Apenas 20% das faculdades de medicina brasileiras estão em municípios que atendem todos os critérios considerados ideais pelas entidades médicas. No caso das escolas abertas entre 2011 e o primeiro semestre de 2021, esse percentual baixa para 10%. Esses dados foram mostrados pelo conselheiro federal do CFM Júlio Braga em audiência pública na Câmara dos Deputados no dia 2 de setembro. O evento, realizado de forma online e coordenado pelo deputado Zacharias Calil (DEN/GO), teve o objetivo de debater “A qualidade do ensino nos cursos de medicina no Brasil” (acesse aqui).
Em sua apresentação, Júlio Braga, que também é coordenador da Comissão de Ensino Médico do CFM, fez uma explanação do estudo Radiografia Médica (acesse aqui), produzido pelo CFM, com dados sobre a infraestrutura das faculdades de medicina no Brasil. O estudo mostra que o Brasil tem 353 faculdades de medicina, sendo que 173 delas foram abertas entre 2011 e 2021. “É um número absurdo, podemos imaginar a falta de professores e de estrutura nessas escolas”, argumentou Júlio Braga.
De acordo com as portarias do Ministério da Educação nº 2/2013 e 13/2013, posteriormente revogadas, as condições prévias para o funcionamento das escolas seriam: cinco ou mais leitos públicos por aluno; no máximo três estudantes por equipe de saúde; um hospital com ao menos 100 leitos disponibilizados para o curso e um hospital de ensino. “Eram pré-requisitos essenciais, posteriormente flexibilizados pelo MEC. Isso facilitou muito a abertura dos cursos de forma descabida”, denunciou o conselheiro Braga.
No Brasil existem 116 hospitais de ensino, mas eles estão distribuídos de forma irregular, com mais da metade das escolas médicas localizadas em municípios sem a existências dessas unidades de educação.
Egressos- Devido ao grande número de escolas, o país tem um alto número de egressos. Atualmente, são dez médicos recém-formados para cada 100 mil habitantes. “É um número maior do que países desenvolvidos”, afirmou Júlio Braga. EUA (7,8), Chile (8,8) e Canadá (7,7), foram alguns exemplos apresentados durante a audiência. Segundo o conselheiro, ainda há uma previsão de aumentar esse número de egressos em 2025, 18 médicos para cada 100 mil habitantes.
A antevisão dessa quantidade de egressos para 2025, colocará o Brasil em terceiro lugar no ranque dos países que mais formam médicos por habitante, ficando atrás somente da Irlanda e da Dinamarca. “Consideremos que esses países possuem uma outra situação, campus de estágio, estrutura e as escolas não foram abertas de forma açodada como foi feito no Brasil, de modo que vamos formar muitos e talvez formemos mal”, complementou o conselheiro.
Júlio Braga também falou sobre as avaliações das escolas de medicina. Ele mencionou o Sistema Nacional de Avaliação de Educação Superior (SINAES), criado por lei, que prevê punições para o caso de resultados insatisfatórios durante a análise da instituição. “Infelizmente não vemos as penalidades sendo aplicadas, de forma que os cursos continuam abrindo, sem que ofereçam uma educação adequada”, complementa.
Por esse motivo, o CFM criou o Sistema de Acreditação de Escolas Médicas (SAEME-CFM) (acesse aqui). “Não é obrigatório, o Conselho Federal apenas quer dar essa garantia de qualidade aos cursos de medicina”, esclarece. O SAEME é reconhecido pela World Federation of Medical Education como adequado para avaliar os cursos do Brasil. “Os cursos aprovados com essa acreditação poderão ter o reconhecimento internacional”. Júlio Braga explicou que alguns países vão exigir que os médicos que queiram trabalhar no exterior tenham se formado em escolas acreditas por esse tipo de sistema.
Também existe a possibilidade de se avaliar os egressos. Braga explicou, que na Lei do Mais Médicos havia uma previsão de um teste nos médicos recém-formados, porém, ficou a critério do Ministro da Educação optar pelo método. “O CFM se propõe a realizar, durante e ao final do curso, uma avaliação nacional que garanta a qualificação profissional desses alunos”, expôs ele.
Revalida- “Nada adianta esse nosso esforço para garantir a qualidade dos formados aqui no Brasil se não garantirmos também a capacitação de portadores de diploma obtidos no exterior”, defendeu Júlio Braga. Ele explicou que os legisladores desejavam criar um modelo único de avaliação com a Lei nº 13.959/19. “Esse tipo de sistema é reconhecido e não há críticas enquanto as qualificações dos métodos”, acrescentou ele.
Nas considerações finais, o conselheiro afirmou que uma forma de combater a falta de infraestrutura nas escolas médicas é o exame dos egressos. Mostrou que, segundo os dados levantados pelo Datafolha para o CFM, 85% da população apoia esse exame para os recém-formados. “Eu acho que o método mais fácil é a aplicação de teste em egressos, a população apoia, a categoria médica também e eu creio que os nossos representantes na Câmara dos Deputados e no Senado venham acatar essa vontade popular”, finalizou.
Participantes- Além do conselheiro Júlio Braga, também participaram o César Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB); Cristiane Lepiane, diretora de Regulação e Supervisão da Educação Superior- MEC; Hélio Angotti, Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde- Ministério da Saúde; Dr. José Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM); Dr. Lincoln Ferreira, presidente da Confederação Médica Ibero-Latina-Americana e do Caribe (CONFEMEL); Dr. Márcio Ferreira, presidente da Associação dos Estudantes de Medicina do Brasil (AEMED-BR); Mayara Pinheiro, Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde- Ministério da Saúde; Dr. Rafael de Souza, Diretor de Ensino Médico da AEMED-BR; e Sérgio Santos, Diretor de Desenvolvimento da Educação em Saúde- Ministério da Educação.