Escrito por Clóvis Francisco Constantino* e Gil Lúcio Almeida**

Existe, entre os diversos profissionais da área de saúde, a unanimidade de que o bem-estar e a vida do cidadão são a prioridade máxima do dia-a-dia. No Brasil, nunca é demais lembrar, a própria Constituição Federal que consagra, em seu artigo 196, essa visão humanitária, estabelecendo “a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos…”. Este texto, aliás, foi fruto do trabalho conjunto de persuasão dos diversos segmentos de profissionais de saúde para que a Assembléia Constituinte de 1988 fizesse constar na Carta Magna o direito universal, integral e igualitário à saúde de todos os brasileiros. É fato, portanto, que compartilhamos, todos os agentes do setor, da absoluta convicção de que a saúde é um direito inalienável do cidadão. Da mesma forma, todos acreditamos que deva haver respeito absoluto ao livre exercício dos ATOS PRIVATIVOS de todos os profissionais da saúde. Sendo assim, a quem interessa a autêntica Torre de Babel em que se transformou o debate em torno do projeto de lei 25/02, substitutivo de autoria do Senador do PT Tião Viana, em tramitação atualmente na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal e conhecido como a Lei do Ato Médico?     

Primeiro, é preciso salientar que todas as profissões da área da saúde possuem uma lei federal, determinando os seus atos privativos e criando os seus Conselhos Profissionais: Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Decreto-Lei 938/69, Lei 6316/75), Enfermagem (Lei 7498/86, Lei 5905/73), Psicologia (Decreto 53464/64, Lei 5766/71, Decreto 79822/77), Fonoaudiologia (Lei 6965/81, Decreto 87218/82), Nutrição (Lei 8234/91, Lei 6583/78), Serviço Social (Lei 8662/93), Biomedicina (Decreto 88439/83, Lei 6684/79, Lei 7017/82), Odontologia (Lei 5081/66, Lei 4324/64), Biologia (Lei 6684/79, Lei 7017/82, Decreto 8438/83), Educação Física (Lei 9696/98), Farmácia (Lei 3820/60), Medicina Veterinária (Lei 5517/78). Portanto, nada mais justo que a Medicina, a mais antiga das profissões, tenha também uma lei federal definindo os seus atos privativos. Alias, essa lei faria bem a toda a sociedade, incluindo os profissionais médicos e não médicos que poderiam, em caso de disputa judicial, melhor delimitar seus direitos. A normatização do papel de todos os profissionais da saúde e o estabelecimento claro de suas atribuições dão transparência à assistência à saúde. Os Conselhos deveriam estar dialogando de forma aberta e democrática entre si, para que, juntos, pudessem estabelecer os limites de atuação de cada profissional, de forma a permitir a prestação do melhor serviço de saúde à população. É preciso deixar claro que o Projeto de Lei do senador Tião Viana no seu art. 5º estabelece que “esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”. Portanto, ela não revogaria nenhuma das leis de nenhuma profissão da saúde. Assim, todos os Atos Privativos de todos os profissionais não médicos da área da saúde estabelecidos em lei federal continuam valendo. O argumento de alguns, de que o novo código civil estabelece que uma lei nova tem primazia sobre uma antiga, não se aplica nesse caso, uma vez que os objetos das leis federais que criam as profissões são distintos.      No artigo 3º do referido Projeto de Lei do Ato Médico ficam preservadas todas as funções dos demais profissionais da saúde dentro de suas respectivas áreas de atuação. Estabelece esse artigo que: “são privativas do médico as funções de coordenação, chefia, direção técnica, perícia, auditoria, supervisão e ensino vinculadas, de forma imediata e direta a procedimentos médicos”. Sendo que no parágrafo único também é determinado que “a direção administrativa de serviços de saúde e as funções de direção, chefia e supervisão que não exijam formação médica não constituem funções privativas de médico”. Convém fazer emergir à memória a lei nº 3999 de 1961 que determina, em seu art. 15, que “os cargos ou funções de chefias de serviços médicos somente poderão ser exercidos por médicos, devidamente habilitados na forma da lei”     

