Escrito por Giovanna Trad Cavalcanti*
Diante das vantagens auferidas na constituição de uma pessoa jurídica (fins tributários, expansão do exercício da medicina, imposição das operadoras de planos de saúde, etc.) a maioria da classe médica hoje trabalha dentro dos formatos societários, materializados em clínicas, hospitais, etc. Ocorre que (por ser a atividade médica dotada de especificidades), se não houver um planejamento diferenciado e consciencioso dos termos do contrato social, os problemas poderão ser maiores que as expectativas.
No apogeu do processo de constituição da sociedade, os sócios estão em plena harmonia e, por isso, não cogitam a possibilidade de dissidências futuras. Deste modo, a construção de cláusulas tendentes a resolver eventuais pendências são relegadas. Daí surgem as controvérsias, que, em sua maioria, deságuam no Poder Judiciário.
Afora as omissões contratuais, temos visto com frequência, relevantes equívocos na elaboração das cláusulas sociais, com implicações danosas e onerosas à sociedade.
A inadequação de um enquadramento jurídico societário e a redação confusa de seu objeto social podem ser fontes de desavenças jurídicas futuras. Explica-se: Ao constituir sociedade com profissionais de categoria distinta, ou mesmo com um primo, pai, esposa, etc.. (que não tenha formação médica), o médico jamais imagina que estes comemorativos trarão ônus fiscais à pessoa jurídica. Isso porque, as sociedades uniprofissionais possuem regime jurídico diferenciado (e bastante benéfico) referente ao recolhimento do ISSQN (Imposto sobre Serviços de qualquer natureza), com abrangência em quase todos os municípios do Brasil. Ou seja, in casu, à obtenção do enquadramento excepcional apenas encontra trânsito quando a sociedade é alicerçada exclusivamente por sócios médicos.
Mas, apesar de a Ordem Jurídica dispor explicitamente sobre isso, inúmeros contratos sociais (talvez, por ausência de planejamento) pecam na formatação do tipo societário e na descrição do objeto social, inviabilizando, deste modo, o recolhimento do ISSQN na forma mais econômica.
A escolha impensada do modelo societário poderá também atingir o patrimônio dos sócios nos casos de condenação da pessoa jurídica por má prática médica.
Por fim, suscito outras questões intrincadas, que demandam esclarecimentos no contrato social, quais sejam: i) Os parâmetros de venda das quotas sociais; ii) A situação jurídica do sócio prestador de serviços após a quebra do vínculo social; iii) Substituição dos sócio administrador; iv) Fixação de diretivas específicas na apuração de haveres; v) Delimitação de conduta após falecimento do sócio: liquidação da respectiva participação societária ou entrada dos herdeiros ou legatário na sociedade?
Enfim, se fossemos elencar o cabedal de conflitos hábeis a surgir no andar de uma sociedade, despenderíamos um amontoado de letras que não comportariam no formato de um artigo. Assim, neste momento, esta não é a nossa intenção. O nosso desafio é tão somente o de ressaltar os sobressaltos que podem advir do experimento societário. Por isso, insisto que o contrato social seja confeccionado para atender às singularidades do exercício da medicina, sendo prudente a atuação de um advogado, que adequará tais necessidades às regras do Direito Pátrio. O planejamento lícito, sem dúvida alguma, desonera os ombros da pessoa jurídica e de seus sócios, sob os aspectos financeiro e organizacional, prevenindo contendas de toda ordem.
* É advogada especializada em Direito da Saúde, membro da Comissão de Saúde do Conselho Federal da OAB.
Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela UNISSUL, Pós-Graduanda em Direito Médico pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIAASELVI). Graduada pela UNAES. Presidente da Comissão de Biodireito da OAB/MS. Membro da Comissão de Direito à Saúde da OAB/MS. Membro da World Association For Medical Law.
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