“Vivenciamos a mistanásia, ou seja, a morte por falta de recursos no socorro necessário aos cidadãos.”
Luiz Ernesto Pujol (*)
A antiga preocupação dos que trabalham na área da saúde pública, no que diz respeito à qualidade dos serviços de atenção aos pacientes do Sistema Público de Saúde, transformou-se em desespero frente à atual situação caótica, em que o despreparo administrativo do atual governo federal levou as instituições prestadoras de serviços a uma insustentável manutenção dos atendimentos para recuperação da saúde da população.
Descabidas políticas públicas na área da saúde, autoenganadoras e baseadas em estatísticas maquiadas com cunho puramente eleitoreiro, acompanhadas de declarações governamentais desconexas, determinaram a total disfuncionalidade dos servidores do SUS em todos os níveis. Notório é o baixo investimento econômico, e tão mais baixa é a ineficiência nas áreas de gestão, com medíocres projetos de caráter imediatista, que levam a resultados pífios, mascarados de essenciais, quando, na verdade, são transitórios e ineficazes a médio e longo prazos.
Médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, serviços de apoio diagnóstico e ainda empresas e indústrias de equipamentos e manutenção foram colocados em falsas especulações midiáticas como os responsáveis pelos desequilíbrios que levaram à queda na quantidade e na qualidade dos atendimentos nos hospitais e santas casas de todo o país. No entanto, honrando suas profissões, todos mantiveram-se em seus postos, servindo aos doentes dentro do que era humanamente possível fazer perante a exiguidade de materiais e medicamentos que lhes eram disponibilizados, mesmo correndo riscos éticos, técnicos e legais de seus labores, além de se tornarem vítimas de agressões verbais e físicas por parte de pessoas que se mostram irascíveis frente às dificuldades de serem atendidos em suas necessidades.
Esses profissionais deparam com situações calamitosas e vivenciam casos de “eutanásia social”, conhecida como mistanásia, ou seja, a morte por falta de recursos no socorro necessário – e que seria evitável se tais recursos estivessem prontamente disponíveis. Essa mistanásia é fruto da semeada corrupção que graça país afora e da mediocridade administrativa dos gestores de recursos. Os bilhões de reais desviados a políticos e partidos, com a criminosa cumplicidade de alguns empresários, com certeza propiciariam condições de salvamento a muitas vidas brasileiras, assim como a capacitação verdadeiramente cidadã e adquirida profissionalmente dos responsáveis pelas políticas públicas de saúde.
Utilizando-se de suas legais prerrogativas, no ano de 2015 o Conselho Regional de Medicina do Paraná efetuou 1.305 fiscalizações em hospitais paranaenses e constatou que a maioria apresentava algum tipo de degradação física, indisponibilidade de materiais diversos e escassez de profissionais em todos os níveis. Inúmeros contatos foram mantidos com os responsáveis pelas instituições municipais, estaduais e federais em defesa da sociedade em geral e dos médicos em particular. Desses responsáveis houve a justificativa de que os repasses econômicos seguem irritantes trâmites burocráticos e amiúde insuficientes para o socorro das instituições, que deparam, cada vez mais, com a exacerbada demanda de uma população à procura da solução de seus males relativos à saúde.
Foram poucas as autoridades sensibilizadas com nossas explanações e, menos ainda, os que admitiram tratar-se de um problema econômico em decorrência de má administração superior. A postura evasiva, infelizmente, se mostrou a regra.
Considerando que é direito do cidadão brasileiro o acesso a meios que o levem à manutenção e à recuperação da saúde e que o médico é o responsável direto por isso, o CRM-PR efetuou em dezembro último o indicativo de interdição ética em três hospitais do Paraná. Este indicativo é um instrumento legal que determina que a instituição – pública ou privada – onde é inequívoca a incapacidade parcial ou total dos serviços prestados será documentalmente instada a, dentro de prazo razoável, corrigir as condições apontadas e consideradas indispensáveis à segurança dos trabalhadores e dos pacientes. Nesse documento é explicitado que a não obediência ao que foi exigido acarretará na interdição ética em si, ou seja, a instituição fechará suas portas em decorrência do vedado trabalho dos médicos ali atuantes até então.
A argumentação de alguns de que “melhor atender poucos do que não atender ninguém” não é cabível quando se trata de saúde e vidas. Em medicina não pode haver esse raciocínio. Não há “qualidade inferior” ou “maior número de atendimentos”. Há absoluta e humana necessidade de atender a todos e com a qualidade merecida pelos doentes, independentemente de suas condições sociais. Funcionar com condições físicas, materiais e de pessoal qualificado é obrigação, e às instituições cabe defender os meios para isso, ou logo estaremos tal qual o caos que assola o Rio de Janeiro.
(*) É presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná.
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