Escrito por Catherine Rampell*

 

Milhares de médicos imigrantes, graduados no exterior e que atualmente residem nos Estados Unidos, têm suas competências não postas em prática por esbarrarem em diversos obstáculos na trajetória para se tornar um médico licenciado no país.

As avaliações envolvidas e treinamentos frequentemente repetidos os quais estes médicos têm de passar objetivam a garantia de adequação aos elevados padrões de qualidade deste país, aos quais alguns grupos da Indústria Médica Americana referem-se como inigualáveis a nenhum outro país do mundo. Alguns especialistas em desenvolvimento são relutantes em facilitar, demasiadamente, a prática dos médicos estrangeiros no país pelo risco de uma “evasão de talentos” no exterior.

Mas muitos médicos estrangeiros e seus advogados argumentam que o processo é desnecessariamente restritivo e demorado, particularmente porque a necessidade de médicos nos EUA irá se expandir drasticamente em poucos meses, considerando a nova Lei da Saúde, sancionada pelo presidente Obama. Eles ressaltam que os serviços médicos custam muito mais nos Estados Unidos do que em outros lugares do mundo, em parte por tais restrições.

Os Estados Unidos já enfrentam escassez de médicos em muitas partes do país, especialmente nas especialidades onde os médicos estrangeiros estão mais propensos a trabalhar, como a Saúde Básica. Esta escassez ficará exponencialmente maior, predizem estudos, uma vez que a nova Lei da Saúde passará a cobrir milhões de americanos a partir de 2014.

A nova Lei aumenta modestamente o fornecimento de médico clínico geral, mas não o suficiente para dar conta do déficit, e mesmo este pequeno impacto ainda está há alguns anos de ser percebido, visto que se leva muito tempo para o treinamento de novos médicos. Os advogados dos imigrantes e alguns economistas apontam que a força de trabalho médica poderia crescer de forma muito mais rápida se o país fizesse uso das competências subaproveitadas de médicos graduados no exterior, que já estão no país, mas não estão autorizados a exercer suas funções. O Canadá, ao contrário, tem feito esforços para reconhecer os programas de treinamento de qualidade feitos no exterior.

“Não custa nem um centavo aos contribuintes, porque esses médicos estão totalmente capacitados”, disse o indiano Nyapati Raghu Rao, presidente da área de Psiquiatria do Centro Médico da Universidade de Nassau, e ex-presidente do Conselho gerido por graduados internacionalmente em medicina, da Associação Médica Americana. “É duvidoso que os EUA possam responder à escassez maciça sem a participação de médicos graduados internacionalmente. Mas estamos basicamente ignorando esta discussão e eu não sei por que isso acontece.”

Considere Sajith Abeyawickrama, 37 anos, um anestesista famoso em sua terra natal, o Sri Lanka. Mas aqui nos Estados Unidos aonde, em 2010, chegou para se casar, não pode exercer sua profissão.

Ao invés de trabalhar como médico, ele exerceu uma série de trabalhos na indústria médica, incluindo uma posição não remunerada, onde registrava os dados do paciente no sistema de prontuário eletrônico do hospital e, mais recentemente, uma posição remunerada ensinando em um curso preparatório para estudantes que fazem provas de licenciatura médica.

Durante anos, os Estados Unidos vêm treinando poucos médicos para atender suas próprias necessidades, em parte por causa dos limites estabelecidos da indústria sobre o número de vagas disponíveis em faculdades de Medicina. Hoje, cerca de um em cada quatro médicos que exercem suas funções nos Estados Unidos foram treinados no exterior, um contexto que inclui um número substancial de cidadãos americanos que não puderam entrar na faculdade de Medicina em seu país, e acabaram estudando em lugares como o Caribe.

Mas os médicos imigrantes – não importa quão experiente e bem treinado, devem percorrer um longo, dispendioso e confuso caminho antes que possam realmente exercer a profissão aqui.

O processo geralmente tem início com a candidatura em uma organização privada sem fins lucrativos, que verifica históricos escolares e diplomas médicos.
Entre outros requisitos, os médicos estrangeiros devem provar que falam inglês; passar por três etapas distintas do Exame de Licenciamento Médico dos Estados Unidos; obter cartas de recomendação americanas, geralmente obtidas após trabalho voluntário ou em um hospital, clínica, ou centro de pesquisa; e ser residente permanente ou ter um visto de trabalho (que muitas vezes os obrigam a retornar ao seu país de origem após a sua formação).

