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Escrito por Alfredo Guarischi*.

 

Recentemente fui hospitalizado. Não imaginava que coisas simples, como Florence Nigthingale ensinou, ainda precisassem ser lembradas.

Florence foi a enfermeira inglesa que, discordando do sistema em 1856, salvou a vida de muitos soldados na Guerra da Criméia. Usou seus conhecimentos de estatística, de forma correta, para defender suas teses. Conhecia a verdade dos números não se sujeitando as inverdades dos que dominavam a medicina. Mostrou que lavar as mãos e separar pacientes com diarréia salvava vidas.

Quando relatei minha hospitalização me senti uma “Florence Tupiniquim”. O sistema foi defensivo. Alguns não entendem que aprendemos com os erros e que as críticas podem ser construtivas. Pesquisei, vi e ouvi relatos. O que percebi não ocorre apenas no hospital no qual fui internado. É uma prática comum, mas felizmente não generalizada.

Qual foi a questão: Ao realizar exames laboratoriais ou receber soro, qual é a técnica correta para puncionar uma veia periférica?  Diz claramente a norma técnica de 2010, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA: “É necessário fazer a antissepsia no local da punção”. Antissepsia é a eliminação ou inibição do crescimento de micro-organismos, que estão normalmente na pele, mas que se entrarem na corrente sanguínea pode ocasionar infecção.  Esta antissepsia deve ser feita com solução antisséptica. A norma não esclarece qual material – gaze ou algodão, estéril ou não estéril – na qual esta solução deve ser embebida. O uso de gaze não estéril é rotina em diversos hospitais e ensinada na maioria dos cursos técnicos. Questionei esta rotina. Recebi uma educada resposta da Comissão de Infecção Hospitalar: “A norma não recomenda o uso de gaze estéril”. Inverdade: não há recomendação para o uso de gaze nem estéril, nem de não estéril. A única justificativa é econômica: usar gaze estéril aumentaria os custos.

Refleti muito. Eureka! Não há omissão da ANVISA: porque usar uma gaze não estéril com uma solução antissepsia? Não faz o menor sentido. Este material fica armazenado numa gaveta com livre acesso. Pode ser utilizado até para higiene do paciente.

Pilatos “lavou as mãos” ao se esquivar de qualquer responsabilidade sobre a condenação de Cristo e absolvição do ladrão Barrabás.  O poder econômico também “lava as mãos”, alegando não haver recomendação para o uso de gaze estéril. Se tanto faz porque escolher o mais caro? Centavos? Como perguntar não ofende nem é blasfêmia: Será que está incluído no preço pago pelo convênio para a punção venosa periférica todo material utilizado? Incluiu o da gaze?

Quantas infecções decorrem do uso de gaze não estéril? O grande número de flebites – inflamação no sítio de punção – pode ter relação com o uso de gaze não estéril? Ou estas flebites ocorrem exclusivamente pelo tipo de medicamento administrado na veia? Desconheço pesquisas a respeito e não posso provar o papel da gaze não estéril em qualquer uma destas minhas hipóteses. Imagino ter ouvido: “perdeu, perdeu, perdeu…”.

Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, disse que “quando você elimina o impossível, tudo aquilo que fica, não importa quanto for improvável, deve ser a verdade”. Jamais se imaginou que sobre a selva Amazônica dois aviões colidiriam. Aconteceu. Este foi mais um Natal no qual faltaram alguns avós, pais, filhos e netos porque o improvável não foi o impossível. Os aviões colidiram.

A segurança do paciente e alguns administradores nem sempre mantêm uma relação amistosa. Estes podem “lavar as mãos”, como Pilatos, mas elas continuarão manchadas de sangue ou de bactérias. A saúde não tem preço, mas tem custos.

Administradores lavem as mãos como Florence e não como Pilatos. Os custos das infecções certamente são maiores do que o decorrente do uso de gaze estéril, pois o improvável não é o impossível.


* É , médico, membro da Câmara Técnica de Oncologia do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj).

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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