Escrito por Alfredo Guarischi*
Os vinhos de qualidade, feitos com uvas selecionadas e técnica apurada, ao envelhecerem em tonéis de carvalho, ganham vida. Os textos, feitos com palavras e técnica, deveriam ser engavetados por certo tempo, para, em releituras e correções, ganharem vida, não envelhecendo.
Após anos na gaveta, este texto não envelheceu, devido à crônica deficiência na qualidade do ensino no Brasil.
Há quase meio século, tínhamos a figura do estudante excedente: aprovado num teste de múltipla escolha, não conseguia vaga na faculdade. Ditadores da época, com critérios questionáveis, estimularam a abertura de novas faculdades, muitas em locais sem boa medicina, o que não permitiu o aprendizado amplo, pois, sendo deficiente, o sistema de saúde não alimenta o conhecimento. O governo atual repete o erro, porém de forma mais arbitrária, ao decretar um modelo único de formação profissional, decidindo que doenças diagnosticar e tratar. É como acreditar que pacientes têm rótulos ou códigos de barra.
O modelo de ensino médico está em constante debate, pois a medicina não pode envelhecer. Se é importante formar médicos cada vez mais generalistas em doenças, é imprescindível que sejam especialistas em gente. É lamentável que, a cada mudança de currículo, a formação humanista continue sendo relegada a um segundo plano.
Por outro lado, a medicina é uma arte e como tal estimula a busca de outras formas de expressão. Conheci alguns médicos que se tornaram pintores, atores ou músicos, realizando-se nessas novas atividades e deixando a medicina, após 12 anos de preparo, entre o segundo grau, faculdade e residência médica e anos de prática médica.
Teriam eles se equivocado na escolha da profissão inicial? A resposta não é simples, mas Oliver Homes (1809-1894), médico e poeta, escreveu que “A função do médico é curar. Quando ele não pode curar, precisa aliviar. E, quando não pode curar nem aliviar, precisa confortar. O médico precisa ser especialista em gente”. Ao buscar outras formas de arte, médicos continuam a curar, aliviar ou confortar.
De todas as artes, a literatura é a que por mais tempo permite que eles continuem ouvindo, pesquisando e tratando pacientes. A maioria dos escritores-médicos, micelas de células e palavras, são contadores de histórias ligadas ao exercício profissional. Em nosso meio, Drauzio Varella, Guimarães Rosa, José Camargo e Moacyr Scliar, entre outros, deixam retratos, ficcionais ou não, de momentos únicos do nascer ao morrer de enfermos, cortando palavras e costurando ideias.
Ensinar medicina como em linha de produção e apenas com livros técnicos é formar médicos analfabetos em gente. O foco do ensino em tecnologias e doenças não pode nos distanciar do aprendizado do humanismo. O importante é ensinar a pensar, muito mais do que ensinar fatos, que envelhecem. Para um maior entendimento da ampla missão do médico neste Brasil assimétrico, é preciso estimular a leitura de nossos pensadores-médicos, que não envelhecem.
* É membro da Câmara Técnica de Segurança do Paciente do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Câmara Técnica de Oncologia do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj).
* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).
* Os textos para esta seção devem ser enviados para o e-mail imprensa@portalmedico.org.br, acompanhados de uma foto em pose formal, breve currículo do autor com seus dados de contato. Os artigos devem conter de 3000 a 5000 caracteres com espaço e título com, no máximo, 60. |