasil em segundo lugar no ranking mundial, atrás apenas da Índia, com suas 460 faculdades.

Está mais do que na hora de uma intervenção forte no setor, principalmente na formação médica, diminuindo a quantidade de escolas e de vagas, paralelamente a um trabalho para elevar a qualidade dos médicos egressos dos cursos.

Nesse aspecto, é interessante e oportuna a proposta do CFM, que defende pré-requisitos para que um município possa receber uma faculdade de medicina, sonho de nove entre dez prefeitos. Entre as exigências, destacam-se um mínimo de leitos do SUS para cada estudante, um serviço de urgência e emergência funcionando, além de programas de Residência Médica e a busca constante de qualificação dos docentes.

Em relação ao excessivo número de médicos em atuação no país, programas que busquem interiorizar os profissionais não podem relevar a importância de uma boa estrutura para que o médico exerça a medicina com maior qualidade e resolutividade.

O mais sensato seria o governo atender o pleito dos Conselhos de Medicina, que há anos defendem a implantação de um plano de carreira para os médicos do sistema público, a exemplo do que existe no Judiciário, de modo a oferecer um atendimento digno à população.
 
No limiar de mais um ano, renovamos nossas esperanças de que um dia a saúde seja realmente para todos e que o trabalho médico seja mais reconhecido e valorizado.

 

* Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers)

  

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

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