Vale registrar, uma vez mais, que os outros agentes da equipe de saúde já conquistaram há tempos o que os médicos reivindicam hoje: a regulamentação de suas atribuições. Peguemos, a título de exemplo, o caso dos enfermeiros, profissão sem a qual, a assistência à saúde também seria impossível. O Artigo 11 da Lei 7.498/86 estabelece que os enfermeiros exercem todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhes privadamente: “direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de saúde, pública e privada, e chefia de serviço e de unidade de enfermagem; planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de enfermagem; e consultoria, auditoria e emissão de parecer sobre matéria de enfermagem”. Direitos similares são garantidos aos Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais no Art. 5º do Decreto-Lei 938/69 no que diz respeito ao desempenho de seus atos privativos. No artigo 2º do projeto do senador Tião Viana é determinado que: “Compete ao Conselho Federal de Medicina definir, por meio de resolução, os procedimentos médicos experimentais, os aceitos e os vedados, para utilização pelos médicos”. É importante salientar que uma resolução de um determinado Conselho não tem força legal para determinar os procedimentos dos profissionais de outros Conselhos. No seu artigo 1º o substitutivo do senador do PT estabelece que: “O médico desenvolverá suas ações no campo da atenção à saúde humana para:     I – a promoção da saúde; II – a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças; III – a reabilitação dos enfermos.”. Todos os profissionais da saúde também por força de suas leis federais desenvolvem suas ações nos três níveis de promoção à saúde, sendo que cada um atua na sua área de treinamento.     

Do projeto de lei em tela o mais contestado é o Parágrafo Único do art.1º, ao definir que “são atos privativos de médico a formulação do diagnóstico médico e a prescrição terapêutica das doenças”. Da mesma forma que cabe ao Fisioterapeuta o diagnóstico fisioterapêutico, também cabe aos médicos o direito ao diagnóstico médico. Finalmente, no artigo 4º do referido projeto de lei é proposto que: “A infração aos dispositivos desta Lei configura crime de exercício ilegal da Medicina, nos termos do art. 282 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.” A prática ilegal da Medicina, como de qualquer outra profissão da saúde, sempre foi – e continuará sendo – punida pela Justiça na esfera criminal. Esse artigo 282 prevê a pena de detenção de seis meses a dois anos, para o exercício ilegal da Medicina, Odontologia e Farmácia. Em 1940, época da criação do Código Penal, muitas das profissões atuais da área da saúde ainda não existiam. No entanto, a lei das contravenções penais de 1941 (Art. 47) já estabelecia que é crime o exercício ilegal de qualquer profissão.     

Precisamos de uma legislação punitiva clara que coíba não apenas o exercício ilegal das profissões, mas também qualquer tentativa de evitar que os Conselhos fiscalizem o exercício irregular, ilegal e/ou criminal das profissões. Na saúde essa legislação é imperiosa para que possamos evitar danos à vida que, muitas vezes, são irreparáveis. As ciências da saúde evoluem em ritmo alucinante e todos os profissionais da saúde devem atuar nos limites para os quais eles foram treinados. É importante citar que o Ministério da Educação determinou as diretrizes curriculares que definem os limites de formação de cada profissional. Apesar de complexa, as disputas entre as áreas de interface de atuação dos profissionais da saúde podem ser facilmente resolvidas, via diálogo, se as lideranças souberem respeitar dois princípios básicos.

Primeiro, nossas ações devem promover a vida saudável e preservar acima de qualquer disputa corporativista os interesses dos cidadãos. Segundo, os limites dos ATOS PRIVATIVOS de um profissional devem ser definidos pelos limites de sua formação técnico-científica.     

