Escrito por Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*

 

Para não serem vítimas da omissão do Estado, mais de 50 milhões de brasileiros, sob hipotética cobertura de planos e seguros, submetem-se ao trato comercial da saúde.

Assim, mercantilizada, a relação médico-paciente, antes de crédito e de respeito, assumiu o estigma da insegurança e da suspeição.

Nesse meio mercantil, voltado ao lucro, foram criados termos condizentes com a sua essência ou natureza, mas, impróprios aos compromissos hipocráticos.

O médico passou a ser chamado de prestador de serviços, a sua área de labor reputada como mercado, o paciente foi cognominado de usuário e os contratos, das relações profissionais com intermediadores, receberam a alcunha de pacotes.

Porém, não só a prática, também o ensino da medicina encontra-se embrulhado em pacotes, disponível nas prateleiras e nos balcões dos mercados, com boas oportunidades de negócios ao explorador da vida e da morte, para quem nada significam as dores alheias.
De fato, a lógica do mercado alcançou o ensino da medicina, com decorrentes ações predatórias da formação profissional. Há dois anos, o então ministro da Educação, Aloisio Mercadante, foi a primeira autoridade a admitir a existência dessa nociva interferência.

Em reportagem sobre novas regras para abertura de escolas médicas, publicada na Folha de S. Paulo, ele declarou: “Essa lógica não assegura necessariamente o interesse público da sociedade. O interesse da instituição pode ser do mercado de medicina, mas não do interesse público no sentido de boas práticas médicas, com equipamentos disponíveis. (…) O balcão [para pedidos de criação de vagas] fechou”.

O discurso do Ministro conduz a uma simples dedução: os critérios utilizados, para autorização de um curso de medicina, eram direcionados ao gaudio empresarial em detrimento dos legítimos interesses sociais, éticos e morais.

São desconhecidos, até hoje, os mecanismos de funcionamento do “balcão” denunciado pelo Ministro Mercadante, que, logo em seguida a sua denúncia, anunciou rígidas diretrizes para correção das distorções. Não obstante, nada mudou; o número de escolas de medicina abertas sem maior reverência às exigências continua a aumentar, trazendo mais riscos ao ético exercício da profissão.

Das 256 escolas já autorizadas a funcionar no País, 130 foram abertas a partir de 2003, e destas 89 são privadas (69%). Nos dois mandatos presidenciais de Dilma Rousseff foram abertas 48 escolas privadas, ou seja, paradoxalmente autorizadas em uma gestão que revelou com uma metáfora – balcão – a realidade de um obstáculo às boas práticas médicas.

Nessas instituições privadas, as mensalidades atingem a cifra de R$ 11 mil e ficam na média de R$ 5,4 mil. Como oferecem, em média, 90 vagas por turma, a receita por mês pode ser estimada em R$ 2,4 milhões.

O privilégio dos anseios empresariais por lucro exorbitante deve ser o motivo das grandes pressões políticas para as autorizações de escolas de medicina, desrespeitosas das regras do próprio Ministério da Educação (MEC), até mesmo, em regiões sem estrutura compatível com um ensino complexo, que requer habilidades e competências a serem adquiridas em campo de prática dotado de condições especiais.

O MEC, com a Portaria nº 13/2013, definiu critérios para um município sediar uma escola médica. Entre outros pontos precisam: apresentar número de leitos SUS por aluno em proporção maior ou igual a cinco; número de alunos por equipe de atenção básica menor ou igual a três; possuir hospital de ensino e ter estrutura de urgência e emergência. No entanto, constata-se que muitos municípios e instituições de ensino se mantêm indiferentes a essas exigências, bem como as necessidades de oferta de um plano pedagógico e instalações adequadas, laboratórios e bibliotecas bem montados, e um corpo docente qualificado.

Com tais deficiências, essas escolas apostam na conivência ou na incapacidade de fiscalização do MEC, que sem orçamento e técnicos suficientes joga os sonhos dos estudantes e de suas famílias, a segurança do paciente e a proficiência médica, na vala comum das temeridades e das frustrações.

A citada incapacidade fiscalizatória é notória na Portaria do MEC nº 40/2007, que permite a expedição e registro de diplomas de egressos das escolas médicas, após cinco anos de atividades dessas instituições, sem o devido reconhecimento ministerial.

Portanto, pelos ditames dessa Norma, a sociedade deve se resignar com o exercício da medicina com origem em ensino-aprendizado deficitário e aceitar os consequentes riscos aos bens, de valor absoluto, envolvidos na prática médica.

Não por mera coincidência ou semelhança, essa Norma do MEC, reproduz na área do ensino da medicina a perversa incoerência da Vaga Zero (criada pela Portaria nº 2048/2002, do Ministério da Saúde), que obriga os serviços de urgência e emergência a internarem pacientes mesmo sem ter condições, impondo, em várias circunstâncias, a terrível “Escolha de Sofia”, a mesma escolha entre os náufragos daquele que ocupará o último lugar disponível no escaler da vida.

Ambas as Normas, representam a falência das políticas públicas para a assistência à saúde e a formação de médicos, seja por conta do subfinanciamento, da má gestão ou da falta de monitoramento, avaliação e controle de resultados. Não há dúvidas que esta realidade é inadmissível, destituída de razão, apenas com alicerce em ganhos empresariais e projetos político-partidários.

Neste sentido, durante o VI Fórum de Ensino Médico, previsto para 27 e 28 de agosto, em Brasília, serão realizados debates organizados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Ensino Médico (Abem), com 500 especialistas em busca de propostas concretas e destinadas à consecução do interesse público e ao protagonismo da sociedade na erradicação deste processo de comprometimento da formação dos médicos, tanto na graduação quanto na Residência Médica. Desta forma, determinando-se a extinção de um “balcão de negócios” que causa imensuráveis prejuízos à Saúde, ao ensino e à prática da Medicina.

Em mais uma postura antagônica ao império da lógica de mercado no ensino e na prática da Medicina, o CFM ainda desenvolve estudos jurídicos para o ingresso com ações civis públicas na Justiça, em situações específicas e pertinentes, às atitudes das personalidades que exploram a dor, o infortúnio e a doença!

 

* É presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM). Palavra do Presidente publicada na edição nº 246 do Jornal Medicina.

 

  
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