É com preocupação e medo que o Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) encara a proposta do governo federal de trazer médicos estrangeiros para trabalharem no Brasil sem revalidação de diplomas, para alocá-los em regiões carentes. Se esses médicos estiverem não qualificados, o resultado será desastroso em curto intervalo de tempo e trará um enorme desserviço à população.
Seriam profissionais tecnicamente despreparados para atendimento à população brasileira e a grande apreensão é de que esse exercício traga uma desassistência às pessoas, pois ser mal assistido — grande problema que a medicina chama de iatrogenia — pode agravar a doença ou provocar más indicações médicas.
Não temos posição xenofóbica, nunca se colocou essa questão. A população brasileira precisa do mínimo de segurança que se pode oferecer. Os médicos graduados no exterior, brasileiros ou estrangeiros, independentemente do país de formação, devem ser submetidos a uma equivalência curricular e, caso haja discrepância com aquele praticado no Brasil, se faça sua equivalência em uma universidade pública devidamente credenciada.
Concluída a equivalência pela universidade, posteriormente deverá ser aplicado o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras, conhecido como Revalida, instituído pelo próprio governo em 2010. Para os médicos de nacionalidade estrangeira, é de suma importância que seja feita prova de suficiência em português, não só na língua em si, mas também respeitando regionalismos. Não se pode presumir, por exemplo, que a língua espanhola seja “quase” portuguesa.
A tese da falta de médicos no Brasil é polêmica e questionável. O problema dito como estopim da iniciativa do governo está incorreto. Há no Brasil cerca de 400 mil médicos para uma população de 200 milhões de pessoas, isso equivale a um médico para cada 500 pessoas. Trata-se de número satisfatório, comparado à média dos países ditos desenvolvidos, equivalente a um médico para cada 400 pessoas. O problema está na má distribuição desses profissionais. E isso acontece por não haver incentivo para atuarem nos locais mais distantes, decorrente das péssimas condições materiais de atendimento: faltam insumos, medicamentos, aparelhagem, instrumentos, pessoal, tudo.
Existem regiões brasileiras que apresentam falta de médicos, de fato, e regiões com número exorbitante e inexplicável de profissionais. Se tomarmos, por exemplo, como referência a Região Amazônica, a densidade médica em relação à população é muito pequena, aproximadamente um médico para cada 4 mil pessoas. Mas, se tomarmos o centro expandido de São Paulo como referência, vamos ter um número exagerado de médicos, 3,35 por mil habitantes.
O que é realmente necessário é a criação de política de Estado para a saúde. Por mais que existam iniciativas governamentais e o SUS seja uma conquista louvável, ele é assistencial puro e, com muitas falhas, como nós sabemos, a realidade expressa panorama bem sofrido. Até porque a oferta de serviços do SUS é resultado da compra de percentual significativo de serviços privados, agravado também pela transferência de gestão, como Organizações Sociais (OSs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips).
Para que essa política de Estado seja satisfatória, deve-se realizar inventário abrangente, organizado, de responsabilidade, sobre as condições epidemiológicas de cada região brasileira. Isso significa saber qual a maior incidência de doenças naquela região, quais as maiores demandas e necessidades da população, quais os recursos necessários do ponto de vista material e de insumos, instrumental, aparelhagem e, principalmente, recursos humanos: médicos e demais profissionais da saúde.
Para finalizar, é preciso que as condições de trabalho sejam adequadas, com um plano de carreira contendo oferta de infraestrutura de trabalhos (equipamentos, instalações, insumos e programa de educação permanente), apoio por equipe multidisciplinar e que se pratiquem salários decentes com piso nacional de referência, hoje abraçado por todas as entidades médicas, de R$ 10.413 para uma jornada de trabalho de 20 horas semanais.
Se isso for colocado, praticado e efetivado, seguramente teremos soluções palpáveis com grandes avanços. A saúde não pode ser encarada como um espetáculo das decisões governamentais improvisadas, sem medir todas as possíveis consequências para os mais afetados, a população mais carente.
* É dirigente sindical, ex-presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), médico em Brasília, neurocirurgião e advogado.
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, em 05/08/2013.
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