O maior desafio é que um médico imigrante deve ganhar uma das mais cobiçadas vagas no sistema americano de residência médica, a etapa que parece ser a mais difícil.

A residência, o que normalmente envolve 80 horas de trabalho semanal, é necessária mesmo que o médico tenha feito, anteriormente, residência em um país com sistema de saúde avançado, como o Reino Unido ou o Japão. A única exceção é para médicos que fizeram sua residência no Canadá.

Todo o processo pode levar mais de uma década – para aqueles poucos sortudos que conseguirem percorrer toda a trajetória.

“Levei o dobro do tempo que imaginava levar, já que ainda tinha que trabalhar enquanto estudava para pagar o visto, que foi muito caro”, disse Alison Sombredero, 33 anos, especialista em HIV, que veio da Colômbia para os Estados Unidos em 2005.

Dra. Sombredero passou três anos estudando para as provas de licença americana, reunindo cartas de recomendação e voluntariando sem remuneração em um hospital. Ela sustentou-se durante esse tempo trabalhando como babá. Após este período, passou três anos em residência médica no Highland Hospital, em Oakland, Califórnia, e um ano em um setor de HIV no hospital Geral de São Francisco. Ela finalmente terminou o seu estágio neste verão, oito anos depois de ter chegado aos Estados Unidos e 16 anos depois de ter se matriculado pela primeira vez na faculdade de medicina.

Dra Sobredero foi ajudada durante todo este processo pela Iniciativa Welcome Back (Bem-vindo de volta), uma organização que começou há 12 anos como parceria entre a Universidade do Estado de São Francisco e a Faculdade da Cidade de São Francisco. A organização tem trabalhado com cerca de 4.600 médicos em seus centros em todo o país, de acordo com o seu fundador, José Ramón Fernández-Peña.

Apenas 118 destes médicos, disse ele, conseguiram com sucesso chegar à residência.

“Se eu tivesse que sequer pensar em passar pela residência agora, eu me mataria”, disse Dr. Fernández-Peña, que veio do México para os Estados Unidos em 1985, e preferiu nem mesmo tentar tratar de pacientes por saber o que o processo de licença requer. Hoje, além de conduzir a Iniciativa Welcome Back ( Bem-vindo de volta), ele é professor associado do Estado de São Francisco para a educação de saúde.

Um contra-argumento que venha a facilitar aos médicos estrangeiros exercerem suas funções nos Estados Unidos – desconsiderando a preocupação sobre controle de qualidade – é que isso vai atrair mais médicos de países pobres. Esses lugares frequentemente pagaram para a formação médica com recursos públicos, supondo que estes permaneçam no país.

“Nós precisamos nos afastar de nossa impressionante dependência de importar médicos dos países em desenvolvimento”, ressaltou Fitzhugh Mullan, professor de medicina e política da saúde da Universidade George Washington, em Washington. “Nós não podemos dizer a outros países para cravar os pés de seus médicos em seu chão. As pessoas vão querer se mudar e elas podem ser capazes disso. Mas criamos aqui um amplo mercado por subcapacitar futuros profissionais, e os países em desenvolvimento respondem a isso.”

Cerca de um em cada 10 médicos formados na Índia deixaram o país, foram os dados de um estudo de 2005, e o valor está próximo a um em cada três, para Gana. (Muitos se mudaram para a Europa ou outros países desenvolvidos, além dos Estados Unidos).

Ninguém sabe exatamente quantos médicos imigrantes não atuantes estão nos Estados Unidos, mas alguns outros dados oficiais fornecem uma pista. Anualmente, a Comissão de Educação para médicos formados no exterior, uma organização sem fins lucrativos, elimina cerca de 8.000 médicos imigrantes (não incluindo os cidadãos norte-americanos que estudam em faculdades de medicina no exterior) que se candidatam ao sistema nacional de residência. Normalmente, cerca de 3000 médicos alcançam com sucesso uma vaga de residência, principalmente preenchendo as vagas menos desejadas em hospitais comunitários, locais não populares e em especialidades menos lucrativas, como clínico geral.

Nos últimos cinco anos, uma média de 42,1 por cento dos médicos imigrantes formados no exterior que se candidataram a residências através do sistema nacional obtiveram êxito. Isso se compara a uma taxa média de 93,9 por cento para os formandos de faculdades médicas tradicionais da América.

