Por José Serra*
Os genéricos são um caso no qual, para contrariar Nelson Rodrigues, a unanimidade não é burra. Mas o governo não tem fortalecido sua expansão
É praticamente unânime a avaliação positiva sobre a introdução dos medicamentos genéricos no Brasil, em 1999. Eles são clones dos produtos de referência, levam o nome dos respectivos princípios ativos e são mais baratos. Se o médico prescreve, por exemplo, o Nexium para combater a (minha) gastrite, a farmácia pode, legalmente, entregar o seu genérico, o esomeprazol magnésico tri-hidratado, bem mais barato (na caixa grande, economizo 40% no preço, cerca de R$ 85). É evidente, também, que a existência de vários genéricos para o mesmo produto aumenta a concorrência em preço, o que é bom para o paciente.
Os genéricos representam um caso no qual, para contrariar Nelson Rodrigues, a unanimidade não é burra. Mas nem por isso os governos petistas têm fortalecido sua expansão. Tanto é assim que a fatia dos genéricos no volume (físico) de medicamentos vendidos permanece em torno de 30%. Nos Estados Unidos, é de cerca de 60%.
Por quê? Em primeiro lugar, o governo dispensou as campanhas educativas que explicavam a vantagem dos genéricos. Em segundo lugar, fechou a área específica de aprovação de genéricos da Agência de Vigilância Sanitária. Quando deixei o Ministério da Saúde, a tramitação de genéricos consumia cinco meses. Hoje, demora seis vezes mais, apesar de a Anvisa ter três vezes mais funcionários do que quando foi criada.
A escolha da primeira diretoria da Anvisa, em 1999, baseou-se em critérios essencialmente técnicos. Nem partidos nem parlamentares me procuraram para indicar nomes. Nas gestões petistas, porém, predominou o loteamento político de cargos entre partidos –isso em detrimento da qualidade técnica da agência e, evidentemente, da lisura do seu funcionamento. Para quê serve uma nomeação política num órgão como esse senão para captar dinheiro e retribuir favores?
Até então, havíamos proibido que despachantes e intermediários cuidassem dos trâmites dos laboratórios na Anvisa. Hoje, eles operam livremente dentro da agência. Um dos seus diretores foi flagrado numa reunião com laboratórios para pedir contribuições para financiar dívidas de campanha de um deputado eleito –não por coincidência, seu padrinho político.
Os problemas provocados pelo governo vão além dos citados. Por exemplo, há um verdadeiro bloqueio para genéricos destinados a enfrentar o câncer. Trata-se de um setor de ponta, baseado na biotecnologia. Por isso, os testes de equivalência entre o genérico e o produto de referência não são iguais aos exigidos dos medicamentos comuns e é necessário que a Anvisa estabeleça os procedimentos necessários à sua operação. Pois a agência não tem conseguido dar conta desse trabalho, apesar de dispor das soluções encontradas pela União Europeia há três anos! Sem o teste, não dá para produzir genéricos e os preços de dezenas de remédios contra o câncer se mantêm nas nuvens. Não é incrível?
Mais ainda, recentemente houve uma tentativa de ataque final aos genéricos. Para compreendê-la é preciso saber que há três tipos de medicamentos no Brasil: o produto de referência (por exemplo, Nexium) e seu clone, o genérico (esomeprazol…). E existe também o “similar”, que tem nome-fantasia –por exemplo, Doril, que mistura aspirina com cafeína– e não tem equivalência com os produtos de marca. Os similares são objeto de promoções de venda, incluindo as amostras grátis para médicos. Pois bem: a ideia petista foi obrigar os similares a fazerem os testes de equivalência, mas mantendo seu nome-fantasia.
Esse modelo, que seria inédito no mundo, acabaria destroçando os genéricos, dadas as diferentes condições de concorrência e a confusão na cabeça dos consumidores. Na embalagem, os similares equivalentes teriam um carimbo: “EQ”, criado pelo PT, para disputar com o “G” dos genéricos e embelezar as campanhas eleitorais do João Santana.
Alguém duvida que uma das tarefas difíceis, mas prioritárias do próximo presidente, havendo a alternância de poder, será desfazer os nós das agências reguladoras, hoje capturadas e pervertidas pelo método petista de governar?
* José Serra, 72, foi ministro da Saúde e do Planejamento e Orçamento (governo FHC), prefeito de São Paulo (2005-2006) e governador de São Paulo (2007-2010) pelo PSDB. Artigo publicado no Jornal Estado de S. Paulo em 12/06/2014.
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