No Brasil, em especial para a população que depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), o ato de nascer pode ser sinônimo de tensão e riscos, com possibilidade de comprometimento do bem-estar e da vida da mãe e de seu filho. Infelizmente, no País, os serviços públicos que oferecem assistência obstétrica e pediátrica no nascimento enfrentam problemas estruturais que começam na fase do pré-natal e se estendem até o pós-parto.
Dados apurados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a partir de informações oficiais do Governo Federal, confirmam a dimensão desse gargalo no atendimento a gestantes, parturientes e seus bebês. De acordo com o trabalho, que traz números recentes e atualizados, o Brasil possui 5.878 leitos obstétricos a menos, na rede pública, do que o preconizado pelo próprio Ministério da Saúde, por meio da Rede Cegonha.
Instituída em 2011, a Rede Cegonha é a estratégia do Governo responsável por organizar o provimento contínuo de ações de atenção à saúde materna e infantil no SUS. Para calcular o número de leitos necessários, leva em consideração somente a população usuária do SUS e que não tem plano de saúde – conforme descrito na Portaria nº 650/11, da Secretaria de Atenção à Saúde.
Pelo parâmetro, atualizado em 2011, o SUS deveria dispor de pelo menos 45.207 leitos dessa especialidade – mas o número não atinge a marca de 40 mil unidades. O Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Brasil (CNES) destaca que São Paulo é o estado que apresenta o maior déficit de leitos obstétricos do País: 2.372 abaixo do mínimo preconizado pela Rede Cegonha.
Na sequência, estão: Minas Gerais (-1.473), Rio de Janeiro (-802), Rio Grande do Sul (-450) e Santa Catarina (-341). Pará (-266), Goiás (-265) e Sergipe (-186) ocupam, nessa ordem, a sexta, a sétima e a oitava posição entre os estados brasileiros com maior déficit.
Do ponto de vista regional, o Sudeste apresenta o maior déficit acumulado, ou seja, 82% do total de 5.878 leitos que faltam no Brasil. As regiões Centro-Oeste e Norte têm, respectivamente, 375 e 216 leitos obstétricos abaixo do mínimo. Apenas o Nordeste é exceção.
No Centro-Oeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm déficit, assim como Goiás. Já o Distrito Federal dispõe de 611 leitos obstétricos – 27 acima do mínimo. No Norte, a carência é mais expressiva no Pará, seu estado mais populoso. No Amazonas, que tem 4 milhões de habitantes, há 1.014 leitos, ou seja, 16 acima do mínimo recomendado.
O Nordeste, apesar de ter 360 leitos acima do mínimo estabelecido pela Rede Cegonha, apresenta expressiva má distribuição entre estados, capitais e municípios. Piauí e Rio Grande do Norte exemplificam essa distorção. Apesar de juntos terem 514 unidades acima do mínimo, aproximadamente 1/3 dos leitos obstétricos está concentrado nas capitais – em detrimento da oferta de assistência nos mais de 150 municípios que cada estado possui.
Outro fator que afeta a assistência às mães e seus filhos é a dificuldade do acesso ao pré-natal na rede pública. Mesmo sendo considerado fundamental à saúde materno-infantil, não são todas as mulheres que conseguem ser atendidas. O Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) indica que, somente em 2016, 609.996 bebês nasceram sem que as gestantes tivessem realizado exames e consultas de modo adequado antes do parto.
Esse cenário exige providências urgentes por parte do Governo. A população e os médicos precisam contar com mais investimentos e uma gestão eficiente que consiga equacionar essas dificuldades, o que, certamente, reduzirá os indicadores de morbidade e de mortalidade materna e neonatal. No Brasil, o momento sublime do nascimento precisa ser tratado de forma prioritária, com respeito e dignidade.
* É presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)
Palavra do Presidente publicada na edição nº 292 do jornal Medicina. Acesse aqui a publicação.