Mr. Abeyawickrama, o anestesista de Sri Lanka, não conseguiu entrar por três anos consecutivos, ele culpa as notas baixas nos testes. A maioria dos médicos estrangeiros passam vários anos estudando e fazendo suas provas para obter licença, as quais os médicos norte-americanos formados também fazem. Ele disse que não sabia disso, e equivocadamente pensou que seria mais rápido fazer todas as três em um espaço de tempo de sete meses desde a sua chegada.

“Essa foi a coisa mais tola que eu já fiz na minha vida”, diz ele. “Eu tinha o conhecimento, mas não sabia a arte das provas aqui”.

Mesmo com preparação inadequada, ele passou, embora com notas muito baixas na maioria dos programas de residência. Mas, como prova de seu talento, recentemente ganhou uma bolsa de dois anos de pesquisa na prestigiada Clínica de Cleveland, esperando que este trabalho lhe traga motivação para o programa de residência e, assim, supervisionar os resultados dos seus testes da próxima vez que ele se candidatar.

“Depois que eu terminar minha bolsa em Cleveland, em um dos melhores hospitais da América, espero que algumas portas se abram para mim”, disse ele. “Talvez então eles olhem para a minha pontuação e percebam que elas não retrataram o meu verdadeiro conhecimento”.

É provável que a taxa de residência para imigrantes caia ainda mais nos próximos anos. Isso pelo número de faculdades médicas americanas credenciadas e, por consequencia, o número de estudantes americanos de medicina aumentou substancialmente na última década, enquanto o número de vagas de residência (a maioria dos quais é subsidiada pelo Medicare) ficou praticamente estável desde que o Congresso efetivamente congelou o financiamento para residência em 1997.

Os especialistas dizem que várias coisas poderiam ser feitas para facilitar o processo para os médicos formados no exterior a exercerem sua profissão aqui, incluindo acordos de reciprocidade para com licenças, mais residências americanas e talvez mais curtas, ou o reconhecimento de pós-graduação de outros países avançados.

O Canadá fornece a comparação mais famosa. Algumas províncias canadenses permitem que médicos imigrantes pratiquem medicina familiar sem fazer  residência Canadense,  normalmente se fizeram um trabalho semelhante de pós-graduação nos Estados Unidos, Austrália, Grã-Bretanha ou Irlanda. Há também isenção de residência para alguns especialistas provenientes de programas específicos de treinamento no exterior, considerados semelhantes aos do Canadá.

Como resultado, muitos (algumas estimativas sugerem que praticamente metade) dos médicos formados no exterior atualmente vindo para o Canadá não precisam refazer a residência, comentou Dr. Rocco Gerace, o presidente da Federação das Autoridades Médicas Reguladoras do Canadá.

Nos Estados Unidos, alguns médicos estrangeiros trabalham como garçons ou taxistas, enquanto passam pelo processo de licença. Outros decidem usar suas habilidades para se tornar um outro tipo de profissional de saúde, como enfermeiro ou médico assistente, adotando carreiras que exigem menos anos de formação. Mas esses caminhos também apresentam obstáculos.

O mesmo é válido para outros profissionais médicos altamente especializados.

Hemamani de Karuppiaharjunan, 40 anos, era uma dentista na Índia, sua terra natal, a qual deixou em 2000 para juntar-se ao marido, nos Estados Unidos. Ela achou que voltar para a faculdade de odontologia nos Estados Unidos enquanto criava duas crianças pequenas consumiria muito tempo e dinheiro. Ao invés disto, ela se matriculou em um programa de higiene dental de dois anos, na Faculdade da Comunidade de Bergen, em Paramus, NJ, o que lhe custou 30 mil dólares ao invés de 150.000 dólares, que ela precisaria para frequentar uma faculdade de odontologia. Ela se formou em 2012 em um dos primeiros lugares de sua turma e ganha 42 dólares por hora atualmente, cerca de metade do que ela poderia ganhar como dentista na sua área.

A perda de status foi difícil.

“Eu raramente falo sobre isso com os pacientes”, disse ela. Quando ela menciona sobre seu passado, eles costumam expressar empatia. “Estou feliz que minha educação ainda é respeitada nesse sentido, que as pessoas reconhecem o que eu fiz, embora eu não possa praticar a odontologia”.

 

* É jornalista de economia e escreve para o jornal norte-americano The New York Times, onde o artigo foi veiculado em 11 de agosto de 2013.

 
    

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