Escrito por Eleuses Vieira de Paiva*
Neste 18 de outubro, data comemorativa do Dia do Médico, podemos garantir que a categoria atingiu um número significativo, e talvez inimaginável, de profissionais em atividade no país: hoje já somamos mais de 300 mil médicos em atividade e a cada ano as atuais 152 faculdades de medicina existentes no país colocam no mercado mais de 12 mil novos profissionais, a maioria, lamentavelmente, sem a qualificação necessária para o exercício da profissão, num jogo político que tenta associar o número de médicos formados à melhoria na qualidade de assistência à saúde da população.
É um número excessivo e altamente preocupante, pois dados da Comissão Nacional de Residência Médica indicam que cerca de 40% dos médicos formados no país não têm condições de fazer residência, estágio ou especialização, já que não existem vagas suficientes para todos, e os programas não chegam a 50% da qualificação dos exigidos em países do primeiro mundo. Não se leva em conta que médicos mal formados são um risco à população. Uma pesquisa nos Estados Unidos atribuiu ao erro médico a quinta causa de morte, entre outras doenças, no país. Se o erro médico tem nos EUA expressão tão significativa, qual seria a sua dimensão no Brasil? Não dispomos de números para esta resposta, mas temos em nosso país uma realidade que combina ingredientes altamente explosivos para esta ocorrência: a formação médica deficiente e um sistema de saúde inoperante.
Assim, entendemos que é necessária e urgente uma ampla avaliação da qualidade do ensino médico brasileiro, pois a maioria das escolas atua de forma tímida e ineficaz. A inquietação é que, qualificados ou não, farão parte de um mercado de trabalho rude, marcado pela insensatez. Na área pública, descaso governamental, profissionais insatisfeitos e mal remunerados, falta de verba, leitos e medicamentos, sustentando um caos ético e moral. Nas mãos de empresários inescrupulosos, medicina e saúde vêm sendo tratadas pelo setor privado como mercadoria e fonte de lucro à custa da exploração dos prestadores de serviços, médicos e pacientes.
Diante desses modelos extremamente predatórios à dignidade médica, não nos causaram surpresa os dados fornecidos pelo levantamento O Médico e seu Trabalho, resultado da Pesquisa sobre Qualificação, Trabalho e Qualidade de Vida do Médico, realizado pelo Conselho Federal de Medicina, em 2004, que apresentou o mais recente censo sobre o número de médicos no país. No ano passado, os dados revelavam a existência de 292.805 profissionais em atividade, ou seja um médico para cada 725 habitantes, concentrados nas capitais e na região Sudeste. Outro número alarmante constatado pela pesquisa: quando perguntados sobre o futuro da profissão, 45,7% dos entrevistados responderam com pessimismo.
Esses números apenas constatam que hoje a classe médica, em sua maioria, encontra-se desmotivada, desvalorizada, e, por vezes, constrangida de não poder exercer a profissão em sua plenitude em virtude dos modelos econômicos tão preponderantes em nosso tempo. O ato médico não deve ficar restrito a um mero item de planilha de custo. É insubstituível seu papel na preservação da vida e aí encontram-se a velha essência e a humanização da nossa profissão. Apesar desses percalços, a medicina, como já dizia Hipócrates, continua sendo a mais bela das artes, de nobreza e missão com certeza inigualáveis. Acreditando que o médico não pode negar a sua vocação, nem render-se aos desafios à profissão, a AMB, o seu conjunto de Sociedades de Especialidade e o Conselho Federal de Medicina trabalharam este ano com afinco na elaboração de um processo perene de educação médica continuada, cujo início se dará no próximo ano.
Atualmente, quase a metade dos médicos brasileiros possui Título de Especialista. Eles se distribuem por 53 especialidades e constituem a porção mais preparada da classe médica brasileira em termos assistenciais. É notório que o conhecimento médico cresce vertiginosamente e que aumentou em mais de sete vezes nos últimos 20 anos. Há informações surgindo a todo momento, drogas e medicamentos recém-descobertos, novas formas de diagnóstico e tratamento – o que obriga a uma permanente atualização para benefício do atendimento ao paciente.
A Medicina é uma profissão na qual o aprimoramento está estreitamente ligado ao melhor atendimento e a um melhor modelo assistencial. É claro que a revalidação periódica de Títulos obtidos no passado não é a única nem a mais eficiente forma de preparar melhor o médico. Ela faz parte de um conjunto de medidas que inclui não só uma adequada educação continuada após a graduação, mas também uma boa formação nas escolas médicas, etapa fundamental que, infelizmente, como já dissemos, tem deixado muito a desejar. Acreditamos que a classe médica tem em mãos uma oportunidade ímpar de dar um exemplo de preocupação com a qualificação continuada de seus pares. Caberá aos próprios médicos e às Sociedades de Especialidade conduzir bem esse processo. Valorizá-lo, por um lado, e torná-lo acessível, de baixo custo e competente, por outro, são os desafios futuros. Com certeza os pacientes agradecerão e aí sim os médicos continuarão tendo um real e digno motivo para comemorar não apenas este, mas muitos outros 18 de outubro.
* É presidente da Associação Médica Brasileira.
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