Escrito por Luiz Antonio Nogueira Martins*

Os dados disponíveis sobre a saúde do médico têm indicado que certos hábitos nocivos à saúde – como o tabagismo e o sedentarismo – estão em declínio, o que tem contribuído para diminuir a morbimortalidade devida a doenças associadas aos mesmos. Na área da saúde mental, no entanto, os resultados não são nada animadores. Alta prevalência de suicídios, depressão, uso de substâncias psicoativas, estresse, burnout e disfunções profissionais em médicos, bem como altos índices de estresse e depressão em residentes de medicina (em especial, os de primeiro ano) têm sido descritos na literatura médica.

Estudos realizados na Inglaterra (1,2) sobre a mortalidade em médicos mostraram que as principais causas de morte são suicídio, cirrose hepática e acidentes. Pesquisa nacional, realizada em Porto Alegre (3), mostrou que em 1996 as principais causas de morte de médicos foram as doenças cardiovasculares (40%), as neoplasias (30%), as causas externas (12%), as doenças do aparelho respiratório (9%), as doenças do aparelho digestivo (4%) e outras doenças (6%).

Vale assinalar que em relação às causas externas (12% das mortes, ressalte-se) os homicídios representaram 5%; os suicídios, 5% e a morte por afogamento, 2%. Um sentimento de infelicidade manifestado por médicos tem sido objeto de preocupação de associações profissionais e órgãos reguladores do exercício profissional em diversos países (1,2,4). Estudo sociológico sobre o perfil do médico no Brasil (5) revelou que 80% dos médicos brasileiros consideram a atividade médica desgastante e atribuem esse desgaste aos seguintes fatores: excesso de trabalho, múltiplos empregos, baixa remuneração, más condições de trabalho, alta responsabilidade profissional, dificuldades na relação com os pacientes, cobrança da população e perda da autonomia. Este mesmo estudo destaca que as relações de trabalho, o tempo dedicado à atividade profissional, as formas de remuneração e as questões éticas têm influência significativa na saúde do médico; adverte, ainda, que o médico está entre o grupo de categorias que menos valoriza esses fatores de risco no trabalho.

O exercício atual da medicina no Brasil tem se tornado cada vez mais difícil devido a um conjunto de fatores que têm produzido um aumento do estresse profissional do médico (6). Assim, a maciça presença das empresas compradoras de serviços médicos (que levaram à perda do caráter liberal da prática profissional), a desordenada criação de novas escolas médicas (com o conseqüente crescimento do número de profissionais e aumento da competição entre os médicos), o acelerado desenvolvimento de novos recursos diagnósticos e terapêuticos (que leva a uma necessidade constante de atualização) e a promulgação de novas normas e leis, como, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor (com o conseqüente aumento do número de denúncias e processos tanto na esfera judicial como no âmbito ético-profissional), são fatores que pressionam os profissionais e que têm produzido profundas transformações na profissão médica.

Essas pressões e mudanças redundaram na perda da autonomia do profissional, na perda de remuneração (que conduz ao multiemprego), no aumento da competição com mudanças no comportamento ético na disputa profissional (o império do “salve-se quem puder”), em maiores dificuldades no relacionamento com os pacientes (devidas ao aumento da cobrança social), no aumento do risco profissional (crescimento do número de processos éticos e judiciais), na insatisfação com a profissão (perda ou diminuição da auto-estima) e, conseqüentemente, em maiores riscos para a saúde física e mental. Os riscos ocupacionais para a saúde do médico podem estar ligados às relações de trabalho (“proletarização”, perda da autonomia, competição “selvagem”), riscos biológicos (exposição a fluidos orgânicos como sangue e secreções), físicos (radiações), químicos (gases anestésicos) e ergonômicos (condições de trabalho, em especial nos plantões, como iluminação, conforto térmico e acústico, alimentação).

Programa de Atenção à Saúde e Qualidade de Vida do Médico

As associações de classe, as sociedades de especialidades e os órgãos reguladores do exercício profissional têm tido importante papel, informando e estimulando o debate sobre os fatores de risco para a saúde dos médicos e propondo o desenvolvimento de modelos de intervenção e ajuda. A crescente conscientização sobre as doenças e vulnerabilidades do médico tem propiciado a criação de serviços e programas de atenção à saúde física e mental de estudantes, residentes e médicos. Neste sentido, cabe destacar a implantação, no estado de São Paulo, de uma rede de apoio a médicos com dependência química. O sucesso de tal iniciativa está permitindo a expansão e ampliação desta proposta para outros estados brasileiros. Sob esse contexto, foi criado o Programa de Atenção à Saúde e Qualidade de Vida do Médico, coordenado pelo Conselho Federal de Medicina com apoio da Associação Médica Brasileira e das sociedades de especialidades médicas, que tem por objetivos:

– estimular hábitos adequados de saúde e prevenção de doenças;

– informar e sensibilizar os médicos para a questão do estresse e dos riscos ocupacionais; – oferecer uma rede de apoio, em âmbito nacional, para prover assistência à saúde do médico; – realizar pesquisas sobre a saúde e a qualidade de vida, visando ao desenvolvimento de medidas preventivas e modelos assistenciais; – elaborar publicações (livros, manuais) a serem distribuídas para os residentes e Comissões de Residência Médica;

– participar dos congressos das especialidades médicas, divulgando as iniciativas e propostas do Programa;

– realizar assessorias e consultorias para instituições médicas, com relação a demandas específicas; – promover a troca de experiências entre as diferentes instituições formadoras e as entidades profissionais, em nível nacional.

 

Referências: 1. Edwards N et al. Unhappy doctors: what are the causes and what can be done? BMJ 2002; 324:835-838.

2. Smith S. Why are doctors so unhappy? BMJ 2001; 322:1073-1074.

3. Soibelman M, Bolsi DC, Fricke D. Mortalidade entre médicos. In: Agosto FM, Peixoto R, Bordin R. Riscos da prática médica. Porto Alegre: Dacasa Editora, 1998.

4. Canadian Medical Association. CMA guide to physician health and well-being: facts, advice and resources for Canadian doctors. Ottawa; 2003.

5. Machado MH. Os médicos no Brasil: um retrato da realidade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997.

6. Nogueira-Martins LA, Nogueira-Martins MCF. O exercício atual da medicina e a relação médico-paciente. Rev Bras Clin Terap 1998; 24(2):59-64.

* É conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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