A Constituição Federal e as leis federais que criam as profissões determinam que todos os profissionais têm responsabilidade civil e criminal pelo exercício pleno de seus atos privativos. A cada um cabe a responsabilidade de avaliar, diagnosticar e tratar os pacientes/clientes em suas respectivas áreas de atuação. Para que assuma essas responsabilidades o profissional precisa ter acesso a todas as informações e exames necessários para formar a convicção profissional sobre o caso e como irá tratar. Também é preciso reconhecer o direito de qualquer paciente/cliente ao livre acesso aos serviços de qualquer profissional da saúde. No entanto, é preciso de muita sabedoria quando se trata de um atendimento multidisciplinar. Um paciente não pode entrar num posto de saúde ou hospital às cegas. Precisa saber exatamente qual é o papel dos profissionais médicos e não médicos que compõem a equipe multidisciplinar. Só assim terá a certeza de que está sendo atendido adequadamente e poderá exigir integralmente os seus direitos com base na clara responsabilidade de cada profissional envolvido no atendimento. Aqui não se trata de definir hierarquia de um profissional sobre outro no que diz respeito à responsabilidade pela saúde do paciente/cliente. Porém, é preciso de muita humildade e sabedoria de todas as partes envolvidas na equipe multidisciplinar, visando preservar os interesses do usuário. Existe o momento certo para cada profissional atuar. No caso eminente de risco de vida e que requer uma intervenção medicamentosa ou cirúrgica, o médico deve ser o primeiro a ser chamado para atender o usuário por deter as habilidades e competências para lidar com essas situações. No mundo moderno observa-se uma crescente sinergia entre os profissionais que compõem as equipes multidisciplinares de saúde. Por meio do diálogo os profissionais aprendem a cultivar o respeito mútuo e a admirar as habilidades e competências que cada um acrescenta à equipe de saúde. Nesse ambiente de trabalho ganham todos, os pacientes/clientes e os profissionais.    

Infelizmente a deturpação do debate sobre os ATOS PRIVATIVOS dos médicos está criando um grande antagonismo que jamais deveria existir entre os profissionais da saúde. De parceiros nos vemos transformados em inimigos e combatentes. A quem interessa toda essa desinformação? Com certeza não interessa aos profissionais da saúde e muito menos aos brasileiros usuários ou excluídos desses serviços. Setores do Governo tentam e buscam criar, na saúde, a figura de um tal de “multiprofissional”; este profissional não existe, mas sim a soma de conhecimentos de todas as profissões que devem estar dispostas segundo o grau de complexidade que necessita a saúde da população. Esta iniciativa afronta os atos privativos de todos os profissionais em detrimento da qualidade da saúde da população. O objetivo é apenas o de reduzir custos da saúde às expensas da qualidade sofrível, e sem considerar se os resultados serão bons ou catastróficos para a população, que é quem deve merecer, realmente, a atenção de todos nós. O corpo humano é sagrado e não deve ser objeto de experimentalismo político. O governo brasileiro é o terceiro maior arrecadador de impostos no mundo e, infelizmente, uma grande proporção da nossa população continua sem acesso aos serviços dos profissionais da saúde. Para piorar ainda mais esse quadro, os profissionais da saúde também são mal remunerados.      

Não podemos, sob hipótese alguma, compactuar com os que defendem a posição puramente mercantilista, segregacionista e repleta de preconceitos. Por questão de princípio e até para fazer valer a Constituição Federal, não admitimos uma assistência de parcos recursos para os brasileiros, só porque somos cidadãos de um país abaixo da linha do equador! Queremos cada agente da equipe de saúde, médicos e não médicos, valorizados e cumprindo seus papéis de fato, oferecendo o melhor atendimento aos cidadãos. O governo tem sido bastante eficiente na coleta dos recursos (impostos) para dar saúde de qualidade à população, basta aplicá-los com eficiência administrativa. A Alemanha e o Canadá são apenas mais dois exemplos de que é possível prover serviços de saúde decentes à população, inclusive cobrando menos impostos de seus cidadãos do que se cobra no Estado brasileiro.

* É presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo;
** É presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 3ª Região (Estado de São Paulo).

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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